domingo, novembro 30, 2003
HORA DA FENIX 17 - Lisboa
"queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma" - Mário Cesariny
Duas Imagens apenas. Apenas?
Duas pinturas de Lucien Freud.
Uma.
Duas.
Duas Imagens apenas. Apenas?
Duas pinturas de Lucien Freud.
Uma.
Duas.
HORA DO DIABO 18
"queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma" - Mário Cesariny
Vinte e nove de Novembro de dois mil e três, cinco horas da tarde.
Portas do Sol, Lisboa.
Chuva.
Vento.
Frio.
O Tejo azul.
Azul. Azul. Azul.
Visto do miradouro, o cais do Jardim do Tabaco e nele um barco.
O barco.
E pássaros e Alfama (mergulhada em obras) e escadas-precipício a convidar estrangeiros.
No miradouro as palavras voadoras. Os tapetes.
Carros eléctricos a descarrilar.
Pessoas assustadas a gritar.
E o mar ao longe, invisível, impossível.
Lisboa húmida. Lisboa veneno.
E no cais do Jardim do Tabaco, um barco.
O barco.
Vinte e nove de Novembro de dois mil e três, cinco horas da tarde.
Portas do Sol, Lisboa.
Chuva.
Vento.
Frio.
O Tejo azul.
Azul. Azul. Azul.
Visto do miradouro, o cais do Jardim do Tabaco e nele um barco.
O barco.
E pássaros e Alfama (mergulhada em obras) e escadas-precipício a convidar estrangeiros.
No miradouro as palavras voadoras. Os tapetes.
Carros eléctricos a descarrilar.
Pessoas assustadas a gritar.
E o mar ao longe, invisível, impossível.
Lisboa húmida. Lisboa veneno.
E no cais do Jardim do Tabaco, um barco.
O barco.
sábado, novembro 29, 2003
1555- Dum presságio sobre o dito ano
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
"D’espírito divino a alma presságio atingida
Agitação, fome, peste, guerra correr,
Águas secas, terra e mar de sangue tingidos,
Paz, trégua, a nascer Prelados, Príncipes morrer.”
MICHEL NOSTRADAMUS
"D’espírito divino a alma presságio atingida
Agitação, fome, peste, guerra correr,
Águas secas, terra e mar de sangue tingidos,
Paz, trégua, a nascer Prelados, Príncipes morrer.”
MICHEL NOSTRADAMUS
"Lago" e "A Leveza dos Insectos"
<queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Só a grandeza confere a simplicidade e a genuína humildade. Os que detêm essa excelência na expressão da sua arte, não reivindicam o brilho das luzes, nem precisam gastar as suas horas em “sociedades para intelectuais”. A história prova como foram discretos e silênciosos, os tocados pelo génio criador.
A poetisa e pintora, Cristina Tavares, é um exemplo claro desse fenómeno.
Publicou dois livros (Edições PiMTAI-Associação Cultural), “Lago” – 1997 e “A Leveza dos Insectos” – 1999.
Desses dois livros, contentores do melhor que se escreveu na poesia portuguesa contemporânea, aqui ficam alguns poemas.
LAGO
“Percorrer com intensidade
todos estes campos brancos
tolhidos pela planura
campos que quase não se vêem
mesmo sem nevoeiro.
Os nossos faróis são flores
que as mãos descobrem
pequenas como areia
azuis
trementes
desvinculadas de uma unidade
que não seja a da luz.
Seguimos sem atalhar caminho.”
“Dormíamos de costas
sem dar atenção
à luz asfixiante do canto do jardim.
Aí nasciam as maiores flores
Dessa atormentada luz.
Rente ao chão
A nossa ausência sustentava
a convulsão
das rosas a abrir.
Nunca mais deixámos de ser
aqueles que dormem
e são culpados.”
“Abres muito devagar os olhos
fechas ao de leve o coração.
Nada conta.
As folhas tremem
colunas de folhas secas no chão.
A tua respiração
faz de conta que se perdeu
não mexas as mãos
aprende a segurar melhor o coração.
Depois, lança chamas.”
A LEVEZA DOS INSECTOS
“Redodendros, pó, nebelinas
passam ante os olhos
ao adormecer
luzes, uma pequena palavra
que tudo vela
a leveza dos insectos.”
“Uma pequena palavra
é espontânea e audaz
tal como a flor-
dos-macaquinhos-pendurados
que faz olhar os meninos
e os suspende no espanto.”
“Uma pequena palavra
segura um menino pela ponta dos dedos
e quando ele fala
a dádiva
espalha-se na claridade”
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Só a grandeza confere a simplicidade e a genuína humildade. Os que detêm essa excelência na expressão da sua arte, não reivindicam o brilho das luzes, nem precisam gastar as suas horas em “sociedades para intelectuais”. A história prova como foram discretos e silênciosos, os tocados pelo génio criador.
A poetisa e pintora, Cristina Tavares, é um exemplo claro desse fenómeno.
Publicou dois livros (Edições PiMTAI-Associação Cultural), “Lago” – 1997 e “A Leveza dos Insectos” – 1999.
Desses dois livros, contentores do melhor que se escreveu na poesia portuguesa contemporânea, aqui ficam alguns poemas.
LAGO
“Percorrer com intensidade
todos estes campos brancos
tolhidos pela planura
campos que quase não se vêem
mesmo sem nevoeiro.
Os nossos faróis são flores
que as mãos descobrem
pequenas como areia
azuis
trementes
desvinculadas de uma unidade
que não seja a da luz.
Seguimos sem atalhar caminho.”
“Dormíamos de costas
sem dar atenção
à luz asfixiante do canto do jardim.
Aí nasciam as maiores flores
Dessa atormentada luz.
Rente ao chão
A nossa ausência sustentava
a convulsão
das rosas a abrir.
Nunca mais deixámos de ser
aqueles que dormem
e são culpados.”
“Abres muito devagar os olhos
fechas ao de leve o coração.
Nada conta.
As folhas tremem
colunas de folhas secas no chão.
A tua respiração
faz de conta que se perdeu
não mexas as mãos
aprende a segurar melhor o coração.
Depois, lança chamas.”
A LEVEZA DOS INSECTOS
“Redodendros, pó, nebelinas
passam ante os olhos
ao adormecer
luzes, uma pequena palavra
que tudo vela
a leveza dos insectos.”
“Uma pequena palavra
é espontânea e audaz
tal como a flor-
dos-macaquinhos-pendurados
que faz olhar os meninos
e os suspende no espanto.”
“Uma pequena palavra
segura um menino pela ponta dos dedos
e quando ele fala
a dádiva
espalha-se na claridade”
HORA DA FÉNIX 16 (madrugada)
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
As fadas escondem-se nesta cidade. A neve protege-lhes os abrigos. As fadas contam com as tempestades para se ocultarem sob as casas. À noite saem invisíveis caminhando em passos leves, voadores. Não se deixam tocar pelos humanos como se temessem uma contaminação mortal. As fadas nesta cidade são quase nuvens, quase chuva. São elas que fazem tocar os sinos da catedral. São elas que abrigam os desprezados, são as fadas que acolhem os loucos e os feiticeiros sem poderes. Não tem nomes para que não possam ser nomeadas. As suas mãos curam os doentes, basta um sopro vindo dos seus corações de cristal para que um defunto volte a enfrentar a vida. Debaixo de cada Templo protegem os celebrantes das suas traições à verdade. Fazem os atormentados da culpa escapar às mais terríveis maldições com a bondade dos seus corações quentes. As fadas de Évora transformam-se em árvores, em animais, em pedras. As fadas de Évora são o próprio odor da cidade, são como rosas sacrificadas na cruz, são Cristos com coragem. Quem descobrir o caminho labiríntico que leva às suas moradas será sacrificado com a mudez do segredo, mas jamais conhecerá a tristeza. As fadas de Évora são os anjos luminosos que já não existem.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
As fadas escondem-se nesta cidade. A neve protege-lhes os abrigos. As fadas contam com as tempestades para se ocultarem sob as casas. À noite saem invisíveis caminhando em passos leves, voadores. Não se deixam tocar pelos humanos como se temessem uma contaminação mortal. As fadas nesta cidade são quase nuvens, quase chuva. São elas que fazem tocar os sinos da catedral. São elas que abrigam os desprezados, são as fadas que acolhem os loucos e os feiticeiros sem poderes. Não tem nomes para que não possam ser nomeadas. As suas mãos curam os doentes, basta um sopro vindo dos seus corações de cristal para que um defunto volte a enfrentar a vida. Debaixo de cada Templo protegem os celebrantes das suas traições à verdade. Fazem os atormentados da culpa escapar às mais terríveis maldições com a bondade dos seus corações quentes. As fadas de Évora transformam-se em árvores, em animais, em pedras. As fadas de Évora são o próprio odor da cidade, são como rosas sacrificadas na cruz, são Cristos com coragem. Quem descobrir o caminho labiríntico que leva às suas moradas será sacrificado com a mudez do segredo, mas jamais conhecerá a tristeza. As fadas de Évora são os anjos luminosos que já não existem.
HORA DO DIABO 17
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"É meia-noite. A chuva fustiga as vidraças. Estou calmo. Tudo dorme. Não obstante levanto-me e sento-me à secretária.Não tenho sono. A luz da lâmpada é firme e suave. Regulei-a para dar até de manhã. Ouço o bufo, ave nocturna. Que terrivél grito de guerra! Outrora ouvia-o impassível. O meu filho dorme. Que durma. Virá a noite em que também, não podendo dormir, se sentará à mesa de trabalho. Estarei esquecido"
Samuel Beckett, "Molloy"
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"É meia-noite. A chuva fustiga as vidraças. Estou calmo. Tudo dorme. Não obstante levanto-me e sento-me à secretária.Não tenho sono. A luz da lâmpada é firme e suave. Regulei-a para dar até de manhã. Ouço o bufo, ave nocturna. Que terrivél grito de guerra! Outrora ouvia-o impassível. O meu filho dorme. Que durma. Virá a noite em que também, não podendo dormir, se sentará à mesa de trabalho. Estarei esquecido"
Samuel Beckett, "Molloy"
sexta-feira, novembro 28, 2003
HORA DA FENIX 15
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
"Fiquei intrigada com a míuda que ele escolheu para caminhar com ele e a forma como ela o fez. Ela tacteava a biqueira do sapato com o pé e colava-se a ele para coordenar movimentos como se tivesse feito sempre isso na vida, não se riu, confiou de tal maneira que pensei que eles já se conheciam antes. E conheciam?"
Ana Gonçalves, professora da Escola Secundária António Arroio, Lisboa
Cara Amiga,
Recebi esta frase de um e-mail seu.
Em relação a esse momento, gostaria de lhe endereçar umas palavras.
Para mim foi um momento estranhamente... como direi, excepcional.
Conheci aquela menina uns minutos antes da prática, à porta da sala do centro de recursos. Ela disse que era de Évora e vivia em Lisboa, eu disse que era de Lisboa e vivia em Évora, coisas assim. Mas, logo nesse momento, causou-me uma fortíssima impressão.
Lá dentro não fazia a mínima ideia onde ela se tinha sentado. Ainda por cima eu vejo muuuito mal mesmo com óculos, sem óculos, vejo assim uma espécie de amalgama colorida, juntando a isto a pintura dos olhos que me cola as pestanas e me impede de fechar as pálpebras com a cadência própria e humedecer os olhos. Quando entro em cena, naquela escuridão, tudo se passa num jogo de adivinhação, um jogo de desocultação em que tenho de aprender, em segundos, a "ver" por outros sentidos. Tenho sempre muito cuidado para não magoar ninguém, especialmente na parte em que se acendem as velas.
Quando percorria a sala, iluminando as mãos do público, tinha a preocupação de reconhecer alguém que à partida estivesse disponível para entrar no processo. Já quase no fim, uma rapariga deu-me a mão e olhou-me com o coração aberto, estava completamente embrenhada na imobilidade. Mas senti que não era ela, que tinha que continuar a procura. Arrisquei ir até ao acender da última vela, se não encontrasse “a” pessoa faria um qualquer jogo que me permitisse voltar atrás e ir buscar a outra menina. Mas quando peguei na última vela, sem olhar para o rosto de quem ma dava, constatei que a vela tinha um problema no pavio, que não consegui identificar. Olhei então para o "rosto" para pedir ajuda, era ela, também me olhava na imobilidade, decidi não acender a vela e aceitar a impossibilidade, era o sinal, Trouxe-a. A partir daí tudo foi inesperado e surpreendente, não houve estímulo a que ela não correspondesse, olhar que ela não compreendesse. Absolutamente mágico. No fim queria falar-lhe, mas ela fugiu. Como as fadas.
um fraterno abraço.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
"Fiquei intrigada com a míuda que ele escolheu para caminhar com ele e a forma como ela o fez. Ela tacteava a biqueira do sapato com o pé e colava-se a ele para coordenar movimentos como se tivesse feito sempre isso na vida, não se riu, confiou de tal maneira que pensei que eles já se conheciam antes. E conheciam?"
Ana Gonçalves, professora da Escola Secundária António Arroio, Lisboa
Cara Amiga,
Recebi esta frase de um e-mail seu.
Em relação a esse momento, gostaria de lhe endereçar umas palavras.
Para mim foi um momento estranhamente... como direi, excepcional.
Conheci aquela menina uns minutos antes da prática, à porta da sala do centro de recursos. Ela disse que era de Évora e vivia em Lisboa, eu disse que era de Lisboa e vivia em Évora, coisas assim. Mas, logo nesse momento, causou-me uma fortíssima impressão.
Lá dentro não fazia a mínima ideia onde ela se tinha sentado. Ainda por cima eu vejo muuuito mal mesmo com óculos, sem óculos, vejo assim uma espécie de amalgama colorida, juntando a isto a pintura dos olhos que me cola as pestanas e me impede de fechar as pálpebras com a cadência própria e humedecer os olhos. Quando entro em cena, naquela escuridão, tudo se passa num jogo de adivinhação, um jogo de desocultação em que tenho de aprender, em segundos, a "ver" por outros sentidos. Tenho sempre muito cuidado para não magoar ninguém, especialmente na parte em que se acendem as velas.
Quando percorria a sala, iluminando as mãos do público, tinha a preocupação de reconhecer alguém que à partida estivesse disponível para entrar no processo. Já quase no fim, uma rapariga deu-me a mão e olhou-me com o coração aberto, estava completamente embrenhada na imobilidade. Mas senti que não era ela, que tinha que continuar a procura. Arrisquei ir até ao acender da última vela, se não encontrasse “a” pessoa faria um qualquer jogo que me permitisse voltar atrás e ir buscar a outra menina. Mas quando peguei na última vela, sem olhar para o rosto de quem ma dava, constatei que a vela tinha um problema no pavio, que não consegui identificar. Olhei então para o "rosto" para pedir ajuda, era ela, também me olhava na imobilidade, decidi não acender a vela e aceitar a impossibilidade, era o sinal, Trouxe-a. A partir daí tudo foi inesperado e surpreendente, não houve estímulo a que ela não correspondesse, olhar que ela não compreendesse. Absolutamente mágico. No fim queria falar-lhe, mas ela fugiu. Como as fadas.
um fraterno abraço.
HORA DO DIABO 16 - Um corpo contra a luz
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
O que é um homem?
De que é feito? De matéria, corpo-cérebro?
Corre sangue nas suas veias? Há sorrisos e paixões a atravessarem-lhe o corpo? Há nele corpo para ser atravessado?
Qual é o seu sexo?
Há sexo num homem?
(Sempre pensei o ser masculino como uma invenção e
o ser feminino uma criação.
O invento é uma acção do engenho, a criação um poder dos deuses.
É fácil compreender a forma masculina vista como um esqueleto, mas se lhe pusermos, carne e veias, nervos, tendões e pele, sobre tudo pele, torna-se numa massa abstracta. Num volume sem rosto. Numa trovoada de pensamentos e distorções.)
Como se move um homem?
Um homem move-se?
Como se toca um homem?
Um homem toca-se?
Como sofre um homem?
Um homem sofre-se!
Visto do universo, que cor tem?
As estrelas vêem-no?
Que acharão as estrelas?
Não! A princípio, um homem não tem corpo.
Um homem conquista o corpo.
Antes não há nada. Quando nasce não há nada num homem. Tudo é demoradamente conquistado. Construído. Um homem nunca pré-existe. Não conta com a vantagem de ter um principio.
Um homem não se sabe homem até se construir como tal.
Mas porque decide construir-se assim?
Quem decide?
A construção do cérebro é a mais dolorosa das etapas. É o momento em que se torna segmento, se separa do que tudo abrange e acolhe, do que tudo abraça. A conquista do cérebro, num homem, é a negação da concepção, do sopro da vida. É a assumpção do engenho e do suor. É um trabalho operário, solitário e lento.
Todavia, do suor do seu labor, pode, apesar de tudo, nascer um sol, mas um homem será sempre o corpo que contra a luz habita a sombra e mesmo nos momentos de morte, não é mais que um desejo de encarar a chama desse sol possível.
Esse desejo será sua eterna condenação, o passo atrás feito retrocesso, a consciência mortal de que os seus olhos não sabem olhar a claridade.
Um homem é um corpo contra a luz.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
O que é um homem?
De que é feito? De matéria, corpo-cérebro?
Corre sangue nas suas veias? Há sorrisos e paixões a atravessarem-lhe o corpo? Há nele corpo para ser atravessado?
Qual é o seu sexo?
Há sexo num homem?
(Sempre pensei o ser masculino como uma invenção e
o ser feminino uma criação.
O invento é uma acção do engenho, a criação um poder dos deuses.
É fácil compreender a forma masculina vista como um esqueleto, mas se lhe pusermos, carne e veias, nervos, tendões e pele, sobre tudo pele, torna-se numa massa abstracta. Num volume sem rosto. Numa trovoada de pensamentos e distorções.)
Como se move um homem?
Um homem move-se?
Como se toca um homem?
Um homem toca-se?
Como sofre um homem?
Um homem sofre-se!
Visto do universo, que cor tem?
As estrelas vêem-no?
Que acharão as estrelas?
Não! A princípio, um homem não tem corpo.
Um homem conquista o corpo.
Antes não há nada. Quando nasce não há nada num homem. Tudo é demoradamente conquistado. Construído. Um homem nunca pré-existe. Não conta com a vantagem de ter um principio.
Um homem não se sabe homem até se construir como tal.
Mas porque decide construir-se assim?
Quem decide?
A construção do cérebro é a mais dolorosa das etapas. É o momento em que se torna segmento, se separa do que tudo abrange e acolhe, do que tudo abraça. A conquista do cérebro, num homem, é a negação da concepção, do sopro da vida. É a assumpção do engenho e do suor. É um trabalho operário, solitário e lento.
Todavia, do suor do seu labor, pode, apesar de tudo, nascer um sol, mas um homem será sempre o corpo que contra a luz habita a sombra e mesmo nos momentos de morte, não é mais que um desejo de encarar a chama desse sol possível.
Esse desejo será sua eterna condenação, o passo atrás feito retrocesso, a consciência mortal de que os seus olhos não sabem olhar a claridade.
Um homem é um corpo contra a luz.
quinta-feira, novembro 27, 2003
HORA DA FENIX 14 - Sete Castigos Capitais e um texto de Mário Dionísio
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"Sete Castigos Capitais" e um texto de Mário Dionísio
"As cores são pós de terra ou minerais amassados com um diluente. São, por exemplo, óxidos de ferro, que dão amarelos; cádimios, que dão vermelhos e amarelos; crómios, que dão amarelos, laranjas e verdes; terras, que dão vermelhos, amarelos e castanhos. Os diluentes são óleos, resinas, colas, silicatos. E é destes materiais que tem de sair a transparência dos céus, a macieza das relvas, o acetinado das peles, a matéria imponderável dos sorrisos, das iras, dos desejos, dos sonhos."
Mestre Mário Dionísio, 1952
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"Sete Castigos Capitais" e um texto de Mário Dionísio
"As cores são pós de terra ou minerais amassados com um diluente. São, por exemplo, óxidos de ferro, que dão amarelos; cádimios, que dão vermelhos e amarelos; crómios, que dão amarelos, laranjas e verdes; terras, que dão vermelhos, amarelos e castanhos. Os diluentes são óleos, resinas, colas, silicatos. E é destes materiais que tem de sair a transparência dos céus, a macieza das relvas, o acetinado das peles, a matéria imponderável dos sorrisos, das iras, dos desejos, dos sonhos."
Mestre Mário Dionísio, 1952
quarta-feira, novembro 26, 2003
HORA DO DIABO 14
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
COUVE LOMBARDA RECHEADA
“Deita-se numa panela com água a ferver e sal, uma couve lombarda a que se tiram as folhas de fora”.
Quando estiver meia cozida, tira-se a couve e deixa-se esfriar.
Abre-se-lhe uma tampa em cima e com uma faca escava-se por dentro, até ficar uma espécie de caixa; em seguida recheia-se com picado de carne ou de legumes, isto é uma mistura de cenouras, ervilhas, nabos e feijão verde.
Torna a fechar-se, colocando a tampa e segurando-se com uns palitos, para que não abra.
Tem-se preparado um molho com cebola picada, manteiga e um pouco de farinha, que se deixa alourar, deitando-lhe depois caldo, um ramo de salsa e pimenta moída.
Neste molho deita-se a couve e deixa-se em lume brando até acabar de cozer, ficando pronta a servir.”
A edição do livro de onde esta receita foi tirada tem setenta anos. Nesse tempo as receitas de cozinha eram fáceis de entender, quer dizer, eram escritas para as pessoas aprenderem a fazer pratos para os almoços e jantares de todos os dias.
Hoje, os livros de receitas, são manuais esotéricos de uma qualquer ciência estranha. Coisas para especialistas. Estes antigos manuais ajudavam as pessoas, eram úteis e nem tinham fotografias. Porque é que há coisas que tem que mudar?
COUVE LOMBARDA RECHEADA
“Deita-se numa panela com água a ferver e sal, uma couve lombarda a que se tiram as folhas de fora”.
Quando estiver meia cozida, tira-se a couve e deixa-se esfriar.
Abre-se-lhe uma tampa em cima e com uma faca escava-se por dentro, até ficar uma espécie de caixa; em seguida recheia-se com picado de carne ou de legumes, isto é uma mistura de cenouras, ervilhas, nabos e feijão verde.
Torna a fechar-se, colocando a tampa e segurando-se com uns palitos, para que não abra.
Tem-se preparado um molho com cebola picada, manteiga e um pouco de farinha, que se deixa alourar, deitando-lhe depois caldo, um ramo de salsa e pimenta moída.
Neste molho deita-se a couve e deixa-se em lume brando até acabar de cozer, ficando pronta a servir.”
A edição do livro de onde esta receita foi tirada tem setenta anos. Nesse tempo as receitas de cozinha eram fáceis de entender, quer dizer, eram escritas para as pessoas aprenderem a fazer pratos para os almoços e jantares de todos os dias.
Hoje, os livros de receitas, são manuais esotéricos de uma qualquer ciência estranha. Coisas para especialistas. Estes antigos manuais ajudavam as pessoas, eram úteis e nem tinham fotografias. Porque é que há coisas que tem que mudar?
DURÃO E UVA DE MÃO DADA COM O PAPA
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
A 7 de Maio de 1940, Salazar e o então ocupante do trono pontifício, Pio XII, assinaram um tratado de relacionamento entre o estado português e a Santa Sé: a Concordata. Sessenta e três anos depois o acordo continua praticamente inalterado. Apenas em 1975, foi introduzido no texto um protocolo que reconhecia a o direito dos cônjuges católicos se divorciarem civilmente.
Todos as outras regalias conferidas à Igreja Católica, que ainda hoje desrespeitam a laicidade do estado, nomeadamente insenções fiscais, continuam a ofender o princípio democrático de separação da igreja do estado e a equidade de relações com todas as outras confissões religiosas.
Ao que parece a Concordata vai ser revista. Pelo menos foi o que Durão Barroso (acompanhado pela mulher, Sousa Uva) anunciou durante a sua deslocação a Roma. Foi-nos revelado, durante a comovente serenata de admiração ao Papa João Paulo II, que as conversações com o Cardeal Sodano tinham terminado com sucesso, e que a apresentação do um novo protocolo já só estaria dependente de pormenores formais e jurídicos.
Resta saber que legitimidade tem o estado português para continuar a privilegiar, ainda que de forma menos escandalosa, um determinado grupo religioso?
O facto é que num estado laico, como o nosso, um governo, não pode tomar partido sobre questões desta natureza. Sabemos que são os importantes interesses económicos e políticos que estão por trás desta “amizade”. Sabemos que não são, nem nunca foram, inocentes as jogadas de Roma. É importante recordar, como exemplo, o “negócio” que o papa Pio XII celebrou com os Nazis, na mesma altura da assinatura da concordata com Salazar.
Apesar da ternurenta imagem do velhinho dando as mãozinhas ao Cherne e à Uva, não podemos ignorar o significado deste novo-velho acordo. Barroso será lembrado por ter sido, com Salazar, o continuador desta promíscua relação de interesses obscuros, que há séculos confere a uma igreja o poder de “negociar”, com toda a espécie de favorecimetos, em Portugal.
Louvada seja a memória dos Republicanos que no princípio do sec. XX, ousaram desafiar as “operações” cardinalícias no nosso país, e também por isso, pagaram caro pela sua coragem.
A 7 de Maio de 1940, Salazar e o então ocupante do trono pontifício, Pio XII, assinaram um tratado de relacionamento entre o estado português e a Santa Sé: a Concordata. Sessenta e três anos depois o acordo continua praticamente inalterado. Apenas em 1975, foi introduzido no texto um protocolo que reconhecia a o direito dos cônjuges católicos se divorciarem civilmente.
Todos as outras regalias conferidas à Igreja Católica, que ainda hoje desrespeitam a laicidade do estado, nomeadamente insenções fiscais, continuam a ofender o princípio democrático de separação da igreja do estado e a equidade de relações com todas as outras confissões religiosas.
Ao que parece a Concordata vai ser revista. Pelo menos foi o que Durão Barroso (acompanhado pela mulher, Sousa Uva) anunciou durante a sua deslocação a Roma. Foi-nos revelado, durante a comovente serenata de admiração ao Papa João Paulo II, que as conversações com o Cardeal Sodano tinham terminado com sucesso, e que a apresentação do um novo protocolo já só estaria dependente de pormenores formais e jurídicos.
Resta saber que legitimidade tem o estado português para continuar a privilegiar, ainda que de forma menos escandalosa, um determinado grupo religioso?
O facto é que num estado laico, como o nosso, um governo, não pode tomar partido sobre questões desta natureza. Sabemos que são os importantes interesses económicos e políticos que estão por trás desta “amizade”. Sabemos que não são, nem nunca foram, inocentes as jogadas de Roma. É importante recordar, como exemplo, o “negócio” que o papa Pio XII celebrou com os Nazis, na mesma altura da assinatura da concordata com Salazar.
Apesar da ternurenta imagem do velhinho dando as mãozinhas ao Cherne e à Uva, não podemos ignorar o significado deste novo-velho acordo. Barroso será lembrado por ter sido, com Salazar, o continuador desta promíscua relação de interesses obscuros, que há séculos confere a uma igreja o poder de “negociar”, com toda a espécie de favorecimetos, em Portugal.
Louvada seja a memória dos Republicanos que no princípio do sec. XX, ousaram desafiar as “operações” cardinalícias no nosso país, e também por isso, pagaram caro pela sua coragem.
HORA DA FENIX 13 (dantes hora do anjo)
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Escrevo frente a uma uma árvore belíssima, centenária, agitada. Verde apesar do Outono. Uma árvore deslumbrante.
Logo pela manhã encontrei nas cartas de Van Gogh a Theo, esta frase:
“Quando se sai da prisão depois de lá se ter estado muito tempo, há momentos em que se tem saudades da própria prisão, porque se fica desorientado na liberdade, chamada assim provavelmente porque a esgotante tarefa de ganhar a vida não deixa liberdade nenhuma.”
Agora, olhando esta árvore à minha frente, LIVRE, doce...
Ela nunca procurou a liberdade, mas encontrou-a.
Escrevo frente a uma uma árvore belíssima, centenária, agitada. Verde apesar do Outono. Uma árvore deslumbrante.
Logo pela manhã encontrei nas cartas de Van Gogh a Theo, esta frase:
“Quando se sai da prisão depois de lá se ter estado muito tempo, há momentos em que se tem saudades da própria prisão, porque se fica desorientado na liberdade, chamada assim provavelmente porque a esgotante tarefa de ganhar a vida não deixa liberdade nenhuma.”
Agora, olhando esta árvore à minha frente, LIVRE, doce...
Ela nunca procurou a liberdade, mas encontrou-a.
Hora do Diabo 14 - Os Vermes Indiferentes
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
“Devemos dizer aos individualistas burgueses que o seu discurso sobre a liberdade absoluta é pura hipocrisia”.
Não pode haver “liberdade” real e efectiva baseada no poder do dinheiro, numa sociedade na qual as massas do povo trabalhador vivem em pobreza e um punhado de ricos vive como parasitas.”
Lenine, 1905
Terça-feira, em Lisboa, como todas as terças.
Ia caminhando até ao consultório do meu médico.
No trajecto, encontro dois homens russos. Um cortava o cabelo ao outro, com uma tesoura de bicos redondos, daquelas que se usam nos infantários. O homem a quem era cortado o cabelo tinha a cabeça caída, o olhar pousado no chão e aos ombros um pano que lhe aparava as madeixas caídas. A tesoura devia-o magoar, pois ele gemia cada vez que o “irmão” lhe golpeava o cabelo louro.
Continuei o caminho no conforto dos meus sapatos, no quente da minha roupa. Levei a mão ao cabelo, cortado no cabeleireiro pelo sr. Querubim. Lembrei-me do requinte dos seus cuidados, sempre preocupado com a temperatura da água, com a inclinação da cadeira. Senti-me tão envergonhado. Como posso eu deixar ali aqueles homens, sem nada, sem um nome sequer. Chegados cá os seus nomes são como siglas informáticas. São uns gajos e pronto. E eu andando confortável para o consultório do meu médico.
Mesmo ao lado, abriram-se as portas de uma luxuosa e conhecida casa de alterne da cidade. Uma moça, com uma ínfima saia e um top de renda, saiu ao frio para ir buscar um homem de sobretudo preto e sapatos de verniz a um carro azul e grande. A moça disse-lhe: "Boa noite doutor Henrique". Tinha sotaque brasileiro. O doutor Henrique deixou-se acompanhar para dentro da casa e o carro seguiu viagem.
A senhora brasileira, a gaja, como certamente a tratam, vinha quase nua, com um frio de rachar, buscar um homem que no corpo levava mais euros pendurados que todo o dinheiro que a rapariga ganha num ano. Só os sapatos do doutor dariam para pagar uma renda de casa, coisa que ela nem deve ter.
Porque desistimos de lutar?
Porque nos tornámos nestes vermes indiferentes?
É a hora!
“Devemos dizer aos individualistas burgueses que o seu discurso sobre a liberdade absoluta é pura hipocrisia”.
Não pode haver “liberdade” real e efectiva baseada no poder do dinheiro, numa sociedade na qual as massas do povo trabalhador vivem em pobreza e um punhado de ricos vive como parasitas.”
Lenine, 1905
Terça-feira, em Lisboa, como todas as terças.
Ia caminhando até ao consultório do meu médico.
No trajecto, encontro dois homens russos. Um cortava o cabelo ao outro, com uma tesoura de bicos redondos, daquelas que se usam nos infantários. O homem a quem era cortado o cabelo tinha a cabeça caída, o olhar pousado no chão e aos ombros um pano que lhe aparava as madeixas caídas. A tesoura devia-o magoar, pois ele gemia cada vez que o “irmão” lhe golpeava o cabelo louro.
Continuei o caminho no conforto dos meus sapatos, no quente da minha roupa. Levei a mão ao cabelo, cortado no cabeleireiro pelo sr. Querubim. Lembrei-me do requinte dos seus cuidados, sempre preocupado com a temperatura da água, com a inclinação da cadeira. Senti-me tão envergonhado. Como posso eu deixar ali aqueles homens, sem nada, sem um nome sequer. Chegados cá os seus nomes são como siglas informáticas. São uns gajos e pronto. E eu andando confortável para o consultório do meu médico.
Mesmo ao lado, abriram-se as portas de uma luxuosa e conhecida casa de alterne da cidade. Uma moça, com uma ínfima saia e um top de renda, saiu ao frio para ir buscar um homem de sobretudo preto e sapatos de verniz a um carro azul e grande. A moça disse-lhe: "Boa noite doutor Henrique". Tinha sotaque brasileiro. O doutor Henrique deixou-se acompanhar para dentro da casa e o carro seguiu viagem.
A senhora brasileira, a gaja, como certamente a tratam, vinha quase nua, com um frio de rachar, buscar um homem que no corpo levava mais euros pendurados que todo o dinheiro que a rapariga ganha num ano. Só os sapatos do doutor dariam para pagar uma renda de casa, coisa que ela nem deve ter.
Porque desistimos de lutar?
Porque nos tornámos nestes vermes indiferentes?
É a hora!
terça-feira, novembro 25, 2003
Carta de Isabel Nobre Santos
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Uma carta ao mundo e aos seus cidadãos:
"Adorei o zazen da Romã! E quanto ao blog, não há
palavras! Que felicidade haver ainda gente como nós,
que VIVE, que sofre, que dá, que não tem medo...
É uma luz na escuridão de um mundo de "hecatombes" e
morte... É a luz que se destila da alquimia de fazer
NOVO em cada dia, é a luz que nos escorre directamente
da Alma atenta!
Lisboa está cheia de um Sol absolutamente redemptor,
pelo menos tão redemptor quanto a Sagrada Rebeldia de
alguns... Donde estou, o Castelo de São Jorge agita
suas bandeiras saudando o dia glorioso e as casas
rebrilham aliviadas do cinzento...
É duro libertarmo-nos. Mas é tão transformador,
tras-nos tanto! E começarmos a construir, à nossa
volta, como que por osmose, um mundo mais autêntico e
livre.
Ver um rapaz de treze anos dizer-me: "Estou a
descobrir-me a mim próprio e isso é formidável! Sabes,
Mamã, isto é Filosofia!" Sentir o apoio das minhas
filhas adolescentes a verem em mim a coragem que
amanhã elas vão manifestar.
As portas que se fecham... sim. Mas quanta liberdade,
por cada porta que se fecha?
As incompreensões... sim. Mas quanta aprendizagem e
quanta compaixão, ao ver o mundo compactado a partir
do qual os outros se fecham à nossa Verdade?
E o irromper da MAGIA em cada novo momento, os dias
mágicos e luminosos da tomada de consciência,
acarretando consigo todo o seu cortejo de mãos vazias
e corações cheios...
Como deixar testamento desta Felicidade? Como dar a
compreender que, se morresse hoje, teria realizado
tudo? Como partilhar a Perfeição de momentos ÚNICOS?
As pessoas que nada têm criticam os que despertam. Vêm
lama onde só há diamantes e gotas de orvalho. Mas não
conseguem atingir a Beleza do Verdadeiro Amor.
A Luz que hoje se desprende dos nossos olhos é Luz e á
Água e é Mel... Vem do Sol e das Estrelas e escorre
pelas folhas das árvores num tom dourado nimbado
ligeiramente de verde...
Vitória, vitória, canta a VIDA. E o cortejo dos
tristes, dos maldizentes, passa devagar com uma nuvem
chovendo-lhe em cima.
Lisboa acorda brilhante de pureza na manhã de AGORA.
Isabel"
Uma carta ao mundo e aos seus cidadãos:
"Adorei o zazen da Romã! E quanto ao blog, não há
palavras! Que felicidade haver ainda gente como nós,
que VIVE, que sofre, que dá, que não tem medo...
É uma luz na escuridão de um mundo de "hecatombes" e
morte... É a luz que se destila da alquimia de fazer
NOVO em cada dia, é a luz que nos escorre directamente
da Alma atenta!
Lisboa está cheia de um Sol absolutamente redemptor,
pelo menos tão redemptor quanto a Sagrada Rebeldia de
alguns... Donde estou, o Castelo de São Jorge agita
suas bandeiras saudando o dia glorioso e as casas
rebrilham aliviadas do cinzento...
É duro libertarmo-nos. Mas é tão transformador,
tras-nos tanto! E começarmos a construir, à nossa
volta, como que por osmose, um mundo mais autêntico e
livre.
Ver um rapaz de treze anos dizer-me: "Estou a
descobrir-me a mim próprio e isso é formidável! Sabes,
Mamã, isto é Filosofia!" Sentir o apoio das minhas
filhas adolescentes a verem em mim a coragem que
amanhã elas vão manifestar.
As portas que se fecham... sim. Mas quanta liberdade,
por cada porta que se fecha?
As incompreensões... sim. Mas quanta aprendizagem e
quanta compaixão, ao ver o mundo compactado a partir
do qual os outros se fecham à nossa Verdade?
E o irromper da MAGIA em cada novo momento, os dias
mágicos e luminosos da tomada de consciência,
acarretando consigo todo o seu cortejo de mãos vazias
e corações cheios...
Como deixar testamento desta Felicidade? Como dar a
compreender que, se morresse hoje, teria realizado
tudo? Como partilhar a Perfeição de momentos ÚNICOS?
As pessoas que nada têm criticam os que despertam. Vêm
lama onde só há diamantes e gotas de orvalho. Mas não
conseguem atingir a Beleza do Verdadeiro Amor.
A Luz que hoje se desprende dos nossos olhos é Luz e á
Água e é Mel... Vem do Sol e das Estrelas e escorre
pelas folhas das árvores num tom dourado nimbado
ligeiramente de verde...
Vitória, vitória, canta a VIDA. E o cortejo dos
tristes, dos maldizentes, passa devagar com uma nuvem
chovendo-lhe em cima.
Lisboa acorda brilhante de pureza na manhã de AGORA.
Isabel"
HORA DO ANJO - 12 (ainda de madrugada)
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Conto de Risoleta Pinto Pedro
A ROMÃ ZEN
“Tenho uma amiga que pratica zazen; eu não sei explicar bem o que é, mas sei que entre outras coisas, os praticantes de zazen se sentam em cima de umas almofadas redondas virados para uma parede, vestidos com uns kimonos negros e ficam lá muito tempo a fazer meditação. Ora para ir praticar o zazen esta minha amiga levanta-se muito cedo e depois de andar uns tempos às voltas ao parque de estacionamento lá consegue estacionar o carro e finalmente lá vai ela arrumar-se virada para uma parede, estacionada ao lado de outros praticantes, todos muito arrumadinhos para caberem alinhados lado a lado, como os carros.
Eu tenho em casa uma gata que se chama Romã que também faz zazen, mas ela tem muito menos trabalho que a minha amiga, porque o faz com maior das facilidades e com uma frequência espantosa, sem sair de casa. Várias vezes ao dia e por períodos indeterminados salta agilmente para cima do sofá verde da sala, encavalita-se em cima do braço do mesmo e, quase em desafio à gravidade, e sem kimono nem almofada ali fica a olhar para a parede. Não sei que atracção tem para ela aquela parede, porque é sempre a mesma, naquele sítio, mas creio que o será pela mesma razão a minha amiga também vai sempre ao mesmo centro de zazen, onde tem que levar e estacionar o carro. A minha amiga só pode lá ir uma vez por dia e nem todos os dias pode fazê-lo. A Romã fá-lo sempre que lhe passa pela cabeça. Quando eu me decidir a praticar zazen peço à minha gata que me escolha uma parede acessível e sem necessidade de parque de estacionamento, de preferência com sofá em frente, e com um braço um bocadinho largo para eu poder sentar-me sem cair, porque para ter a agilidade e o equilíbrio dela ainda tenho que praticar muito, quero dizer, saltar muitos muros e correr à frente de muitos cães.”
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Conto de Risoleta Pinto Pedro
A ROMÃ ZEN
“Tenho uma amiga que pratica zazen; eu não sei explicar bem o que é, mas sei que entre outras coisas, os praticantes de zazen se sentam em cima de umas almofadas redondas virados para uma parede, vestidos com uns kimonos negros e ficam lá muito tempo a fazer meditação. Ora para ir praticar o zazen esta minha amiga levanta-se muito cedo e depois de andar uns tempos às voltas ao parque de estacionamento lá consegue estacionar o carro e finalmente lá vai ela arrumar-se virada para uma parede, estacionada ao lado de outros praticantes, todos muito arrumadinhos para caberem alinhados lado a lado, como os carros.
Eu tenho em casa uma gata que se chama Romã que também faz zazen, mas ela tem muito menos trabalho que a minha amiga, porque o faz com maior das facilidades e com uma frequência espantosa, sem sair de casa. Várias vezes ao dia e por períodos indeterminados salta agilmente para cima do sofá verde da sala, encavalita-se em cima do braço do mesmo e, quase em desafio à gravidade, e sem kimono nem almofada ali fica a olhar para a parede. Não sei que atracção tem para ela aquela parede, porque é sempre a mesma, naquele sítio, mas creio que o será pela mesma razão a minha amiga também vai sempre ao mesmo centro de zazen, onde tem que levar e estacionar o carro. A minha amiga só pode lá ir uma vez por dia e nem todos os dias pode fazê-lo. A Romã fá-lo sempre que lhe passa pela cabeça. Quando eu me decidir a praticar zazen peço à minha gata que me escolha uma parede acessível e sem necessidade de parque de estacionamento, de preferência com sofá em frente, e com um braço um bocadinho largo para eu poder sentar-me sem cair, porque para ter a agilidade e o equilíbrio dela ainda tenho que praticar muito, quero dizer, saltar muitos muros e correr à frente de muitos cães.”
HORA DO DIABO 13 - Os desatres
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Por qualquer razão que desconheço (coisas da informática?), esta noite não tive acesso ao servidor do Blog.
1.
Comecei o dia, lendo no “Público – Local”, uma espécie de, como dizer, notícias ? Novidades, de várias zonas do país. Na coluna “Locais”, fiquei a saber que a terra tremeu em Bragança; que morreram dois adolescentes na estrada de S. Bartolomeu de Messines; que um homem se despistou e morreu em Boliqueime; que um jovem desapareceu no Nabão, Tomar. São as novas que nos chegam dos correspondentes locais.
Pergunta: “De Bragança ao Algarve, não se passa mais nada que mortes por acidente e hecatombes?”.
2.
Vi os telejornais, em zaping, sempre a fugir às imagens de mortos, de gente a morrer, de gente a querer morrer. E, claro, a história do “exame” que pôs o Carlos Cruz nu numa sala da prisão, supostamente para ver se ele levava droga dentro dele (aliás prática de humikhação muito frequente nas prisões).
Pergunta: Só há morte e prisão e humilhação no mundo?
A cultura do desastre é um fenómeno mesmo muito estranho. Das duas uma, ou as pessoas que assistem àquilo, se sentem aliviados nas suas dificuldades por ficarem com a impressão de que se pode sempre ficar pior; ou se sentem mesmo felizes por verem os outros em situações de sofrimento absoluto. Seja como for, a sensação com que fico é de que algo corre mal no reino da Terra e que esta manipulação doentia do horror só pode estar a servir interesses muito mais sinistros do que podemos imaginar. Como disse um jornalista, na altura da morte de JFK, “Só os loucos não acreditam em conspirações”.
Ainda por cima estas coisas metem-se na nossa cabeça. Passamos a encarar tudo como uma possibilidade de desastre. Esta noite quando tentava aceder ao Blogspot, e sistematicamente a coisa não se dava, juro, pensei logo que poderia ter caído uma bomba lá na casinha americana onde os rapazes que administram isto trabalham. Se calhar só faltou a luz…mas e se foi o Mr.Bin (Laden, bem entendido)?
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Por qualquer razão que desconheço (coisas da informática?), esta noite não tive acesso ao servidor do Blog.
1.
Comecei o dia, lendo no “Público – Local”, uma espécie de, como dizer, notícias ? Novidades, de várias zonas do país. Na coluna “Locais”, fiquei a saber que a terra tremeu em Bragança; que morreram dois adolescentes na estrada de S. Bartolomeu de Messines; que um homem se despistou e morreu em Boliqueime; que um jovem desapareceu no Nabão, Tomar. São as novas que nos chegam dos correspondentes locais.
Pergunta: “De Bragança ao Algarve, não se passa mais nada que mortes por acidente e hecatombes?”.
2.
Vi os telejornais, em zaping, sempre a fugir às imagens de mortos, de gente a morrer, de gente a querer morrer. E, claro, a história do “exame” que pôs o Carlos Cruz nu numa sala da prisão, supostamente para ver se ele levava droga dentro dele (aliás prática de humikhação muito frequente nas prisões).
Pergunta: Só há morte e prisão e humilhação no mundo?
A cultura do desastre é um fenómeno mesmo muito estranho. Das duas uma, ou as pessoas que assistem àquilo, se sentem aliviados nas suas dificuldades por ficarem com a impressão de que se pode sempre ficar pior; ou se sentem mesmo felizes por verem os outros em situações de sofrimento absoluto. Seja como for, a sensação com que fico é de que algo corre mal no reino da Terra e que esta manipulação doentia do horror só pode estar a servir interesses muito mais sinistros do que podemos imaginar. Como disse um jornalista, na altura da morte de JFK, “Só os loucos não acreditam em conspirações”.
Ainda por cima estas coisas metem-se na nossa cabeça. Passamos a encarar tudo como uma possibilidade de desastre. Esta noite quando tentava aceder ao Blogspot, e sistematicamente a coisa não se dava, juro, pensei logo que poderia ter caído uma bomba lá na casinha americana onde os rapazes que administram isto trabalham. Se calhar só faltou a luz…mas e se foi o Mr.Bin (Laden, bem entendido)?
Questões de Moral
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Brilhante o programa “Questões de Moral” que Joel Costa realizou sobre JFK. São momentos como estes que ainda fazem valer a pena sintonizar a Antena 2 que cada vez mais se afunda na sua falta de projecto.
Brilhante o programa “Questões de Moral” que Joel Costa realizou sobre JFK. São momentos como estes que ainda fazem valer a pena sintonizar a Antena 2 que cada vez mais se afunda na sua falta de projecto.
segunda-feira, novembro 24, 2003
HORA DO ANJO 11 - "Taipé 101"
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
A Arquitectura e os seus símbolos, são a mais apaixonante e significativa metáfora da existência humana. Se observarmos e reflectirmos sobre os símbolos da construção, encontraremos surpreendentes revelações sobre a nossa condição e se levarmos esse encontro com a Grande Arquitectura Universal, às últimas consequências, teremos à nossa disposição uma ferramenta de trabalho interior capaz de abrir as portas daquilo a que os homens chamam “espiritualidade”. Ou seja, do seu auto-conheimento. “CONHECE-TE A TI MESMO E CONHECERÁS TODO O UNIVERSO E OS PRÓPRIOS DEUSES”
TOCAR O CÉU
Na última edição do “Expresso” (pag. 54 da “Única”, 22 de Novembro), Telma Miguel, escreveu uma notícia sobre a construção do mais alto edifício do mundo, em Taipé: o “TAIPÉ 101”. Tem 508 metros de altura e calcula-se que 12 mil pessoas poderão vir a trabalhar dentro do edifício.
“Os engenheiros que trabalharam na obra, além de terem que vencer as leis da gravidade, deparam-se com uma dificuldade acrescida. Taipé é sacudido frequentemente por violentos tremores de terra. […] Por isso a preocupação maior foi aperfeiçoar os sistemas anti-sísmicos.”
Mas este edifício tem um segredo. Um Ovo-de-Colombo, como lhe chama Telma Miguel. Os construtores da “catedral” introduziram no coração da fortaleza, um enorme pêndulo de aço com 800 toneladas, instalado no 88º piso, que equilibra a torre em caso de ventos ou vibrações fortes.
O QUE É UM PÊNDULO?
Do latim, “pendulus”, trata-se de um corpo sólido suspenso na extermidade de um fio ou de uma haste metálica, que, por acção da gravidade, oscila num movimento de vaivém contínuo em torno de um ponto fixo.
O pêndulo de Foucault, aquele em que em que um pequeno corpo pesado é livre de oscilar em qualquer direcção e cujo o nome é uma homenagem ao físico francês (1819-1868), foi usado para demonstrar a rotação da terra. O pêndulo de Kater (1777-1835) mede a aceleração da gravidade.
Depois das descobertas destes dois cientistas, muitas outras variantes do pêndulo foram criadas: o pêndolo esférico, eléctrico, etc.
Sabemos que o pêndulo é utilizado numa outra ciência, a Radiestesia. O que é?:
O RADAR DAS VIBRAÇÕES DO CORPO
Na natureza não existem forças isoladas, mas uma complexa rede de influências. Para se conhecer a si mesmo, o homem precisa saber como o meio ambiente actua sobre seu organismo e a sua personalidade.
A existência de raios e radiações na Natureza é um facto real. Podemos pensar nos raios do Sol, em raios de calor, raios X, raios infravermelhos e ultravioletas, na radiação emitida pelo rádios e televisões, nos raios de radares e raios cósmicos.
O corpo humano, por sua vez, é capaz de reagir à presença de certas energias, muitas vezes desconhecidas, emitidas até mesmo pelo solo e subsolo. Está capacidade, milenarmente explorada por intermédio de dois instrumentos - a varinha e o pêndulo - recebeu em 1919 a denominação de radiestesia. A palavra vem do latim radium (radiação) e do grego aesthesis (sensibilidade), ou seja, sensibilidade às radiações.
Desde os tempos mais remotos, o pêndulo é instrumento preferido dos “radiestesistas”, embora outros artefactos possam ser usados, como forquilhas (mais úteis na localização de fontes de água), vareta e fios. Acredita-se que esses artefactos, em especial os tradicionais pêndulos, representam apenas extensões da própria sensibilidade do indivíduo, ou seja, são veículos captadores de vibrações.
A física moderna dispõe de instrumentos muito precisos, capazes de captar vibrações mínimas, verdadeiros micropêndulos acoplados a computadores sensíveis que hoje confirmam cientificamente a radiestesia dos antigos alquimistas.
Quem vive próximo do campo, sabe como, ainda hoje, os trabalhadores da terra recorrem a pessoas que utilizam “varas” para detectar as fontes de água. Nalguns sítios chamam-lhes “os homens que sabem encontrar”. A medicina tradicional chinesa, utiliza o pêndulo como forma de diagnostico.
No Oriente é vulgar a utilização da radiestesia como forma de reconhecer a origem de problemas de carácter físico e psicológico originados por desequilíbrios de ordem energética.
No Ocidente é mais rara a sua utilização na medicina hospitalar, no entanto é já usada por muitos médicos. Freud e Jung, por exemplo, usavam-no durante as suas sessões de psico-terapia.
Neste edifício, os obreiros da construção, introduziram este poderoso instrumento na coluna vertebral da torre. Pergunto-me como irá esta “ferramenta” agir sobre os seus utentes e que mensagem dará esta catedral dos nossos dias aos homens e mulheres do futuros que já somos.?
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
A Arquitectura e os seus símbolos, são a mais apaixonante e significativa metáfora da existência humana. Se observarmos e reflectirmos sobre os símbolos da construção, encontraremos surpreendentes revelações sobre a nossa condição e se levarmos esse encontro com a Grande Arquitectura Universal, às últimas consequências, teremos à nossa disposição uma ferramenta de trabalho interior capaz de abrir as portas daquilo a que os homens chamam “espiritualidade”. Ou seja, do seu auto-conheimento. “CONHECE-TE A TI MESMO E CONHECERÁS TODO O UNIVERSO E OS PRÓPRIOS DEUSES”
TOCAR O CÉU
Na última edição do “Expresso” (pag. 54 da “Única”, 22 de Novembro), Telma Miguel, escreveu uma notícia sobre a construção do mais alto edifício do mundo, em Taipé: o “TAIPÉ 101”. Tem 508 metros de altura e calcula-se que 12 mil pessoas poderão vir a trabalhar dentro do edifício.
“Os engenheiros que trabalharam na obra, além de terem que vencer as leis da gravidade, deparam-se com uma dificuldade acrescida. Taipé é sacudido frequentemente por violentos tremores de terra. […] Por isso a preocupação maior foi aperfeiçoar os sistemas anti-sísmicos.”
Mas este edifício tem um segredo. Um Ovo-de-Colombo, como lhe chama Telma Miguel. Os construtores da “catedral” introduziram no coração da fortaleza, um enorme pêndulo de aço com 800 toneladas, instalado no 88º piso, que equilibra a torre em caso de ventos ou vibrações fortes.
O QUE É UM PÊNDULO?
Do latim, “pendulus”, trata-se de um corpo sólido suspenso na extermidade de um fio ou de uma haste metálica, que, por acção da gravidade, oscila num movimento de vaivém contínuo em torno de um ponto fixo.
O pêndulo de Foucault, aquele em que em que um pequeno corpo pesado é livre de oscilar em qualquer direcção e cujo o nome é uma homenagem ao físico francês (1819-1868), foi usado para demonstrar a rotação da terra. O pêndulo de Kater (1777-1835) mede a aceleração da gravidade.
Depois das descobertas destes dois cientistas, muitas outras variantes do pêndulo foram criadas: o pêndolo esférico, eléctrico, etc.
Sabemos que o pêndulo é utilizado numa outra ciência, a Radiestesia. O que é?:
O RADAR DAS VIBRAÇÕES DO CORPO
Na natureza não existem forças isoladas, mas uma complexa rede de influências. Para se conhecer a si mesmo, o homem precisa saber como o meio ambiente actua sobre seu organismo e a sua personalidade.
A existência de raios e radiações na Natureza é um facto real. Podemos pensar nos raios do Sol, em raios de calor, raios X, raios infravermelhos e ultravioletas, na radiação emitida pelo rádios e televisões, nos raios de radares e raios cósmicos.
O corpo humano, por sua vez, é capaz de reagir à presença de certas energias, muitas vezes desconhecidas, emitidas até mesmo pelo solo e subsolo. Está capacidade, milenarmente explorada por intermédio de dois instrumentos - a varinha e o pêndulo - recebeu em 1919 a denominação de radiestesia. A palavra vem do latim radium (radiação) e do grego aesthesis (sensibilidade), ou seja, sensibilidade às radiações.
Desde os tempos mais remotos, o pêndulo é instrumento preferido dos “radiestesistas”, embora outros artefactos possam ser usados, como forquilhas (mais úteis na localização de fontes de água), vareta e fios. Acredita-se que esses artefactos, em especial os tradicionais pêndulos, representam apenas extensões da própria sensibilidade do indivíduo, ou seja, são veículos captadores de vibrações.
A física moderna dispõe de instrumentos muito precisos, capazes de captar vibrações mínimas, verdadeiros micropêndulos acoplados a computadores sensíveis que hoje confirmam cientificamente a radiestesia dos antigos alquimistas.
Quem vive próximo do campo, sabe como, ainda hoje, os trabalhadores da terra recorrem a pessoas que utilizam “varas” para detectar as fontes de água. Nalguns sítios chamam-lhes “os homens que sabem encontrar”. A medicina tradicional chinesa, utiliza o pêndulo como forma de diagnostico.
No Oriente é vulgar a utilização da radiestesia como forma de reconhecer a origem de problemas de carácter físico e psicológico originados por desequilíbrios de ordem energética.
No Ocidente é mais rara a sua utilização na medicina hospitalar, no entanto é já usada por muitos médicos. Freud e Jung, por exemplo, usavam-no durante as suas sessões de psico-terapia.
Neste edifício, os obreiros da construção, introduziram este poderoso instrumento na coluna vertebral da torre. Pergunto-me como irá esta “ferramenta” agir sobre os seus utentes e que mensagem dará esta catedral dos nossos dias aos homens e mulheres do futuros que já somos.?
domingo, novembro 23, 2003
HORA DO DIABO 12 - EM SILÊNCIO
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
Nesta "Hora do Diabo" só mesmo o silêncio e uma imagem.
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
Nesta "Hora do Diabo" só mesmo o silêncio e uma imagem.
HORA DO ANJO 10
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Vénus Anadiómena
"Como em verde caixão de lata, lenta e tonta,
Uma cebeça de mulher, melena untada
E morena, de uma velha tina desponta,
Defeituosa e bastante mal remendada;
O colo gordo e pardo, as largas omoplatas
Salientes; dorso curto, que encolhe e salta;
A banha sob a pele mostra-se em folhas chatas;
A espinha algo vermelha, e um sabor em tudo
Horrível estranhamente; atrai sobretudo
Algum pormenor que é preciso ver à lupa...
No lombo, uma inscrição gravada: Clara Venus;
- E todo o corpo mexe e dilata a garupa,
Bela horrendamente de uma chaga no ânus."
Jean-Arthur Rimbaud
Vénus Anadiómena
"Como em verde caixão de lata, lenta e tonta,
Uma cebeça de mulher, melena untada
E morena, de uma velha tina desponta,
Defeituosa e bastante mal remendada;
O colo gordo e pardo, as largas omoplatas
Salientes; dorso curto, que encolhe e salta;
A banha sob a pele mostra-se em folhas chatas;
A espinha algo vermelha, e um sabor em tudo
Horrível estranhamente; atrai sobretudo
Algum pormenor que é preciso ver à lupa...
No lombo, uma inscrição gravada: Clara Venus;
- E todo o corpo mexe e dilata a garupa,
Bela horrendamente de uma chaga no ânus."
Jean-Arthur Rimbaud
HORA DO DIABO 11
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
O homem e o menino subiram as estreitas escadas de caracol que do claustro inferior dão acesso ao claustro superior da catedral de Santa Maria de Évora. A Sé, o ninho das gralhas - os corvos que merecemos.
Para o homem era uma fuga, para o menino o prazer supremo de passear com o pai. Subiram a escada de caracol. O menino não teve medo, o homem agarrou-se como pode ao pilar central da escada. Chegaram ao telhado, o menino, deslumbrado, olhava os telhados da cidade procurando a sua casa. Para ele, aquela viagem era um voo. O homem sentiu-se o condutor da passarola voadora do velho Bartolomeu.
Procuraram os corvos. Procuraram e procuraram e procuraram e procuraram. Mas nada O homem e o filho procuraram-nos tanto… os pombos tomaram conta dos claustros.
A Rosa-Cruz estava interdita por fitas vermelhas e brancas; as gralhas escondidas; os túmulos dos bispos afastados dos olhares dos peregrinos…que fazer afinal? Como explicar ao menino a ausência dos símbolos da catedral da Senhora do Ó?
Desceram a escada, o homem aflito explicou e explicou e explicou e explicou. O menino compreendera a sua presença naquele lugar sem ser necessária qualquer explicação, mas o homem insistia em explicar o inexplicável. O menino aceitava o discurso do pai com complacência. Afinal para ele, pequeno mago, era mais importante estar ali com o homem-pai, do que qualquer outra coisa. Que importava a ausência dos corvos, a invisibilidade da Rosa-Cruz, a fuga da Senhora do Ó ou a ingerência perturbadora dos pombos? Estava com o seu pai, o desejo mais desejado.
À saída perguntou se podiam ir aos sinos. O homem respondeu-lhe (sem ter a certeza), que já estava fechada a subida para a flecha da catedral.
“Então está resolvido, voltamos cá amanhã!”, sentenciou a criança.
E assim será, amanhã estarão os dois, de mãos dadas, junto aos sinos.
“Onde vive o corcunda?”
“No tesouro! Amanhã, amanhã, vamos ver isso tudo!”
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
O homem e o menino subiram as estreitas escadas de caracol que do claustro inferior dão acesso ao claustro superior da catedral de Santa Maria de Évora. A Sé, o ninho das gralhas - os corvos que merecemos.
Para o homem era uma fuga, para o menino o prazer supremo de passear com o pai. Subiram a escada de caracol. O menino não teve medo, o homem agarrou-se como pode ao pilar central da escada. Chegaram ao telhado, o menino, deslumbrado, olhava os telhados da cidade procurando a sua casa. Para ele, aquela viagem era um voo. O homem sentiu-se o condutor da passarola voadora do velho Bartolomeu.
Procuraram os corvos. Procuraram e procuraram e procuraram e procuraram. Mas nada O homem e o filho procuraram-nos tanto… os pombos tomaram conta dos claustros.
A Rosa-Cruz estava interdita por fitas vermelhas e brancas; as gralhas escondidas; os túmulos dos bispos afastados dos olhares dos peregrinos…que fazer afinal? Como explicar ao menino a ausência dos símbolos da catedral da Senhora do Ó?
Desceram a escada, o homem aflito explicou e explicou e explicou e explicou. O menino compreendera a sua presença naquele lugar sem ser necessária qualquer explicação, mas o homem insistia em explicar o inexplicável. O menino aceitava o discurso do pai com complacência. Afinal para ele, pequeno mago, era mais importante estar ali com o homem-pai, do que qualquer outra coisa. Que importava a ausência dos corvos, a invisibilidade da Rosa-Cruz, a fuga da Senhora do Ó ou a ingerência perturbadora dos pombos? Estava com o seu pai, o desejo mais desejado.
À saída perguntou se podiam ir aos sinos. O homem respondeu-lhe (sem ter a certeza), que já estava fechada a subida para a flecha da catedral.
“Então está resolvido, voltamos cá amanhã!”, sentenciou a criança.
E assim será, amanhã estarão os dois, de mãos dadas, junto aos sinos.
“Onde vive o corcunda?”
“No tesouro! Amanhã, amanhã, vamos ver isso tudo!”
sábado, novembro 22, 2003
HORA DO ANJO 9 - Mário Viegas
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Desde pequeno que me levavam a salas de teatro. Vi muitos espectáculos, mas a primeira vez que vi TEATRO, foi a primeira vez que vi o Mário Viegas.
Creio que o Mário Viegas é a mais importante referência do teatro português contemporâneo. Não só pelo seu génio, mas porque na sua vida não havia separação entre ele, homem, e ele, artista. E na arte só pode ser assim, apesar de ser raro.
Quando se soube da notícia da sua morte, no dia 1 de Abril de 1996, muita gente julgou que era uma mentira lançada pelo próprio. Bem capaz disso seria ele. A Manuela de Freitas, no depoimento que escreveu para o livro editado pela Cinemateca, conta:
“1 de Abril de 1996. O empregado serviu-me uma bica com um sorriso cúmplice e um olhar malandro, “Li no jornal, o Sr. Mário Viegas…”. “Foi, pois… Ele já estava doente…”. “Ah… É mesmo verdade? Pensei que era mentira do 1º de Abril. Daquelas coisas que só ele…”. Em silêncio, levou a chávena vazia.”
Mas foi, morreu no dia das mentiras, e com ele o teatro da alma e da coragem, da provocação, da verdade e da beleza.
“Penso que, neste fim de século, o mundo está à espera de uma espiritualidade, que nunca mais chega. E em Portugal, estamos pior: não esperamos nada.
As minhas inclinações politicas estão todas ditas. Dizem que acabou a esquerda e a direita e por isso há agora uma nova geração que ficou a pairar no ar, sem utopias. Esta gente não tem nada para lutar. Acreditam no sexo, na droga, na violência e na estupidificação. Foi o que lhes fizeram. E não estou a vera oposição a mudar isto.
Pergunta-me qual é a minha ideologia política e eu respondo-lhe que é a rebeldia.
Se é duro uma pessoa não se deixar absorver pelo sistema? Depende. Porque não há UM sistema.” M.V.
Quando fui ver o “Europa Não, Portugal Nunca”, na sala da Companhia Teatral do Chiado - S. Luíz, (mais tarde Teatro Estúdio Mário Viegas), tive a perfeita noção de estar a viver um momento único, brilhante, de uma lucidez aterradora. Já a morte se anunciava no seu corpo mas nunca na sua actuação. Mário Viegas não morreu como actor. Por isso, aquilo do 1º de Abril não deixa de ser verdade. Só o corpo nos traiu.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Desde pequeno que me levavam a salas de teatro. Vi muitos espectáculos, mas a primeira vez que vi TEATRO, foi a primeira vez que vi o Mário Viegas.
Creio que o Mário Viegas é a mais importante referência do teatro português contemporâneo. Não só pelo seu génio, mas porque na sua vida não havia separação entre ele, homem, e ele, artista. E na arte só pode ser assim, apesar de ser raro.
Quando se soube da notícia da sua morte, no dia 1 de Abril de 1996, muita gente julgou que era uma mentira lançada pelo próprio. Bem capaz disso seria ele. A Manuela de Freitas, no depoimento que escreveu para o livro editado pela Cinemateca, conta:
“1 de Abril de 1996. O empregado serviu-me uma bica com um sorriso cúmplice e um olhar malandro, “Li no jornal, o Sr. Mário Viegas…”. “Foi, pois… Ele já estava doente…”. “Ah… É mesmo verdade? Pensei que era mentira do 1º de Abril. Daquelas coisas que só ele…”. Em silêncio, levou a chávena vazia.”
Mas foi, morreu no dia das mentiras, e com ele o teatro da alma e da coragem, da provocação, da verdade e da beleza.
“Penso que, neste fim de século, o mundo está à espera de uma espiritualidade, que nunca mais chega. E em Portugal, estamos pior: não esperamos nada.
As minhas inclinações politicas estão todas ditas. Dizem que acabou a esquerda e a direita e por isso há agora uma nova geração que ficou a pairar no ar, sem utopias. Esta gente não tem nada para lutar. Acreditam no sexo, na droga, na violência e na estupidificação. Foi o que lhes fizeram. E não estou a vera oposição a mudar isto.
Pergunta-me qual é a minha ideologia política e eu respondo-lhe que é a rebeldia.
Se é duro uma pessoa não se deixar absorver pelo sistema? Depende. Porque não há UM sistema.” M.V.
Quando fui ver o “Europa Não, Portugal Nunca”, na sala da Companhia Teatral do Chiado - S. Luíz, (mais tarde Teatro Estúdio Mário Viegas), tive a perfeita noção de estar a viver um momento único, brilhante, de uma lucidez aterradora. Já a morte se anunciava no seu corpo mas nunca na sua actuação. Mário Viegas não morreu como actor. Por isso, aquilo do 1º de Abril não deixa de ser verdade. Só o corpo nos traiu.
HORA DO DIABO 10
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"Aspiração... desejo aberto todo
Numa ânsia insofrida e misteriosa...
A isto chamo eu vida: e, deste modo,
Que mais importa a forma? silenciosa
Uma mesma alma aspira à luz e ao espaço
Em homem igualmente e astro e rosa!"
[...]
Antero de Quental
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"Aspiração... desejo aberto todo
Numa ânsia insofrida e misteriosa...
A isto chamo eu vida: e, deste modo,
Que mais importa a forma? silenciosa
Uma mesma alma aspira à luz e ao espaço
Em homem igualmente e astro e rosa!"
[...]
Antero de Quental
O Barco que nãoo podia sair de casa
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Numa casa da rua André Cavalo, em Évora, um rapaz, na solidão de umas férias verão, construiu um barco branco.
Desde muito pequeno que era apaixonado pelo mar. Nesse Agosto dos anos trinta, o jovem António, longe de um mar possível, sem planos para os seus dias, foi juntando madeiras e parafusos, sonhando com um barco que um dia pudesse levar para as águas oceânicas da aventura do seu maior desejo: ser marinheiro.
E a obra fez-se. António nem sentia a febre dos 47 graus que torravam a sua cidade. Tinha concluído o seu barco. Um barco de verdade! Alguns entendedores visitaram o “estaleiro” e confirmaram a capacidade de navegação do engenho: Sete metros por quatro. Detalhadamente concluído. O seu orgulho era tal que nem ousava mover-se. Para além de marinheiro era construtor de naves. Nada o podia separar dos mares, da conquista, da partida.
Chegou o dia em que o barco ia ser levado para águas de mar. O pai tinha fretado uma camioneta, coisa rara na altura. Estava tudo a postos, quando seis homens na força da vida, se deixaram vencer pela impossibilidade de fazer sair o barco da casa de António. A estreita rua André Cavalo não permitia sequer a saída de metade do barco.
Nesse dia o jovem ficou sentado à beira da sua porta, à beira do seu barco prisioneiro, à beira de uma rua sem espaço, de uma cidade sem mar, no sequeiro de um país à beira do oceano. Não chorou. Faltavam-lhe forças.
Hoje, este homem tem 80 anos, não é menos menino e continua sonhador de viagens no seu barco de verdade. A casa onde a sua “falua” ficou presa, é o seu atelier. O homem que hoje é, chama-se António Charrua, é pintor, e nos seus quadros navegou mais que muitos marinheiros. A sua vocação marítima é infinita. A sua dor também. E ainda hoje lhe faltam forças para chorar.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Numa casa da rua André Cavalo, em Évora, um rapaz, na solidão de umas férias verão, construiu um barco branco.
Desde muito pequeno que era apaixonado pelo mar. Nesse Agosto dos anos trinta, o jovem António, longe de um mar possível, sem planos para os seus dias, foi juntando madeiras e parafusos, sonhando com um barco que um dia pudesse levar para as águas oceânicas da aventura do seu maior desejo: ser marinheiro.
E a obra fez-se. António nem sentia a febre dos 47 graus que torravam a sua cidade. Tinha concluído o seu barco. Um barco de verdade! Alguns entendedores visitaram o “estaleiro” e confirmaram a capacidade de navegação do engenho: Sete metros por quatro. Detalhadamente concluído. O seu orgulho era tal que nem ousava mover-se. Para além de marinheiro era construtor de naves. Nada o podia separar dos mares, da conquista, da partida.
Chegou o dia em que o barco ia ser levado para águas de mar. O pai tinha fretado uma camioneta, coisa rara na altura. Estava tudo a postos, quando seis homens na força da vida, se deixaram vencer pela impossibilidade de fazer sair o barco da casa de António. A estreita rua André Cavalo não permitia sequer a saída de metade do barco.
Nesse dia o jovem ficou sentado à beira da sua porta, à beira do seu barco prisioneiro, à beira de uma rua sem espaço, de uma cidade sem mar, no sequeiro de um país à beira do oceano. Não chorou. Faltavam-lhe forças.
Hoje, este homem tem 80 anos, não é menos menino e continua sonhador de viagens no seu barco de verdade. A casa onde a sua “falua” ficou presa, é o seu atelier. O homem que hoje é, chama-se António Charrua, é pintor, e nos seus quadros navegou mais que muitos marinheiros. A sua vocação marítima é infinita. A sua dor também. E ainda hoje lhe faltam forças para chorar.
sexta-feira, novembro 21, 2003
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Ainda no mesmo Blog, "Stand-Up Tragedy", Tiago Rodrigues, escreve um texto sobre o espectáculo que vai estrear no Maria Matos. Este Blog é OBRIGATÓRIO! O espectáculo também:
"Ser fiel é difícil
Desde que conheci a companhia belga STAN, numa workshop no CCB em 97, as poucas opiniões que eu tinha sobre o teatro que via e queria fazer ganharam outra dimensão.
Na altura, tinha cumprido o primeiro ano de formação de actor no Conservatório. Ainda não tinha tido desilusões suficientes para procurar o meu próprio caminho nesta coisa de construir espectáculos. As desilusões viriam rapidamente, apenas a servir para reforçar aquilo que, nesse Verão de 97, aprendi com os «meus» belgas. Fazer teatro não é diferente de viver. Ou seja, os princípios que aplicamos à nossa vida devem manter-se na forma como criamos espectáculos. Se procuramos ser honestos, justos e tolerantes no nosso quotidiano, isso deve ser transportado para a sala de teatro.
Os STAN trabalham sem encenador e sem encenação. Em todos os espectáculos que fiz com essa companhia nos últimos cinco anos, a primeira vez que «fiz» teatro foi no dia da estreia. Costumamos trabalhar cinco semanas à volta da mesa, lendo, discutindo tudo, traduzindo, corrigindo, memorizando e debitando texto decorado. À volta da mesa e à volta do texto, decidimos o cenário, as luzes, o som. Levantamo-nos da mesa um par de dias antes para ir ver como está a correr a montagem no palco e dar algumas opiniões. Nunca ensaiamos no palco. A primeira vez em que subimos realmente ao palco é na noite de estreia.
Na estreia, sabemos exactamente o espectáculo que queremos fazer, mas ainda não o fizemos uma única vez. Na estreia, conhecemos as opiniões de todos (às vezes divergentes) sobre as personagens e o texto, mas não sabemos a forma como cada um dos actores vai desempenhar o seu papel. É uma noite de descoberta e o início de um outro ciclo no trabalho. Todas as tardes, antes do espectáculo, discutimos o desempenho da noite anterior e deixamos que essa discussão continue em palco nessa noite.
O público desempenha um papel fundamental neste tipo de trabalho. Uma vez que, apesar de existirem acordos acerca da dramaturgia do espectáculo, este não foi fixado e marcado, a reacção do público também condiciona o desenrolar do espectáculo. O público é um dos protagonistas neste tipo de teatro.
O que procuramos é a autenticidade de uma conversa entre actores e dos actores com o público que está a acontecer realmente naquela noite. O que procuramos é a necessidade de inventar todas as noites e, correndo o risco da imperfeição e do erro, revelar as pessoas que estão em palco enquanto se revelam as personagens. As possibilidades são imensas, mas à medida que o espectáculo vai «rodando», vai ganhando uma forma e quase se auto-encena. Existe o perigo da mecanização e do aborrecimento, que é exacatamente o que evitamos ao não ensaiar e ao não marcar absolutamente nada.
Quando isto acontece, é altura de voltar ao texto. No texto não há improviso. O texto é cumprido rigorosamente para que tudo o resto possa ser improvisado, num jogo onde a liberdade do actor é proporcional à sua responsabilidade. Se o espectáculo começa a deixar de surpreender os actores que o interpretam, deixa de ser vivo. Nessa altura voltamos ao texto e tentamos reinventar tudo de novo. Há um «jogo» onde o actor é, não só criador do espectáculo, como continua a ser criador em palco e até ao fim da carreira de cada peça.
O essencial é o que acontece "aqui e agora". O "aqui e agora" é o único trunfo que o teatro tem na manga, comparado com outra formas artísticas. Não é a ilusão. A ilusão perfeita é o cinema. O teatro é o facto de gente se ter deslocado naquela noite àquele sítio para ver e ouvir aquelas pessoas. O teatro é o que acontece quando estas condições se reúnem. O que o teatro deve procurar veicular a sua mensagem concentrando-se naquilo que o torna único: o facto de acontecer "aqui e agora". A possibilidade do erro. A possibilidade de ser autêntico.
Estes são, em traços largos, os princípios do trabalho que tenho desenvolvido com os STAN em vários países por onde passamos. Isto é o que eu faço enquanto actor. É o que eu quero fazer com este STAND-UP TRAGEDY, que me traz de volta aos palcos portugueses. Faltam 10 dias para a estreia. Tinha vontade de trair os meus princípios e marcar tudo, ensaiar muito, criar imensas regras que me permitissem a segurança de fazer a mesma coisa com a mesma eficácia todas as noites. É uma vontade que surge do medo de falhar. Sobretudo porque estou sozinho em palco.
Envio uma mensagem ao Frank, actor dos STAN, que já fez vários monólogos desta forma. O espectáculo "Questionism" é um monólogo deste actor dos STAN, que provavelmente virá a Portugal para o ano e que ganhou o prémio de melhor espectáculo de teatro da Bélgica e Holanda este ano. Na mensagem, digo ao Frank que estou borrado. Pergunto-lhe o que devo fazer. Ele responde passados 10 segundos, como se desde sempre esperasse a minha mensagem.
"I know what you mean. Courage."
O Frank não me diz o que fazer. Diz-me que sabe o que é ter medo antes da estreia dum monólogo. Dá-me coragem. Mas não me diz o que fazer. É o mesmo que dizer-me que devo apenas... fazer. Daqui a 10 dias, na noite da estreia, não sei o que vai acontecer. Faz parte de ser fiel aos meus princípios. Não sei se vais ser bom ou mau. Sei que vou ser eu.
Ainda no mesmo Blog, "Stand-Up Tragedy", Tiago Rodrigues, escreve um texto sobre o espectáculo que vai estrear no Maria Matos. Este Blog é OBRIGATÓRIO! O espectáculo também:
"Ser fiel é difícil
Desde que conheci a companhia belga STAN, numa workshop no CCB em 97, as poucas opiniões que eu tinha sobre o teatro que via e queria fazer ganharam outra dimensão.
Na altura, tinha cumprido o primeiro ano de formação de actor no Conservatório. Ainda não tinha tido desilusões suficientes para procurar o meu próprio caminho nesta coisa de construir espectáculos. As desilusões viriam rapidamente, apenas a servir para reforçar aquilo que, nesse Verão de 97, aprendi com os «meus» belgas. Fazer teatro não é diferente de viver. Ou seja, os princípios que aplicamos à nossa vida devem manter-se na forma como criamos espectáculos. Se procuramos ser honestos, justos e tolerantes no nosso quotidiano, isso deve ser transportado para a sala de teatro.
Os STAN trabalham sem encenador e sem encenação. Em todos os espectáculos que fiz com essa companhia nos últimos cinco anos, a primeira vez que «fiz» teatro foi no dia da estreia. Costumamos trabalhar cinco semanas à volta da mesa, lendo, discutindo tudo, traduzindo, corrigindo, memorizando e debitando texto decorado. À volta da mesa e à volta do texto, decidimos o cenário, as luzes, o som. Levantamo-nos da mesa um par de dias antes para ir ver como está a correr a montagem no palco e dar algumas opiniões. Nunca ensaiamos no palco. A primeira vez em que subimos realmente ao palco é na noite de estreia.
Na estreia, sabemos exactamente o espectáculo que queremos fazer, mas ainda não o fizemos uma única vez. Na estreia, conhecemos as opiniões de todos (às vezes divergentes) sobre as personagens e o texto, mas não sabemos a forma como cada um dos actores vai desempenhar o seu papel. É uma noite de descoberta e o início de um outro ciclo no trabalho. Todas as tardes, antes do espectáculo, discutimos o desempenho da noite anterior e deixamos que essa discussão continue em palco nessa noite.
O público desempenha um papel fundamental neste tipo de trabalho. Uma vez que, apesar de existirem acordos acerca da dramaturgia do espectáculo, este não foi fixado e marcado, a reacção do público também condiciona o desenrolar do espectáculo. O público é um dos protagonistas neste tipo de teatro.
O que procuramos é a autenticidade de uma conversa entre actores e dos actores com o público que está a acontecer realmente naquela noite. O que procuramos é a necessidade de inventar todas as noites e, correndo o risco da imperfeição e do erro, revelar as pessoas que estão em palco enquanto se revelam as personagens. As possibilidades são imensas, mas à medida que o espectáculo vai «rodando», vai ganhando uma forma e quase se auto-encena. Existe o perigo da mecanização e do aborrecimento, que é exacatamente o que evitamos ao não ensaiar e ao não marcar absolutamente nada.
Quando isto acontece, é altura de voltar ao texto. No texto não há improviso. O texto é cumprido rigorosamente para que tudo o resto possa ser improvisado, num jogo onde a liberdade do actor é proporcional à sua responsabilidade. Se o espectáculo começa a deixar de surpreender os actores que o interpretam, deixa de ser vivo. Nessa altura voltamos ao texto e tentamos reinventar tudo de novo. Há um «jogo» onde o actor é, não só criador do espectáculo, como continua a ser criador em palco e até ao fim da carreira de cada peça.
O essencial é o que acontece "aqui e agora". O "aqui e agora" é o único trunfo que o teatro tem na manga, comparado com outra formas artísticas. Não é a ilusão. A ilusão perfeita é o cinema. O teatro é o facto de gente se ter deslocado naquela noite àquele sítio para ver e ouvir aquelas pessoas. O teatro é o que acontece quando estas condições se reúnem. O que o teatro deve procurar veicular a sua mensagem concentrando-se naquilo que o torna único: o facto de acontecer "aqui e agora". A possibilidade do erro. A possibilidade de ser autêntico.
Estes são, em traços largos, os princípios do trabalho que tenho desenvolvido com os STAN em vários países por onde passamos. Isto é o que eu faço enquanto actor. É o que eu quero fazer com este STAND-UP TRAGEDY, que me traz de volta aos palcos portugueses. Faltam 10 dias para a estreia. Tinha vontade de trair os meus princípios e marcar tudo, ensaiar muito, criar imensas regras que me permitissem a segurança de fazer a mesma coisa com a mesma eficácia todas as noites. É uma vontade que surge do medo de falhar. Sobretudo porque estou sozinho em palco.
Envio uma mensagem ao Frank, actor dos STAN, que já fez vários monólogos desta forma. O espectáculo "Questionism" é um monólogo deste actor dos STAN, que provavelmente virá a Portugal para o ano e que ganhou o prémio de melhor espectáculo de teatro da Bélgica e Holanda este ano. Na mensagem, digo ao Frank que estou borrado. Pergunto-lhe o que devo fazer. Ele responde passados 10 segundos, como se desde sempre esperasse a minha mensagem.
"I know what you mean. Courage."
O Frank não me diz o que fazer. Diz-me que sabe o que é ter medo antes da estreia dum monólogo. Dá-me coragem. Mas não me diz o que fazer. É o mesmo que dizer-me que devo apenas... fazer. Daqui a 10 dias, na noite da estreia, não sei o que vai acontecer. Faz parte de ser fiel aos meus princípios. Não sei se vais ser bom ou mau. Sei que vou ser eu.
O Pianista
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
O Nuno Costa Santos conta no Blog "Stand-Up Tragedy" esta extraordinária história:
"[...] conto a história de um outro fantasista, de um virtuoso do piano que fazia sonhar as pessoas, de um pianista, um pianista hoje caído no esquecimento, mas que foi muito famoso em Itália, sobretudo nos anos 50. Chamava-se Giafranco Conte e era um magnífico entertainer, capaz de tocar várias coisas – desde música italiana, à música clássica, ao jazz, passando pelo rock que, na altura, estava a surgir, dando a todos estes tipos de música um cunho italiano. Dava concertos em todas as cidades de Norte a Sul e enchia sempre as salas. Era adorado pelo país inteiro. No fim da vida, continuou também a tocar, mas tocava já com evidente dificuldade – esquecia-se, de vez em quando, das músicas e perdera toda a vivacidade. As pessoas continuavam a ir ver os seus espectáculos apenas por carinho e devoção para com a sua pessoa e começaram a circular rumores por toda a Itália de que “o Giafranco não estava nada bem”. Na imprensa anunciavam o fim da sua carreira de mais de 40 anos. A sua mulher, todos os seus amigos, o seu manager diziam que já não valia a pena continuar a fazer actuações ao vivo pois, desta forma, estava a pôr em causa a sua imagem de pianista genial. Ele era teimoso – negava-se a aceitar a incapacidade, a velhice. Um dia, Giafranco Conte, reconhecendo finalmente a sua debilidade física e mental, que o tornava incapaz de tocar bem, resolveu seguir o conselho de um amigo músico mais novo. Estávamos no fim dos anos 70. Giafranco passou a fazer playback. Sentava-se em frente ao piano numa sala cheia de gente e alguém punha uma bobine a funcionar. Imitava muito bem que estava a tocar. Fazia os gestos com as mãos e os dedos, as caretas todas e, no fim, levantava-se para a grande ovação. Enganou o país todo – afinal o Giafranco Conte estava de volta, em grande forma. Ninguém suspeitava de que aquilo que se ouvia não era som directo, mas sim a sua perfeita imitação. Numa noite em Verona, Giafranco sentiu-se mal. Começou a babar-se em cima do teclado e caiu sobre este. A música continuou a tocar. Alguém levantou-se indignado e gritou, mesmo vendo que o homem estava muito mal: “Isto é playback! Seu pulha!!!”. A música, essa, continuava a tocar e o pianista continuava com a cabeça mergulhada no teclado, já morto. O tipo que ligava e desligava a bobine tinha-se ido embora. À saída, as pessoas comentavam o sucedido de forma incrédula. Mas, poucos dias depois, circulava uma tese sobre o assunto entre os seus fãs: com a morte do pianista em palco, acontecera algo excepcional. Dera-se um fenómeno sobrenatural que transmitira o génio de Grianfranco Conte para o piano. O piano ganhara alma e vida própria – e era por isso que continuava a tocar. Os fãs negaram-se a aceitar os factos e quiseram prolongar a fantasia, criando uma lenda. Com a morte de Gianfranco em palco, o piano era agora o artista. Incorporara todas as qualidades do pianista e tornara-se capaz de tocar sozinho para uma multidão de fãs de Giafranco Conte. Ainda hoje, a casa onde nasceu o famoso pianista (em Parma) é visitada por imensos turistas e diz-se que, todas as noites, quando toda a gente está a dormir, o piano, já velhinho, ainda dá os seus concertos."
O Nuno Costa Santos conta no Blog "Stand-Up Tragedy" esta extraordinária história:
"[...] conto a história de um outro fantasista, de um virtuoso do piano que fazia sonhar as pessoas, de um pianista, um pianista hoje caído no esquecimento, mas que foi muito famoso em Itália, sobretudo nos anos 50. Chamava-se Giafranco Conte e era um magnífico entertainer, capaz de tocar várias coisas – desde música italiana, à música clássica, ao jazz, passando pelo rock que, na altura, estava a surgir, dando a todos estes tipos de música um cunho italiano. Dava concertos em todas as cidades de Norte a Sul e enchia sempre as salas. Era adorado pelo país inteiro. No fim da vida, continuou também a tocar, mas tocava já com evidente dificuldade – esquecia-se, de vez em quando, das músicas e perdera toda a vivacidade. As pessoas continuavam a ir ver os seus espectáculos apenas por carinho e devoção para com a sua pessoa e começaram a circular rumores por toda a Itália de que “o Giafranco não estava nada bem”. Na imprensa anunciavam o fim da sua carreira de mais de 40 anos. A sua mulher, todos os seus amigos, o seu manager diziam que já não valia a pena continuar a fazer actuações ao vivo pois, desta forma, estava a pôr em causa a sua imagem de pianista genial. Ele era teimoso – negava-se a aceitar a incapacidade, a velhice. Um dia, Giafranco Conte, reconhecendo finalmente a sua debilidade física e mental, que o tornava incapaz de tocar bem, resolveu seguir o conselho de um amigo músico mais novo. Estávamos no fim dos anos 70. Giafranco passou a fazer playback. Sentava-se em frente ao piano numa sala cheia de gente e alguém punha uma bobine a funcionar. Imitava muito bem que estava a tocar. Fazia os gestos com as mãos e os dedos, as caretas todas e, no fim, levantava-se para a grande ovação. Enganou o país todo – afinal o Giafranco Conte estava de volta, em grande forma. Ninguém suspeitava de que aquilo que se ouvia não era som directo, mas sim a sua perfeita imitação. Numa noite em Verona, Giafranco sentiu-se mal. Começou a babar-se em cima do teclado e caiu sobre este. A música continuou a tocar. Alguém levantou-se indignado e gritou, mesmo vendo que o homem estava muito mal: “Isto é playback! Seu pulha!!!”. A música, essa, continuava a tocar e o pianista continuava com a cabeça mergulhada no teclado, já morto. O tipo que ligava e desligava a bobine tinha-se ido embora. À saída, as pessoas comentavam o sucedido de forma incrédula. Mas, poucos dias depois, circulava uma tese sobre o assunto entre os seus fãs: com a morte do pianista em palco, acontecera algo excepcional. Dera-se um fenómeno sobrenatural que transmitira o génio de Grianfranco Conte para o piano. O piano ganhara alma e vida própria – e era por isso que continuava a tocar. Os fãs negaram-se a aceitar os factos e quiseram prolongar a fantasia, criando uma lenda. Com a morte de Gianfranco em palco, o piano era agora o artista. Incorporara todas as qualidades do pianista e tornara-se capaz de tocar sozinho para uma multidão de fãs de Giafranco Conte. Ainda hoje, a casa onde nasceu o famoso pianista (em Parma) é visitada por imensos turistas e diz-se que, todas as noites, quando toda a gente está a dormir, o piano, já velhinho, ainda dá os seus concertos."
HORA DO ANJO 8
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“um mínimo ente magnifico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.”
Luiza Neto Jorge
A terra trabalhada comove-me até às lágrimas. Percorro, em regresso, as estradas do Alentejo. O cheiro da terra não é um cheiro, é um odor, um perfume de bondade e verdade. A música da terra trabalhada é uma espécie de mantra que se espalha pelo corpo. A terra trabalhada abre-se e fecha-se à chuva como aos homens e mulheres que a trabalham. Seres magníficos, excelsos anjos de coragem ilimitada, intocáveis e absolutos.
A terra não tem propriedade. Não há donos para os torrões húmidos que cobrem o esqueleto do planeta. Há quem pense que sim, que possui o que não é possível possuir. Há quem julgue ter. Que engano! Um dia, quando toda a Terra for arrebatada pela derradeira explosão, pela última tempestade, pelo último sopro de vento, subirá pelo éter a vibração indelével dos ceifeiros, dos espíritos que habitam os lugares mais íntimos do chão. Esse dia chegará, e depois do fim, ressurgirão as árvores de um novo lugar. “Os campos imaginam as suas próprias rosas”*
*Herberto Helder
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“um mínimo ente magnifico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.”
Luiza Neto Jorge
A terra trabalhada comove-me até às lágrimas. Percorro, em regresso, as estradas do Alentejo. O cheiro da terra não é um cheiro, é um odor, um perfume de bondade e verdade. A música da terra trabalhada é uma espécie de mantra que se espalha pelo corpo. A terra trabalhada abre-se e fecha-se à chuva como aos homens e mulheres que a trabalham. Seres magníficos, excelsos anjos de coragem ilimitada, intocáveis e absolutos.
A terra não tem propriedade. Não há donos para os torrões húmidos que cobrem o esqueleto do planeta. Há quem pense que sim, que possui o que não é possível possuir. Há quem julgue ter. Que engano! Um dia, quando toda a Terra for arrebatada pela derradeira explosão, pela última tempestade, pelo último sopro de vento, subirá pelo éter a vibração indelével dos ceifeiros, dos espíritos que habitam os lugares mais íntimos do chão. Esse dia chegará, e depois do fim, ressurgirão as árvores de um novo lugar. “Os campos imaginam as suas próprias rosas”*
*Herberto Helder
A HORA DO DIABO 9 - Lisboa, Classe Operária
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Não tenho sono. Vou para a rua caminhar com a minha enxaqueca.
Perto de um centro comercial, um operário monta iluminações de natal.
Perto de um certo comercial um segurança privado fala com um operário que monta iluminações de natal.
Segurança: "Eu até gostava de sair com ela..."
Operário"Então vai com a miuda..."
Segurança: "Ela vai com o Sr. Paulo..."
Operário: "Mas tenta..."
Segurança: "...ele é chefe eu não sou nada pá..."
Capital: 1 / Consciência de Classe: 0
Não tenho sono. Vou para a rua caminhar com a minha enxaqueca.
Perto de um centro comercial, um operário monta iluminações de natal.
Perto de um certo comercial um segurança privado fala com um operário que monta iluminações de natal.
Segurança: "Eu até gostava de sair com ela..."
Operário"Então vai com a miuda..."
Segurança: "Ela vai com o Sr. Paulo..."
Operário: "Mas tenta..."
Segurança: "...ele é chefe eu não sou nada pá..."
Capital: 1 / Consciência de Classe: 0
quinta-feira, novembro 20, 2003
Lisboa, a António Arroio, o meu espectáculo
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
A António Arroio.
Estavam umas 100 pessoas, não sei bem. A maioria alunos. Não sabia nada deles, nada. Vesti-me numa casa de banho que serviu de camarim, andei um bom bocado por um corredor, esperei a altura de entrar em cena e comecei o sonho.
Foram extraordinários. Foram o público que todos desejam ter: vivo como um corpo de inteligência. Um público a quem podemos e devemos confiar a nossa vulnerabilidade.
A António Arroio.
Estavam umas 100 pessoas, não sei bem. A maioria alunos. Não sabia nada deles, nada. Vesti-me numa casa de banho que serviu de camarim, andei um bom bocado por um corredor, esperei a altura de entrar em cena e comecei o sonho.
Foram extraordinários. Foram o público que todos desejam ter: vivo como um corpo de inteligência. Um público a quem podemos e devemos confiar a nossa vulnerabilidade.
HORA DO ANJO 7 - Lisboa, dúvidas que não tenho
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Há dúvidas que não tenho.
Se fosse para uma ilha deserta, sem hesitar, só levaria um dicionário.
Dicionário: “colecção alfabetada dos vocábulos de uma língua, ou de qualquer ramo do saber, com a respectiva significação, carácter fonético, morfico e sintáxico; léxico”.
Perfeito, sozinhos, com todas as palavras ao alcance dos olhos. Toda a grandeza dos sons exactamente ditos!
“Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do se tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra e soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever de falar”
Mário Cesariny
Há dúvidas que não tenho.
Se fosse para uma ilha deserta, sem hesitar, só levaria um dicionário.
Dicionário: “colecção alfabetada dos vocábulos de uma língua, ou de qualquer ramo do saber, com a respectiva significação, carácter fonético, morfico e sintáxico; léxico”.
Perfeito, sozinhos, com todas as palavras ao alcance dos olhos. Toda a grandeza dos sons exactamente ditos!
“Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do se tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra e soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever de falar”
Mário Cesariny
HORA DO DIABO 8 - Saber Anoitecer
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Procuro saber anoitecer em Lisboa.
Aqui, a “Hora do Diabo” é dourada e fluida. O negro do céu entra-me pelas veias. O continuo ruído dos carros é um rugir de fantasmas. Esses estão em todo lado. Lisboa e muito mais a explodir-me dentro do corpo.
Pintura de Robert MOTHERWELL
Procuro saber anoitecer em Lisboa.
Aqui, a “Hora do Diabo” é dourada e fluida. O negro do céu entra-me pelas veias. O continuo ruído dos carros é um rugir de fantasmas. Esses estão em todo lado. Lisboa e muito mais a explodir-me dentro do corpo.
Pintura de Robert MOTHERWELL
quarta-feira, novembro 19, 2003
HORA DO ANJO 6 - Lisboa com Herberto
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Lisboa com sol e gaivotas. No desespero das manhãs imensas, começo o dia com Herberto.
Se houvesse degraus na terra...
"Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã."
Herberto Helder
Lisboa com sol e gaivotas. No desespero das manhãs imensas, começo o dia com Herberto.
Se houvesse degraus na terra...
"Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã."
Herberto Helder
terça-feira, novembro 18, 2003
HORA DO DIABO 7 - Lisboa, as Avenidas Novas e o sorriso Tibetano
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
“São de matar as recordações,. Por isso não se deve pensar em certas coisas, naquelas que levais a peito, ou melhor é preciso pensar nelas, porque não pensando corre-se o risco de achá-las na memória, a pouco e pouco. Isto é, deve-se pensar durante um bocado, um bom bocado, todos os dias e várias vezes até que a lama as cubra duma camada intransponível.
É uma disciplina.”
Samuel Becket, in “TEXTOS PARA NADA”.
Em Lisboa o destino traz-me sempre aos mesmos lugares.
Na sala de espera do médico, olho pela janela e observo a Av. 5 de Outubro em plena hora de ponta. São insuportáveis as recordações que tenho desta zona onde vivi onze anos da minha vida. Onde passei por todos os horrores que se passam na adolescência. Logo o meu Médico havia de ter o consultório aqui e me obrigar a estas visitas semanais às avenidas novas.
No fim da consulta, saí mais apaziguado com o local. À hora de jantar todos os bairros são pardos. Ainda assim, corri para dentro de uma livraria para me lavar daquele lugar.
Entre os livros a beleza de uma pequena edição sobre os rituais de oferendas do Budismo Tibetano. Dois minutos bastaram para deixar as avenidas novas e voar até ao coração de um povo que apesar do seu martírio sabe sempre sorrir.
O resto da caminhada foi feliz. Transportado pelo odor dos incensos e pela visão quente de milhares de lamparinas acesas num “stupa”* no Nepal.
Não voltarei a sentir aquela aversão ao bairro da minha adolescência, pois no meu olhar estará sempre o olhar tranquilo dos meninos-monges de Katmandu.
*Stupa-Construção sagrada da tradição Budista
“São de matar as recordações,. Por isso não se deve pensar em certas coisas, naquelas que levais a peito, ou melhor é preciso pensar nelas, porque não pensando corre-se o risco de achá-las na memória, a pouco e pouco. Isto é, deve-se pensar durante um bocado, um bom bocado, todos os dias e várias vezes até que a lama as cubra duma camada intransponível.
É uma disciplina.”
Samuel Becket, in “TEXTOS PARA NADA”.
Em Lisboa o destino traz-me sempre aos mesmos lugares.
Na sala de espera do médico, olho pela janela e observo a Av. 5 de Outubro em plena hora de ponta. São insuportáveis as recordações que tenho desta zona onde vivi onze anos da minha vida. Onde passei por todos os horrores que se passam na adolescência. Logo o meu Médico havia de ter o consultório aqui e me obrigar a estas visitas semanais às avenidas novas.
No fim da consulta, saí mais apaziguado com o local. À hora de jantar todos os bairros são pardos. Ainda assim, corri para dentro de uma livraria para me lavar daquele lugar.
Entre os livros a beleza de uma pequena edição sobre os rituais de oferendas do Budismo Tibetano. Dois minutos bastaram para deixar as avenidas novas e voar até ao coração de um povo que apesar do seu martírio sabe sempre sorrir.
O resto da caminhada foi feliz. Transportado pelo odor dos incensos e pela visão quente de milhares de lamparinas acesas num “stupa”* no Nepal.
Não voltarei a sentir aquela aversão ao bairro da minha adolescência, pois no meu olhar estará sempre o olhar tranquilo dos meninos-monges de Katmandu.
*Stupa-Construção sagrada da tradição Budista
HORA DO ANJO 5 - Cabe Perguntar
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
O “Público” de hoje é indispensável.
Trás dentro uma pérola. Uma folha, frente e verso (páginas 29 e 30), que nos faz tremer o coração de perplexidade.
1.
O CCR5
“VARIOLA PODE TER SIDO ORIGEM DA RESISTÊNCIA GENÉTICA AO HIV”, texto de Clara Barata
Diz-nos o texto, que dez por cento da população europeia tem uma mutação genética que lhe confere resistência à infecção pelo HIV. Ao que parece a origem dessa mutação ainda é desconhecida, mas dois investigadores norte americanos, defendem que a pressão continua da varíola sobre as populações europeias terá siso o factor que levou a uma presença tão espalhada nos europeus actuais deste gene, que por um feliz acaso (acaso?) protege contra uma nova praga: a SIDA.
Esta mutação, numa proteína designada por CCR5, tem que ser muito mais antiga que os primeiros casos de SIDA, que se pensa terem surgido há cerca de 50 anos. Os investigadores Alison Galvani e Mongomery Slatkin, da Universidade da Califórnia, defendem que terá surgido há cerca de 700 anos.
“A noite é o impreciso e escuro purgatório
[…] Mas cabe perguntar: como é que aqui chegamos?” *.
2.
X3D
“KASPAROV VENCE X3D FRITZ E EMPATA CAMPEONATO”, texto não assinado.
Garry Kasparov ganhou no domingo o terceiro de quatro jogos contra um inovador programa de computador. Kasparov bateu o X3D Fritz, um programa que permite observar as jogadas a três dimensões. Depois de um empate e de uma derrota contra a máquina, o campeonato termina hoje em Nova Iorque.
Já sabemos que este neste espectáculo estão envolvidos milhões. Kasparov é também ele uma máquina de fazer dinheiro.
“Mas cabe perguntar”: que novo combate é este que faz correr um homem contra um computador até ao esgotamento físico e psicológico. “Acaso estamos vivos?”*
O xadrez sempre foi um movimento de inteligência, intimo e secreto. Deus e o Diabo, ao que parece costumam jogá-lo. Que luta é esta que se trava aos olhos dos espectadores munidos de óculos de realidade virtual, olhando Kasparov como a mulher das barbas nos velhos circos de aldeia. Nasceu uma nova forma de exploração do “homem elefante”, mas e mais? O que é que realmente está a contecer? Em tudo o que fazemos está o que seremos.
3.
181178
“MAIOR SUICIDIO COLECTIVO ACONTECEU HÁ UM QUARTO DE SÉCULO”, texto de Pedro Ribeiro
A 18 de Novembro de 1978, 914 pessoas cometeram ou foram obrigadas a cometer suicídio em Jonestown, Guiana Francesa, no seio de uma comunidade fundada por Jim Jones.
Jim Jones tinha fundado uma comunidade deniminada Templo do Povo. A determinada altura um congressista americano Leo Ryan, resolveu deslocar-se à Guiana para investigar as práticas de Jones e da sua comunidade. Ryan seguiu acompanhado de mais quatro homens. Todos foram assassinados. Julga-se que Jones terá entrado em pânico (?) e ordenou o “suicídio revolucionário”, colectivo, de todos os seus seguidores, incluindo-se na acção terminal, preparando grandes caldeirões com cianeto.
Alguns terão cometido suicídio voluntariamente, outros terão sido “ajudados”. Ao fim desse dia de 1978, havia 914 cadáveres, mais de duas centenas das vitimas eram crianças. Ao cabo de 25 anos, os acontecimentos de Jonestown ainda não foram completamente esclarecidos.
Ainda hoje há teorias da conspiração sobre o envolvimento da CIA ou de outros grupos norte americanos. O que receava o governo americano? O que é que esteva realmente em causa na acção desta comunidade?
O facto é que estamos permanentemente envolvidos em “operações” de estranhos interesses. O facto é que, por exemplo, uma acção de guerra, num qualquer país do golfo pérsico, pode ser, é com certeza, muito mais que uma barbara ofensiva militar contra um povo inocente.
“Será um sonho absurdo este olhar para dentro
E o nosso destino, só, servir de exemplo
Andamos a fugir à frente desta vida
Mas cabe perguntar: existe uma saída?*
*Citações do poema de José Mário Branco, “A Noite”
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
O “Público” de hoje é indispensável.
Trás dentro uma pérola. Uma folha, frente e verso (páginas 29 e 30), que nos faz tremer o coração de perplexidade.
1.
O CCR5
“VARIOLA PODE TER SIDO ORIGEM DA RESISTÊNCIA GENÉTICA AO HIV”, texto de Clara Barata
Diz-nos o texto, que dez por cento da população europeia tem uma mutação genética que lhe confere resistência à infecção pelo HIV. Ao que parece a origem dessa mutação ainda é desconhecida, mas dois investigadores norte americanos, defendem que a pressão continua da varíola sobre as populações europeias terá siso o factor que levou a uma presença tão espalhada nos europeus actuais deste gene, que por um feliz acaso (acaso?) protege contra uma nova praga: a SIDA.
Esta mutação, numa proteína designada por CCR5, tem que ser muito mais antiga que os primeiros casos de SIDA, que se pensa terem surgido há cerca de 50 anos. Os investigadores Alison Galvani e Mongomery Slatkin, da Universidade da Califórnia, defendem que terá surgido há cerca de 700 anos.
“A noite é o impreciso e escuro purgatório
[…] Mas cabe perguntar: como é que aqui chegamos?” *.
2.
X3D
“KASPAROV VENCE X3D FRITZ E EMPATA CAMPEONATO”, texto não assinado.
Garry Kasparov ganhou no domingo o terceiro de quatro jogos contra um inovador programa de computador. Kasparov bateu o X3D Fritz, um programa que permite observar as jogadas a três dimensões. Depois de um empate e de uma derrota contra a máquina, o campeonato termina hoje em Nova Iorque.
Já sabemos que este neste espectáculo estão envolvidos milhões. Kasparov é também ele uma máquina de fazer dinheiro.
“Mas cabe perguntar”: que novo combate é este que faz correr um homem contra um computador até ao esgotamento físico e psicológico. “Acaso estamos vivos?”*
O xadrez sempre foi um movimento de inteligência, intimo e secreto. Deus e o Diabo, ao que parece costumam jogá-lo. Que luta é esta que se trava aos olhos dos espectadores munidos de óculos de realidade virtual, olhando Kasparov como a mulher das barbas nos velhos circos de aldeia. Nasceu uma nova forma de exploração do “homem elefante”, mas e mais? O que é que realmente está a contecer? Em tudo o que fazemos está o que seremos.
3.
181178
“MAIOR SUICIDIO COLECTIVO ACONTECEU HÁ UM QUARTO DE SÉCULO”, texto de Pedro Ribeiro
A 18 de Novembro de 1978, 914 pessoas cometeram ou foram obrigadas a cometer suicídio em Jonestown, Guiana Francesa, no seio de uma comunidade fundada por Jim Jones.
Jim Jones tinha fundado uma comunidade deniminada Templo do Povo. A determinada altura um congressista americano Leo Ryan, resolveu deslocar-se à Guiana para investigar as práticas de Jones e da sua comunidade. Ryan seguiu acompanhado de mais quatro homens. Todos foram assassinados. Julga-se que Jones terá entrado em pânico (?) e ordenou o “suicídio revolucionário”, colectivo, de todos os seus seguidores, incluindo-se na acção terminal, preparando grandes caldeirões com cianeto.
Alguns terão cometido suicídio voluntariamente, outros terão sido “ajudados”. Ao fim desse dia de 1978, havia 914 cadáveres, mais de duas centenas das vitimas eram crianças. Ao cabo de 25 anos, os acontecimentos de Jonestown ainda não foram completamente esclarecidos.
Ainda hoje há teorias da conspiração sobre o envolvimento da CIA ou de outros grupos norte americanos. O que receava o governo americano? O que é que esteva realmente em causa na acção desta comunidade?
O facto é que estamos permanentemente envolvidos em “operações” de estranhos interesses. O facto é que, por exemplo, uma acção de guerra, num qualquer país do golfo pérsico, pode ser, é com certeza, muito mais que uma barbara ofensiva militar contra um povo inocente.
“Será um sonho absurdo este olhar para dentro
E o nosso destino, só, servir de exemplo
Andamos a fugir à frente desta vida
Mas cabe perguntar: existe uma saída?*
*Citações do poema de José Mário Branco, “A Noite”
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Há um gato preto que me visita.
O gato não é “propriedade” da vizinhança, nem faz ninho nesta rua.
É um gato enorme de olhos muito verdes e patas desproporcionadamente grandes para o corpo.
Não sei porque este gato me visita de tempos a tempos. Escolheu-me e pronto.
Eu aceito as suas cíclicas aparições. Não lhe peço nada, ele nada me pede.
Entra-me porta dentro, mia, olha-me, às vezes deixa-me dar-lhe umas festas, deita-se no tapete da entrada e parte.
É um gato de pelo luzidio, gordo. Vê-se que come bem e se lambe com fartura. Tem ar de caçador e gosta de se roçar nas minhas pernas em jeito de cumprimento. Não é ser que dê confiança demaisiada e mal se sente aborrecido nada o faz prolongar a visita.
Este gato navega pela cidade. Aparece e desaparece. É ilusionista e impossível de dominar. Uma vez lambeu-me a mão e ao contrário dos outros gatos que me lamberam, este não tem uma língua áspera. Tem uma língua macia, doce e sensual.
Devo dizer que não tenho a certeza que seja um gato. Não me refiro ao sexo, qualquer coisa nele me confunde e me deixa perplexo. O que é que este gato vê em mim?
Sei, por conversa de vizinhos, que ele não visita mais ninguém nas redondezas. Quando passa pela rua, ouço-os em voz alta: “Olha o gato preto! Olha o gato preto!”.
Não sou só eu que reparo nele, mas a mim, o ente, dá atenção.
Passam-se semanas, mesmo meses, que ele não aparece, mas quando aqui passa bate-me à porta. Escusado será dizer o quanto fico agradecido pelas suas visitas. Acho que ele sabe disso. Acho até que ele joga com isso. Ele sabe que sou eu o privilegiado, mas usa-me com bondade. Não me faz sofrer. Não joga com sentimentos. Eu nunca sei se ele voltará e ele não me promete nada, nunca, mas de cada vez que vem preenche a minha solidão nocturna com toda o seu saber-amar. Eu não sei nada dele, mas não posso garantir que ele não saiba de mim o que nem eu adivinho.
Das primeiras vezes, tentei fotografá-lo mas ele mostrou-se muito zangado com isso e nunca mais tentei fixá-lo com medo de que não voltasse.
Esta noite, precisava da sua visita. Não sei como o chamar. Dizia-se na minha família que os gatos têm um nome secreto que só eles conhecem, mas que se alguma vez o descobríssemos e soubéssemos emitir a palavra com a vibração correcta eles jamais nos deixariam. Como eu gostava se saber o seu secreto nome.
Boa noite gato preto. Daqui te invoco nesta hora do diabo. Se me tiveres deixado lembrar-te-ei até ao fim dos meus dias como uma viúva.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Há um gato preto que me visita.
O gato não é “propriedade” da vizinhança, nem faz ninho nesta rua.
É um gato enorme de olhos muito verdes e patas desproporcionadamente grandes para o corpo.
Não sei porque este gato me visita de tempos a tempos. Escolheu-me e pronto.
Eu aceito as suas cíclicas aparições. Não lhe peço nada, ele nada me pede.
Entra-me porta dentro, mia, olha-me, às vezes deixa-me dar-lhe umas festas, deita-se no tapete da entrada e parte.
É um gato de pelo luzidio, gordo. Vê-se que come bem e se lambe com fartura. Tem ar de caçador e gosta de se roçar nas minhas pernas em jeito de cumprimento. Não é ser que dê confiança demaisiada e mal se sente aborrecido nada o faz prolongar a visita.
Este gato navega pela cidade. Aparece e desaparece. É ilusionista e impossível de dominar. Uma vez lambeu-me a mão e ao contrário dos outros gatos que me lamberam, este não tem uma língua áspera. Tem uma língua macia, doce e sensual.
Devo dizer que não tenho a certeza que seja um gato. Não me refiro ao sexo, qualquer coisa nele me confunde e me deixa perplexo. O que é que este gato vê em mim?
Sei, por conversa de vizinhos, que ele não visita mais ninguém nas redondezas. Quando passa pela rua, ouço-os em voz alta: “Olha o gato preto! Olha o gato preto!”.
Não sou só eu que reparo nele, mas a mim, o ente, dá atenção.
Passam-se semanas, mesmo meses, que ele não aparece, mas quando aqui passa bate-me à porta. Escusado será dizer o quanto fico agradecido pelas suas visitas. Acho que ele sabe disso. Acho até que ele joga com isso. Ele sabe que sou eu o privilegiado, mas usa-me com bondade. Não me faz sofrer. Não joga com sentimentos. Eu nunca sei se ele voltará e ele não me promete nada, nunca, mas de cada vez que vem preenche a minha solidão nocturna com toda o seu saber-amar. Eu não sei nada dele, mas não posso garantir que ele não saiba de mim o que nem eu adivinho.
Das primeiras vezes, tentei fotografá-lo mas ele mostrou-se muito zangado com isso e nunca mais tentei fixá-lo com medo de que não voltasse.
Esta noite, precisava da sua visita. Não sei como o chamar. Dizia-se na minha família que os gatos têm um nome secreto que só eles conhecem, mas que se alguma vez o descobríssemos e soubéssemos emitir a palavra com a vibração correcta eles jamais nos deixariam. Como eu gostava se saber o seu secreto nome.
Boa noite gato preto. Daqui te invoco nesta hora do diabo. Se me tiveres deixado lembrar-te-ei até ao fim dos meus dias como uma viúva.
segunda-feira, novembro 17, 2003
“OS GRANDES DISSIDENTES”
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Uma escultura de Frederico Mira George para José Mário Branco
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“A NOITE
Em tudo o que está fomos está o que seremos
No fundo desta noite tocam-se os extremos
E se soubermos ver nos sonhos o processo
Os passos para trás não são um retrocesso
A noite é um sinal de tudo quanto fomos
Dos medos, dos mistérios, das fadas e dos gnomos
Da ignorância pura e da ciência irmã
Em que, sendo passado, já somos amanhã
A noite é o espaço vago, o tempo sem história
Em que as perguntas nascem dentro da memória
Em tudo o que já fomos está o que seremos
Mas cabe perguntar: foi isto que quisemos?
Em tudo que já fomos está o que deixámos
No fundo das marés, nos portos que tocámos
O rumo desvendado, o preço da bagagem
É tudo quanto resta para seguir viagem
A noite é parideira da contradição
Que existe em cada sim que nos parece não
Olhando para nós, os grandes dissidentes
No meio da luta entre lemes e correntes
Será esta viagem feita pelo vento
Será feita por nós, amor e pensamento
O sonho é sempre sonho se nos enganarmos
Mas cabe perguntar: como é que aqui chegamos?
Em tudo que já fomos estão os nossos mortos
E os vivos que ficaram entram nos seus corpos
Na noite do amor, na noite do sinal
Naufrágio de fantasmas na pia baptismal
A noite é o impreciso e escuro purgatório
Que alinha as nossas almas no seu dormitório
A culpa dos heróis é serem sempre poucos
Acaso somos mais, ou tão somente loucos
Temos que descasar a culpa e o prazer
No que fizemos ou deixamos de fazer
Para reconstruir os corações cativos
Mas cabe perguntar: acaso estamos vivos?
Em tudo que já fomos há um sonho antigo
Conversa universal de cada um consigo
São sombras e brinquedos, tudo misturado
E o vago sentimento de nascer culpado
Será um sonho absurdo, este olhar p’ra dentro
E o nosso destino, só, servir de exemplo
Andamos a fugir à frente desta vida
Mas cabe perguntar: existe uma saída?"
José Mário Branco
Uma escultura de Frederico Mira George para José Mário Branco
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“A NOITE
Em tudo o que está fomos está o que seremos
No fundo desta noite tocam-se os extremos
E se soubermos ver nos sonhos o processo
Os passos para trás não são um retrocesso
A noite é um sinal de tudo quanto fomos
Dos medos, dos mistérios, das fadas e dos gnomos
Da ignorância pura e da ciência irmã
Em que, sendo passado, já somos amanhã
A noite é o espaço vago, o tempo sem história
Em que as perguntas nascem dentro da memória
Em tudo o que já fomos está o que seremos
Mas cabe perguntar: foi isto que quisemos?
Em tudo que já fomos está o que deixámos
No fundo das marés, nos portos que tocámos
O rumo desvendado, o preço da bagagem
É tudo quanto resta para seguir viagem
A noite é parideira da contradição
Que existe em cada sim que nos parece não
Olhando para nós, os grandes dissidentes
No meio da luta entre lemes e correntes
Será esta viagem feita pelo vento
Será feita por nós, amor e pensamento
O sonho é sempre sonho se nos enganarmos
Mas cabe perguntar: como é que aqui chegamos?
Em tudo que já fomos estão os nossos mortos
E os vivos que ficaram entram nos seus corpos
Na noite do amor, na noite do sinal
Naufrágio de fantasmas na pia baptismal
A noite é o impreciso e escuro purgatório
Que alinha as nossas almas no seu dormitório
A culpa dos heróis é serem sempre poucos
Acaso somos mais, ou tão somente loucos
Temos que descasar a culpa e o prazer
No que fizemos ou deixamos de fazer
Para reconstruir os corações cativos
Mas cabe perguntar: acaso estamos vivos?
Em tudo que já fomos há um sonho antigo
Conversa universal de cada um consigo
São sombras e brinquedos, tudo misturado
E o vago sentimento de nascer culpado
Será um sonho absurdo, este olhar p’ra dentro
E o nosso destino, só, servir de exemplo
Andamos a fugir à frente desta vida
Mas cabe perguntar: existe uma saída?"
José Mário Branco
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
É preciso voltar atrás e relembrar. É insuportável ver como esta “civilização” de barbárie promove a falta de memória como forma de se perpetuar e como metástases cancerígenas se espalha no sangue dos seres. Nada dura mais que um segundo televisivo.
Sabemos que o príncipe herdeiro da coroa do estado espanhol se vai casar com uma jornalista. Sabemos que um pária do jet 7 português, casado com uma múmia milionária, foi preso porque transportava 400 mil contos em jóias não declaradas no avião, e que coitadinho teve que passar uma noite na esquadra e, pior, teve que vestir a camisola de outro. Sabemos que o “reizinho” de Portugal (não estou a falar do Mário Soares) procria de dois em dois anos com a “reizinha” e assistimos aos baptizados das criancinhas em directo pela tv. Sabemos que a mulher do Vale e Azevedo, passando por muitas e penosas dificuldades, teve que começar a , organizando festas de luxo na sua “casinha” de Sintra. Sabemos que o Carrilho fez um filho à Barbara Guimarães. Sabemos que a Margarida não sei quantas editou mais uma coisa de páginas brancas com letras impressas falando de “fodas” e orgasmos múltiplos. Que bom saber tantas coisas! Que bom estar informado! Isso e muito mais. Coisas que interessam a todos.
Dizia o Mário Cesariny “…afinal o que importa não é haver gente com fome porque assim como assim há muita gente que come”. E é assim mesmo não é? Que importa que milhares de mulheres no mundo sejam diariamente mutiladas em nome de uma tradição de humilhação e horror, se assim como assim há tantas mulheres que o não são.
No dia 18 de Maio de 2003, a Sofia Branco, jornalista do Público, publicou uma noticia no seu jornal, falando sobre a recusa do estado português em dar asilo a uma queniana que tinha fugido à mutilação genital. Que nos importa isso? Queremos nós lá saber disso. Alguém se lembra da noticia?
Combater a imposta falta de memória é a luta que importa travar.
Aqui fica a republicação dessa noticia. À Sofia Branco, o meu profundo agradecimento por travar a luta da inteligência no meio desta bandalheira desumana em que nadamos.
Portugal nega asilo a queniana que fugiu à mutilação genital feminina
Susan chegou a Portugal em Junho de 2002. Dois meses depois a queniana pedia asilo, alegando ter fugido à mutilação genital feminina (MGF). O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), primeiro, e o Comissariado Nacional para os Refugiados (CNR), depois, rejeitaram o pedido. Susan continua em Lisboa, ilegal, sem dinheiro e sem trabalho, à espera do resultado do recurso interposto em tribunal.
Sem saber sequer onde ficava Portugal, cuja embaixada em Nairobi apenas foi a mais rápida em conceder-lhe o visto de turismo que pretendia, e sem falar uma palavra de português, Susan chegou ao Aeroporto da Portela na noite de 20 de Junho do ano passado, com 38 anos, 70 euros no bolso e ainda a pensar se teria tomado a decisão certa.
Para trás ficaram os pais e um filho menor. Mas, para Susan, a opção era ficar no Quénia e ser sujeita à MGF ou fugir do país de origem e manter intocados os seus órgãos genitais. Susan escolheu a fuga e não se arrepende, embora esteja agora carregada de desilusão face a uma Europa que ela "pensava que protegia os direitos humanos".
Susan aceitou contar ao PUBLICO.PT a sua história, embora tenha, para tal, escolhido um nome fictício.
Tudo começou com a morte do marido. Segundo uma tradição local ancestral — comum em algumas tribos africanas —, a viúva tem de casar um dos irmãos do falecido esposo. Ora, Susan não amava o cunhado e, mais importante do que isso, sabia que ele pertencia a uma seita fanática do Quénia chamada mungiki (ver caixa), que, entre outras perseguições às mulheres, defende a MGF — prática incluída nos rituais de iniciação à vida adulta de muitos países africanos, que, podendo assumir diversas formas, passa sempre por alguma forma de amputação dos genitais femininos.
A excisão é um "acto satânico"
Em conversa num café de Lisboa, Susan explicou, usando o inglês como língua franca (que fala, aliás, bastante bem), que essa tradição de casar com um cunhado é "muito antiga", mas não se coaduna com a educação que recebeu. "É suposto escolher-se com quem casar. Como se pode casar com alguém que não se ama?", questiona, sem esperar resposta. Disse ao cunhado que não queria desposá-lo, até porque ainda "estava de luto e deprimida" com a morte do marido. Algumas ameaças, insultos e ofensas corporais depois, uma amiga casada com um membro dos mungiki disse-lhe que o cunhado pretendia obrigá-la a casar-se com ele e, com a ajuda de um grupo de membros da seita, mutilá-la à força.
Susan já tinha lido sobre a actuação dos mungiki nos jornais nacionais e teve medo. "Não podia ser excisada, preciso do meu corpo, ele é a minha vida. Preferia morrer!". Susan conhecia mulheres excisadas que "aceitaram a mutilação por ser tradição, mas que lamentaram depois". Cristã evangelista, Susan não tem dúvidas: "É um acto satânico, que não vem na Bíblia, é uma doutrina inventada pelas pessoas". No entanto, reconhece, os kukuyu, a sua tribo, acreditam que a MGF faz com que as mulheres "percam o desejo sexual e permaneçam seguras". "Precisamos do clítoris, Deus colocou-o ali por alguma razão", contrapõe, convicta de que escapou por pouco à perda da sua feminilidade.
Além disso, Susan sabe que os instrumentos usados na prática não são esterilizados e tem medo da sida, num país onde a epidemia afecta 14 por cento da população.
A fuga como primeira viagem
Começou a pensar em fugir, "a reunir algumas coisas e documentos". Pára um momento. Suspira, trava uma lágrima e tenta recuperar o sorriso que traz normalmente na tez mulata. "Ainda está tudo muito fresco na minha memória...". O rosto entristece e contorce-se em esgares à medida que vai narrando a fuga. Optou por escapar de Kimunyu, onde vivia, durante a noite, para que ninguém desse conta. Pegou no filho e "no que podia", desceu e subiu montes, pernoitou na floresta escura, reatou caminho quando o sol despontou, desceu e subiu mais montes até chegar finalmente a Thakwa, aldeia onde vivem os seus pais. Na mente, a ideia fixa de recusar submeter-se à "humilhação" de ser mutilada.
Ficou algum tempo em casa dos pais, durante o qual planeou a fuga. A mãe aconselhou-a a aceitar casar-se com o cunhado, a esperar para ver o que ia acontecer. "Não podia esperar mais. Cheguei à conclusão de que era melhor perder tudo e começar do zero".
Susan preparava-se psicologicamente para estrear o seu passaporte e fazer a primeira viagem da sua vida. Contactou "um agente" e deu-lhe dinheiro (4000 shillings/49 euros) para obter um visto de turismo de três meses, que lhe permitiria entrar legalmente em Portugal. Conseguiu-o em Abril, mas não tinha ainda dinheiro para o voo, razão pela qual acabaria por sair do país apenas dois meses depois. "Fiquei desesperada, mas acabei por vender alguns dos meus bens e arranjar dinheiro".
A chegada à Europa das desilusões
Nairobi, Cairo, Lisboa. Susan deixou a África do seu coração e aterrou em Lisboa. Durante o voo conheceu um guineense, que acabaria por ajudá-la, dando-lhe guarida no apartamento que partilhava com outros dois homens. Susan passou um mês nessa casa, cozinhando e tratando da lida doméstica. Ao mesmo tempo, foi tentando aprender umas palavras de português. Hoje, frequenta as aulas gratuitas do Conselho Português para os Refugiados (CPR) e já consegue exprimir-se em situações básicas. "A língua abriu-me os olhos. Sem comunicação não há vida", diz.
Durante um dos seus passeios pela capital, Deus enviou-lhe "um sinal": uma missionária brasileira que lhe indicou a família de uma outra religiosa angolana, com quem poderia ir viver. É com essa família da Amadora que Susan vive actualmente. No entanto, embora consciente da sorte que teve desde que está em Portugal, Susan, agora com 39 anos, continua a estar dependente da ajuda dos outros e sente que perdeu a autonomia e a liberdade. "Não tenho dinheiro para comprar as coisas que quero. Preciso de comer, não durmo onde me apetece dormir, tomo banho quando há gás e quando não há não tomo, só posso sair de casa se tiver uma razão. Não sou livre de todo". É como se não existisse, sem trabalho, ilegal e sem saber o que esperar de uma justiça que tarda em anunciar o veredicto final.
E se a expulsarem? Abana a cabeça como que a afastar esse pensamento. Encolhe os ombros entre a opção de regressar, de ficar ilegal em Portugal ou de tentar obter asilo noutro país.
À excepção do CPR, das autoridades portuguesas, do namorado sul-africano que conheceu em Lisboa e, mais recentemente, do PUBLICO.PT, Susan não partilhou a sua história com ninguém, nem com as pessoas com quem vive.
Vários meses e duas recusas de asilo depois, Susan mantém a determinação e diz que não lamenta ter deixado o Quénia, porque conseguiu "o primeiro objectivo" que se propôs atingir: escapar à MGF. "Tenho esperança e fé em que vou conseguir o segundo: ficar em Portugal, em situação legal". Regressar? "Sou africana, gosto do meu país, a minha família está lá, a nossa casa é sempre a nossa casa, mas não posso voltar".
Ao mesmo tempo, é com mágoa e desilusão que fala das decisões negativas do SEF — onde foi "obrigada" a contar a sua história a um homem — e do CNR e não consegue entender como é que na Europa "onde se respeitam os direitos humanos" não acreditam no seu relato. Durante este tempo de espera tem procurado as razões. "Será porque a minha pele é negra? Não terei eu direito a conviver com gente branca? Será porque não falo português? Se fosse da Guiné-Bissau, [as autoridades] fariam um esforço maior para me compreender? Questiono-me, mas não tenho a resposta ainda".
De qualquer forma, os portugueses não sabem "o real significado da mutilação". "Se não se comer o gelado, não se pode saber se é bom. Eu já provei e digo que é bom. Quando conto a história da minha vida, sei do que estou a falar", compara. E resolveu contá-la, porque "a opinião pública pode mudar a lei, porque o povo é o Governo"
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
É preciso voltar atrás e relembrar. É insuportável ver como esta “civilização” de barbárie promove a falta de memória como forma de se perpetuar e como metástases cancerígenas se espalha no sangue dos seres. Nada dura mais que um segundo televisivo.
Sabemos que o príncipe herdeiro da coroa do estado espanhol se vai casar com uma jornalista. Sabemos que um pária do jet 7 português, casado com uma múmia milionária, foi preso porque transportava 400 mil contos em jóias não declaradas no avião, e que coitadinho teve que passar uma noite na esquadra e, pior, teve que vestir a camisola de outro. Sabemos que o “reizinho” de Portugal (não estou a falar do Mário Soares) procria de dois em dois anos com a “reizinha” e assistimos aos baptizados das criancinhas em directo pela tv. Sabemos que a mulher do Vale e Azevedo, passando por muitas e penosas dificuldades, teve que começar a , organizando festas de luxo na sua “casinha” de Sintra. Sabemos que o Carrilho fez um filho à Barbara Guimarães. Sabemos que a Margarida não sei quantas editou mais uma coisa de páginas brancas com letras impressas falando de “fodas” e orgasmos múltiplos. Que bom saber tantas coisas! Que bom estar informado! Isso e muito mais. Coisas que interessam a todos.
Dizia o Mário Cesariny “…afinal o que importa não é haver gente com fome porque assim como assim há muita gente que come”. E é assim mesmo não é? Que importa que milhares de mulheres no mundo sejam diariamente mutiladas em nome de uma tradição de humilhação e horror, se assim como assim há tantas mulheres que o não são.
No dia 18 de Maio de 2003, a Sofia Branco, jornalista do Público, publicou uma noticia no seu jornal, falando sobre a recusa do estado português em dar asilo a uma queniana que tinha fugido à mutilação genital. Que nos importa isso? Queremos nós lá saber disso. Alguém se lembra da noticia?
Combater a imposta falta de memória é a luta que importa travar.
Aqui fica a republicação dessa noticia. À Sofia Branco, o meu profundo agradecimento por travar a luta da inteligência no meio desta bandalheira desumana em que nadamos.
Portugal nega asilo a queniana que fugiu à mutilação genital feminina
Susan chegou a Portugal em Junho de 2002. Dois meses depois a queniana pedia asilo, alegando ter fugido à mutilação genital feminina (MGF). O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), primeiro, e o Comissariado Nacional para os Refugiados (CNR), depois, rejeitaram o pedido. Susan continua em Lisboa, ilegal, sem dinheiro e sem trabalho, à espera do resultado do recurso interposto em tribunal.
Sem saber sequer onde ficava Portugal, cuja embaixada em Nairobi apenas foi a mais rápida em conceder-lhe o visto de turismo que pretendia, e sem falar uma palavra de português, Susan chegou ao Aeroporto da Portela na noite de 20 de Junho do ano passado, com 38 anos, 70 euros no bolso e ainda a pensar se teria tomado a decisão certa.
Para trás ficaram os pais e um filho menor. Mas, para Susan, a opção era ficar no Quénia e ser sujeita à MGF ou fugir do país de origem e manter intocados os seus órgãos genitais. Susan escolheu a fuga e não se arrepende, embora esteja agora carregada de desilusão face a uma Europa que ela "pensava que protegia os direitos humanos".
Susan aceitou contar ao PUBLICO.PT a sua história, embora tenha, para tal, escolhido um nome fictício.
Tudo começou com a morte do marido. Segundo uma tradição local ancestral — comum em algumas tribos africanas —, a viúva tem de casar um dos irmãos do falecido esposo. Ora, Susan não amava o cunhado e, mais importante do que isso, sabia que ele pertencia a uma seita fanática do Quénia chamada mungiki (ver caixa), que, entre outras perseguições às mulheres, defende a MGF — prática incluída nos rituais de iniciação à vida adulta de muitos países africanos, que, podendo assumir diversas formas, passa sempre por alguma forma de amputação dos genitais femininos.
A excisão é um "acto satânico"
Em conversa num café de Lisboa, Susan explicou, usando o inglês como língua franca (que fala, aliás, bastante bem), que essa tradição de casar com um cunhado é "muito antiga", mas não se coaduna com a educação que recebeu. "É suposto escolher-se com quem casar. Como se pode casar com alguém que não se ama?", questiona, sem esperar resposta. Disse ao cunhado que não queria desposá-lo, até porque ainda "estava de luto e deprimida" com a morte do marido. Algumas ameaças, insultos e ofensas corporais depois, uma amiga casada com um membro dos mungiki disse-lhe que o cunhado pretendia obrigá-la a casar-se com ele e, com a ajuda de um grupo de membros da seita, mutilá-la à força.
Susan já tinha lido sobre a actuação dos mungiki nos jornais nacionais e teve medo. "Não podia ser excisada, preciso do meu corpo, ele é a minha vida. Preferia morrer!". Susan conhecia mulheres excisadas que "aceitaram a mutilação por ser tradição, mas que lamentaram depois". Cristã evangelista, Susan não tem dúvidas: "É um acto satânico, que não vem na Bíblia, é uma doutrina inventada pelas pessoas". No entanto, reconhece, os kukuyu, a sua tribo, acreditam que a MGF faz com que as mulheres "percam o desejo sexual e permaneçam seguras". "Precisamos do clítoris, Deus colocou-o ali por alguma razão", contrapõe, convicta de que escapou por pouco à perda da sua feminilidade.
Além disso, Susan sabe que os instrumentos usados na prática não são esterilizados e tem medo da sida, num país onde a epidemia afecta 14 por cento da população.
A fuga como primeira viagem
Começou a pensar em fugir, "a reunir algumas coisas e documentos". Pára um momento. Suspira, trava uma lágrima e tenta recuperar o sorriso que traz normalmente na tez mulata. "Ainda está tudo muito fresco na minha memória...". O rosto entristece e contorce-se em esgares à medida que vai narrando a fuga. Optou por escapar de Kimunyu, onde vivia, durante a noite, para que ninguém desse conta. Pegou no filho e "no que podia", desceu e subiu montes, pernoitou na floresta escura, reatou caminho quando o sol despontou, desceu e subiu mais montes até chegar finalmente a Thakwa, aldeia onde vivem os seus pais. Na mente, a ideia fixa de recusar submeter-se à "humilhação" de ser mutilada.
Ficou algum tempo em casa dos pais, durante o qual planeou a fuga. A mãe aconselhou-a a aceitar casar-se com o cunhado, a esperar para ver o que ia acontecer. "Não podia esperar mais. Cheguei à conclusão de que era melhor perder tudo e começar do zero".
Susan preparava-se psicologicamente para estrear o seu passaporte e fazer a primeira viagem da sua vida. Contactou "um agente" e deu-lhe dinheiro (4000 shillings/49 euros) para obter um visto de turismo de três meses, que lhe permitiria entrar legalmente em Portugal. Conseguiu-o em Abril, mas não tinha ainda dinheiro para o voo, razão pela qual acabaria por sair do país apenas dois meses depois. "Fiquei desesperada, mas acabei por vender alguns dos meus bens e arranjar dinheiro".
A chegada à Europa das desilusões
Nairobi, Cairo, Lisboa. Susan deixou a África do seu coração e aterrou em Lisboa. Durante o voo conheceu um guineense, que acabaria por ajudá-la, dando-lhe guarida no apartamento que partilhava com outros dois homens. Susan passou um mês nessa casa, cozinhando e tratando da lida doméstica. Ao mesmo tempo, foi tentando aprender umas palavras de português. Hoje, frequenta as aulas gratuitas do Conselho Português para os Refugiados (CPR) e já consegue exprimir-se em situações básicas. "A língua abriu-me os olhos. Sem comunicação não há vida", diz.
Durante um dos seus passeios pela capital, Deus enviou-lhe "um sinal": uma missionária brasileira que lhe indicou a família de uma outra religiosa angolana, com quem poderia ir viver. É com essa família da Amadora que Susan vive actualmente. No entanto, embora consciente da sorte que teve desde que está em Portugal, Susan, agora com 39 anos, continua a estar dependente da ajuda dos outros e sente que perdeu a autonomia e a liberdade. "Não tenho dinheiro para comprar as coisas que quero. Preciso de comer, não durmo onde me apetece dormir, tomo banho quando há gás e quando não há não tomo, só posso sair de casa se tiver uma razão. Não sou livre de todo". É como se não existisse, sem trabalho, ilegal e sem saber o que esperar de uma justiça que tarda em anunciar o veredicto final.
E se a expulsarem? Abana a cabeça como que a afastar esse pensamento. Encolhe os ombros entre a opção de regressar, de ficar ilegal em Portugal ou de tentar obter asilo noutro país.
À excepção do CPR, das autoridades portuguesas, do namorado sul-africano que conheceu em Lisboa e, mais recentemente, do PUBLICO.PT, Susan não partilhou a sua história com ninguém, nem com as pessoas com quem vive.
Vários meses e duas recusas de asilo depois, Susan mantém a determinação e diz que não lamenta ter deixado o Quénia, porque conseguiu "o primeiro objectivo" que se propôs atingir: escapar à MGF. "Tenho esperança e fé em que vou conseguir o segundo: ficar em Portugal, em situação legal". Regressar? "Sou africana, gosto do meu país, a minha família está lá, a nossa casa é sempre a nossa casa, mas não posso voltar".
Ao mesmo tempo, é com mágoa e desilusão que fala das decisões negativas do SEF — onde foi "obrigada" a contar a sua história a um homem — e do CNR e não consegue entender como é que na Europa "onde se respeitam os direitos humanos" não acreditam no seu relato. Durante este tempo de espera tem procurado as razões. "Será porque a minha pele é negra? Não terei eu direito a conviver com gente branca? Será porque não falo português? Se fosse da Guiné-Bissau, [as autoridades] fariam um esforço maior para me compreender? Questiono-me, mas não tenho a resposta ainda".
De qualquer forma, os portugueses não sabem "o real significado da mutilação". "Se não se comer o gelado, não se pode saber se é bom. Eu já provei e digo que é bom. Quando conto a história da minha vida, sei do que estou a falar", compara. E resolveu contá-la, porque "a opinião pública pode mudar a lei, porque o povo é o Governo"
HORA DO DIABO 4 - Carta ao Leonel
Díario de Imagens "Saudades de Antero"
"Caro Leonel,
Escrevo-te hoje que o frio abraçou esta cidade de espectros. Évora esmaga-nos com o frio. É como se estivéssemos a sofrer a prova que os antigos egípcios tinham que superar para serem admitidos aos mistérios de Osíris. Évora está um caverna fria de pedra e noite. Há uma solidão penetrante, um gelo no coração, uma saudade do verão e da disponibilidade com que as pessoas se encantam e se amam. No Inverno, Évora, torna-se numa infância onde tudo nos é vedado.
Regresso a casa como se estivesse em fuga. Acendo velas e incenso para me exorcizar destas noites terrestres. Este estranho rigor de pedras, este rigor que não permite as flores desabrochar e que torna as casas e as pessoas numa espécie de ilhas, é um isolamento sem fim, sem neve, sem rio, sem mar. Tudo morre para o seu nome. É difícil pensar com delicadeza. Cada pensamento torna-se uma fúria. Um arremesso.
E dedico a esta Évora que é em mim distante, um pequeno poema do Mário Cesariny:
«queria de ti um pais de bondade e de bruma
queria de ti o mar de uma rosa de espuma»
um fraterno abraço
fred"
"Caro Leonel,
Escrevo-te hoje que o frio abraçou esta cidade de espectros. Évora esmaga-nos com o frio. É como se estivéssemos a sofrer a prova que os antigos egípcios tinham que superar para serem admitidos aos mistérios de Osíris. Évora está um caverna fria de pedra e noite. Há uma solidão penetrante, um gelo no coração, uma saudade do verão e da disponibilidade com que as pessoas se encantam e se amam. No Inverno, Évora, torna-se numa infância onde tudo nos é vedado.
Regresso a casa como se estivesse em fuga. Acendo velas e incenso para me exorcizar destas noites terrestres. Este estranho rigor de pedras, este rigor que não permite as flores desabrochar e que torna as casas e as pessoas numa espécie de ilhas, é um isolamento sem fim, sem neve, sem rio, sem mar. Tudo morre para o seu nome. É difícil pensar com delicadeza. Cada pensamento torna-se uma fúria. Um arremesso.
E dedico a esta Évora que é em mim distante, um pequeno poema do Mário Cesariny:
«queria de ti um pais de bondade e de bruma
queria de ti o mar de uma rosa de espuma»
um fraterno abraço
fred"
domingo, novembro 16, 2003
A HORA DO ANJO 3 - Adoniram
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Deitada no esquife, viam-se os seus cabelos dourados por debaixo da mortalha negra. Sobre o seu rosto um manto de sangue. Apenas sete velas iluminavam a caverna. Munidos de espadas, desesperados, os seus irmãos procuravam os assassinos, como se laminas afiadas pudessem matar a traição e as trevas.
A mulher imóvel, ainda quente na morte, podia finalmente repousar. Fora ferida por três rudes golpes. O último, o mortal, deixara uma ferida que nem a morte coagulava. Desferido sobre a sua fronte ela deixara-se assassinar.
Agora o seu corpo repousava na caverna negra onde nove dos seus irmãos choravam sobre o cadáver. As lágrimas prateadas foram manchando a mortalha negra e os seus gemidos pareciam gritar por um socorro impossível. A mulher estava morta. Morta! E ainda assim os seus nove irmãos acreditavam no seu regresso.
Como tinha sido encontrado o corpo da mulher?
“Tinham-se passado dezassete dias: as buscas nos arredores do templo tinham siso infrutíferas e os mestres percorriam em vão os campos. Um deles, acabrunhado pelo calor, tendo querido, para subir mais à vontade, agarrar um ramo de acácia donde acabava de voar um pássaro brilhante e desconhecido, surpreendeu-se ao aperceber-se que o arbusto inteiro cedia sob a sua mão, não estando, portanto, agarrado à terra. Ela tinha recentemente mexida e o mestre curioso chamou os seus companheiros.
Rapidamente, os nove cavaram com as unhas e verificaram a forma duma cova. Então um deles disse aos seus irmãos:
«Os culpados foram os traidores que devem ter querido arrancar a Adoniram a senha dos mestres. Para que eles não alcancem os seus objectivos, não será melhor mudá-la?
- Que palavra iremos adoptar, então? Perguntou um outro.
- Se encontrarmos o nosso mestre, retorquiu um terceiro, a primeira palavra que um de nós pronunciar servirá de senha; ela eternizará a recordação deste crime e do juramento que nós fazemos aqui de o vingar, nós e nossos filhos, sobre os seus assassinos e os seus descendentes até à última geração.»
O juramento foi feito; as suas mãos uniram-se sobre a cova, e recomeçaram a cavar com ardor.
Tendo reconhecido o cadáver; um dos mestres agarrou-o por um dedo mas a pele ficou-lhe na mão; a mesma coisa aconteceu com o segundo; um terceiro agarrou-o pelo punho, da maneira que os mestres usam para os seus companheiros e a pele separou-se igualmente, pelo que exclamou M…, que significa: A CARNE DEIXA OS OSSOS.
Naquele mesmo lugar eles acordaram que esta palavra seria daqui para a frente a senha do mestre e o grito de união dos vingadores de Adoniram.”*
Assim, estendida sob um véu de escuridão, a mulher, mestre dos mestres, jazia tranquila. Não tendo transmitido o segredo aos seus carrascos e tendo ele sido substituído, que tormento lhe poderia agora perturbar o sono. Se os seus irmãos iam continuar a obra, um após outro, até ao fim das gerações, a sua morte deixara de ser morte. Ainda que chorassem, os seus irmãos tinham encontrado a chave da sua eternidade.
* texto de Gerard de Nerval
Deitada no esquife, viam-se os seus cabelos dourados por debaixo da mortalha negra. Sobre o seu rosto um manto de sangue. Apenas sete velas iluminavam a caverna. Munidos de espadas, desesperados, os seus irmãos procuravam os assassinos, como se laminas afiadas pudessem matar a traição e as trevas.
A mulher imóvel, ainda quente na morte, podia finalmente repousar. Fora ferida por três rudes golpes. O último, o mortal, deixara uma ferida que nem a morte coagulava. Desferido sobre a sua fronte ela deixara-se assassinar.
Agora o seu corpo repousava na caverna negra onde nove dos seus irmãos choravam sobre o cadáver. As lágrimas prateadas foram manchando a mortalha negra e os seus gemidos pareciam gritar por um socorro impossível. A mulher estava morta. Morta! E ainda assim os seus nove irmãos acreditavam no seu regresso.
Como tinha sido encontrado o corpo da mulher?
“Tinham-se passado dezassete dias: as buscas nos arredores do templo tinham siso infrutíferas e os mestres percorriam em vão os campos. Um deles, acabrunhado pelo calor, tendo querido, para subir mais à vontade, agarrar um ramo de acácia donde acabava de voar um pássaro brilhante e desconhecido, surpreendeu-se ao aperceber-se que o arbusto inteiro cedia sob a sua mão, não estando, portanto, agarrado à terra. Ela tinha recentemente mexida e o mestre curioso chamou os seus companheiros.
Rapidamente, os nove cavaram com as unhas e verificaram a forma duma cova. Então um deles disse aos seus irmãos:
«Os culpados foram os traidores que devem ter querido arrancar a Adoniram a senha dos mestres. Para que eles não alcancem os seus objectivos, não será melhor mudá-la?
- Que palavra iremos adoptar, então? Perguntou um outro.
- Se encontrarmos o nosso mestre, retorquiu um terceiro, a primeira palavra que um de nós pronunciar servirá de senha; ela eternizará a recordação deste crime e do juramento que nós fazemos aqui de o vingar, nós e nossos filhos, sobre os seus assassinos e os seus descendentes até à última geração.»
O juramento foi feito; as suas mãos uniram-se sobre a cova, e recomeçaram a cavar com ardor.
Tendo reconhecido o cadáver; um dos mestres agarrou-o por um dedo mas a pele ficou-lhe na mão; a mesma coisa aconteceu com o segundo; um terceiro agarrou-o pelo punho, da maneira que os mestres usam para os seus companheiros e a pele separou-se igualmente, pelo que exclamou M…, que significa: A CARNE DEIXA OS OSSOS.
Naquele mesmo lugar eles acordaram que esta palavra seria daqui para a frente a senha do mestre e o grito de união dos vingadores de Adoniram.”*
Assim, estendida sob um véu de escuridão, a mulher, mestre dos mestres, jazia tranquila. Não tendo transmitido o segredo aos seus carrascos e tendo ele sido substituído, que tormento lhe poderia agora perturbar o sono. Se os seus irmãos iam continuar a obra, um após outro, até ao fim das gerações, a sua morte deixara de ser morte. Ainda que chorassem, os seus irmãos tinham encontrado a chave da sua eternidade.
* texto de Gerard de Nerval
A HORA DO DIABO 3
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“ANTES QUE A NOITE VENHA” – Eduarda Dionísio
“FALAS DE ANTÍGONA”
“Fala ao amante (não esquecido)”
“Eu o enterrei e neste enterrar te perco.
Trago nas mãos o cheiro ao morto mais amado,
regado agora de água fresca e sagrada e do choro proibido,
e é a minha vida toda que deponho nas escadas de pedra
do palácio do teu pai.
Eu o encontrei
na noite por acabar ainda,
no apodrecer que é a alegria do tirano que te fez nascer.
Eu afastei as vespas, os tira olhos, os insectos todos,
e tirei, a um a um, os vermes que mastigavam os pedaços de carne nova,
contentes como lacaios deste império morto.
E sabe que o fiz põe ele
nunca por ti faria,
tu que tens pai e mãe que te reclamam e protegem,
tu de quem nunca conhecerei o amor
que trazias guardado e me parecia doce.
Eu limpei o corpo do herói.
Eu lhe beijei os dedos que restavam,
e os cabelos carregados de torrões de terra e sangue preto,
baços da poeira dos combates,
e beijei-lhe a testa branca de gesso e os lábios de madeira seca.
Ouves o que te conto,
amante perdido nas correntes do pai que tens?
Eu o arrastei até à água da fonte que tinha perto.
Eu o lavei.
Eu o estendi nas ervas tenras que crescem na lama.
E ele esperou, como tu esperavas, e mais que tu esperou,
até que a noite fosse manhã
e a cova tivesse o tamanho certo onde ele só e nenhum outro coubesse.
Ali o pus
e o cobri de fino pó
e te esqueci na nuvem clara que se levantou
e pousou na terra aberta,
homem que nunca virá a ser meu.
E sobre a camada de terra me deitei
e lhe dei a ele o calor que ainda tinha,
um sopro morno
e me instalei para sempre sobre a labareda da morte
ganindo de dor como uma loba.
E os olhos das feras luziam na floresta.
E ouvi metais e passos aflitos de caçadores
ou de soldados.
E não chamei por ti.
Ouves, amante mal-esquecido?
Reguei-o do liquido que se entornou do barro.
A clareza do fio e o frio cegaram-me de vez em quando.
Dei-lhe a morte merecida que o teu pai que me olha lhe negou,
e tu também, filho manso.
O meu irmão está morto.
Nenhum outro voltará a nascer que tome o seu lugar.
Aqui estou no teu palácio
presa à justiça dos céus.
Desobediente
no maior amor que a noite viu.
Banhada na alegria da minha imensa teimosia.
Que a tua morte não seja posta sobre a minha,
ó doce príncipe
que não conhece nem razão nem força bastante
para ter vida assim.
Espero na claridade do dia
como sombra que fui e serei
a sentença do tirano.”
“ANTES QUE A NOITE VENHA” – Eduarda Dionísio
“FALAS DE ANTÍGONA”
“Fala ao amante (não esquecido)”
“Eu o enterrei e neste enterrar te perco.
Trago nas mãos o cheiro ao morto mais amado,
regado agora de água fresca e sagrada e do choro proibido,
e é a minha vida toda que deponho nas escadas de pedra
do palácio do teu pai.
Eu o encontrei
na noite por acabar ainda,
no apodrecer que é a alegria do tirano que te fez nascer.
Eu afastei as vespas, os tira olhos, os insectos todos,
e tirei, a um a um, os vermes que mastigavam os pedaços de carne nova,
contentes como lacaios deste império morto.
E sabe que o fiz põe ele
nunca por ti faria,
tu que tens pai e mãe que te reclamam e protegem,
tu de quem nunca conhecerei o amor
que trazias guardado e me parecia doce.
Eu limpei o corpo do herói.
Eu lhe beijei os dedos que restavam,
e os cabelos carregados de torrões de terra e sangue preto,
baços da poeira dos combates,
e beijei-lhe a testa branca de gesso e os lábios de madeira seca.
Ouves o que te conto,
amante perdido nas correntes do pai que tens?
Eu o arrastei até à água da fonte que tinha perto.
Eu o lavei.
Eu o estendi nas ervas tenras que crescem na lama.
E ele esperou, como tu esperavas, e mais que tu esperou,
até que a noite fosse manhã
e a cova tivesse o tamanho certo onde ele só e nenhum outro coubesse.
Ali o pus
e o cobri de fino pó
e te esqueci na nuvem clara que se levantou
e pousou na terra aberta,
homem que nunca virá a ser meu.
E sobre a camada de terra me deitei
e lhe dei a ele o calor que ainda tinha,
um sopro morno
e me instalei para sempre sobre a labareda da morte
ganindo de dor como uma loba.
E os olhos das feras luziam na floresta.
E ouvi metais e passos aflitos de caçadores
ou de soldados.
E não chamei por ti.
Ouves, amante mal-esquecido?
Reguei-o do liquido que se entornou do barro.
A clareza do fio e o frio cegaram-me de vez em quando.
Dei-lhe a morte merecida que o teu pai que me olha lhe negou,
e tu também, filho manso.
O meu irmão está morto.
Nenhum outro voltará a nascer que tome o seu lugar.
Aqui estou no teu palácio
presa à justiça dos céus.
Desobediente
no maior amor que a noite viu.
Banhada na alegria da minha imensa teimosia.
Que a tua morte não seja posta sobre a minha,
ó doce príncipe
que não conhece nem razão nem força bastante
para ter vida assim.
Espero na claridade do dia
como sombra que fui e serei
a sentença do tirano.”
sábado, novembro 15, 2003
A Mulher Assustada
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
Hoje, dia de intensa chuva, os sinos tocaram na Sé durante mais de vinte minutos. Dantes, os sinos tocavam assim quando uma mulher entrava em trabalho de parto para que se fizessem oferendas à Senhora do Ó.
Não entrei no templo. Fiquei no adro recordando a pequena imagem de mármore da mulher grávida que no claustro fita a Rosa-Crucificada. Não era a essa Senhora do Ó a quem “as aflitas” de Évora oferendavam preces e rosas. Esta pequena mulher que pousa a mão esquerda sobre o ventre, olhando a cruz e a rosa que se desenha no vitral à sua frente, é uma mulher abandonada à sua sorte, à solidão das horas sombrias e ao medo do devir. É uma mulher assustada pelo anúncio do anjo.
Era à mulher dourada a quem dedicaram altar os senhores da igreja, a que se dirigiam “as aflitas” das horas dos partos. Era em nome dela que os sinos dobravam. A sua ostentação policromada de grande rainha, esposa de deus, servia como garantia de melhores e rápidas bênçãos. Quem se lembraria de recorrer, na aflição, à “outra”, à pequena mulher branca, perdida nos nichos expostos do claustro? À rainha sim, dentro da igreja, perto dos sacerdotes, das jóias, do tesouro, que risco de não serem atendidas as orações poderia haver? Na hora da aflição não há tempo a perder. Que lhes poderia oferecer uma mulher igual a elas, prenha e só, presa na frieza do mármore?
Mas hoje, debaixo da chuva de Novembro, porque trovoaram os sinos? Que anunciava a sua música apocalíptica? Não sabemos nada.
Hoje, dia de intensa chuva, os sinos tocaram na Sé durante mais de vinte minutos. Dantes, os sinos tocavam assim quando uma mulher entrava em trabalho de parto para que se fizessem oferendas à Senhora do Ó.
Não entrei no templo. Fiquei no adro recordando a pequena imagem de mármore da mulher grávida que no claustro fita a Rosa-Crucificada. Não era a essa Senhora do Ó a quem “as aflitas” de Évora oferendavam preces e rosas. Esta pequena mulher que pousa a mão esquerda sobre o ventre, olhando a cruz e a rosa que se desenha no vitral à sua frente, é uma mulher abandonada à sua sorte, à solidão das horas sombrias e ao medo do devir. É uma mulher assustada pelo anúncio do anjo.
Era à mulher dourada a quem dedicaram altar os senhores da igreja, a que se dirigiam “as aflitas” das horas dos partos. Era em nome dela que os sinos dobravam. A sua ostentação policromada de grande rainha, esposa de deus, servia como garantia de melhores e rápidas bênçãos. Quem se lembraria de recorrer, na aflição, à “outra”, à pequena mulher branca, perdida nos nichos expostos do claustro? À rainha sim, dentro da igreja, perto dos sacerdotes, das jóias, do tesouro, que risco de não serem atendidas as orações poderia haver? Na hora da aflição não há tempo a perder. Que lhes poderia oferecer uma mulher igual a elas, prenha e só, presa na frieza do mármore?
Mas hoje, debaixo da chuva de Novembro, porque trovoaram os sinos? Que anunciava a sua música apocalíptica? Não sabemos nada.
A HORA DO ANJO 2 - A Guerra
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito de erro da filosofia.
A guerra, como tudo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.
Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.
Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.
A quimica directa da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem,
Paz á essência inteiramente exterior do Universo!"
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
"A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito de erro da filosofia.
A guerra, como tudo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.
Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.
Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.
A quimica directa da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem,
Paz á essência inteiramente exterior do Universo!"
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
Osvaldo Maggi - Cómico Ambulante-Aprendiz da Liberdade–Mestre em Liberdade
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"Até ser possível amar tudo e tudo ser reencontrado por dentro do amor"- Herberto Helder
O texto que se segue foi publicado no jornal "Imenso Sul" em 2000.
Volto a publicar este artigo como se através dele pudesse atenuar as saudades do meu Mestre, Osvaldo Maggi. Cómico ambulante, músico, actor, Mestre de Sabedoria. Os seus ensinamentos são o espelho da bondade e da compaixão.
"Durante estes últimos meses, esteve em Évora, preparando um espectáculo com a companhia PIM-Teatro, o actor, músico e palhaço ambulante argentino, Osvaldo Maggi. Durante os meses em que cá esteve participando na concepção do espectáculo “Maravilha que Maravilha”, vivi com a sua presença uma aprendizagem profunda de humanidade, que, agora que ele partiu, e muito dificilmente lerá este texto, partilho convosco.
Aparentemente podemos pensar que os tempos surrealistas que vivemos, são irremediavelmente, os piores tempos que jamais se viveram. Se calhar até é verdade, avaliando pela quantidade de mesquinhicezinhas com que se constróem os dias do novo/velho milénio. Se calhar até é verdade, se pensarmos na forma hipócrita como viramos costas à vida, aos problemas, como viramos costas a tudo, como se tudo fosse algo exterior a nós.
Pensámos, coitados, que a Liberdade era eterna, que era proibido voltar atrás, que tudo o que é conquista no papel é conquista no ser. Pensámos tanta coisa sobre a Liberdade que deixámos de pensar na Liberdade. E o problema, é que como dizia o outro, a Liberdade é eterna mas só enquanto dura.
De mansinho, muuuuuuuuuito de mansinho, vão –nos querendo quietinhos, vão-nos querendo caladinhos, e ceguinhos e “inhos” vezes mil. Querem-nos pequeninos de tão “inhos”. E a nós francamente, não nos custa nada fazer-lhes a vontade. Se calhar até achamos melhor gritar até perder a voz pela vitória do sporting, ou ir de arrojo a fátima. É que assim como assim, é muito mais fácil o sporting ser campeão, ter fátima no coração e o cérebro flácido na algibeira, que partir desse sofá confortável com vista para a TV Cabo, rumo a um outro mundo que existe, está bem aqui ao nosso lado, é esta Terra, que ao contrário do que possam pensar não é quadrada, nem limitada por fronteiras, por nações, por moedas ou lá o raio que ainda queiram inventar.
Ser livre não é explicável. Ou melhor, ser livre é não ter modelos para a liberdade e seguir andando. É querer conhecer esse ser tão horrível, tão medonho, que nos tira o sono e nos mete medo como um dragão, que somos nós próprios. Olhar, ver, viver, segundo a segundo, a soma de todos os segundos da nossa imortal solidão.
Não sei se alguma vez poderemos ser Livres. Mas, seguramente, podemos ser Aprendizes tenazes dessa utopia.
Esse é o grande exemplo da vida desse homem simples, que caminha sem mapa que não seja o da intuição, ou melhor, sem mapa que não seja a serena voz, sempre murmurada, sempre nítida, do seu Anjo da Guarda.
Osvaldo Maggi, cómico ambulante. Peregrino.
Transcrevo nas linhas que se seguem um poema seu, na língua original em que foi escrito, o castelhano, chama-se “Sigue Andando”. Depois só o silêncio.
“Has llegado hasta aquí / com tu esperanza y tu / cansasio / no son tus piés los que / caminan / es el camino que te va / llevando. / Sigue Andando // En el andar encontrarás / la verdade que vás buscando / más allá del triunfo y del / fracasso /no hay impossibles. / Sigue Andando // El amor es um tesoro / inagotable / y está al alcance de tus / manos / el amor está esperando / Sigue Andando // NO DESESPERES NUNCA / SEMBRADOR SIGUE SEMBRANDO / OUTROS RECORREN EL CAMINO / Y TU CANCIÓN LOS VA GUIANDO / SIGUE ANDANDO."
Frederico Mira George
"Até ser possível amar tudo e tudo ser reencontrado por dentro do amor"- Herberto Helder
O texto que se segue foi publicado no jornal "Imenso Sul" em 2000.
Volto a publicar este artigo como se através dele pudesse atenuar as saudades do meu Mestre, Osvaldo Maggi. Cómico ambulante, músico, actor, Mestre de Sabedoria. Os seus ensinamentos são o espelho da bondade e da compaixão.
"Durante estes últimos meses, esteve em Évora, preparando um espectáculo com a companhia PIM-Teatro, o actor, músico e palhaço ambulante argentino, Osvaldo Maggi. Durante os meses em que cá esteve participando na concepção do espectáculo “Maravilha que Maravilha”, vivi com a sua presença uma aprendizagem profunda de humanidade, que, agora que ele partiu, e muito dificilmente lerá este texto, partilho convosco.
Aparentemente podemos pensar que os tempos surrealistas que vivemos, são irremediavelmente, os piores tempos que jamais se viveram. Se calhar até é verdade, avaliando pela quantidade de mesquinhicezinhas com que se constróem os dias do novo/velho milénio. Se calhar até é verdade, se pensarmos na forma hipócrita como viramos costas à vida, aos problemas, como viramos costas a tudo, como se tudo fosse algo exterior a nós.
Pensámos, coitados, que a Liberdade era eterna, que era proibido voltar atrás, que tudo o que é conquista no papel é conquista no ser. Pensámos tanta coisa sobre a Liberdade que deixámos de pensar na Liberdade. E o problema, é que como dizia o outro, a Liberdade é eterna mas só enquanto dura.
De mansinho, muuuuuuuuuito de mansinho, vão –nos querendo quietinhos, vão-nos querendo caladinhos, e ceguinhos e “inhos” vezes mil. Querem-nos pequeninos de tão “inhos”. E a nós francamente, não nos custa nada fazer-lhes a vontade. Se calhar até achamos melhor gritar até perder a voz pela vitória do sporting, ou ir de arrojo a fátima. É que assim como assim, é muito mais fácil o sporting ser campeão, ter fátima no coração e o cérebro flácido na algibeira, que partir desse sofá confortável com vista para a TV Cabo, rumo a um outro mundo que existe, está bem aqui ao nosso lado, é esta Terra, que ao contrário do que possam pensar não é quadrada, nem limitada por fronteiras, por nações, por moedas ou lá o raio que ainda queiram inventar.
Ser livre não é explicável. Ou melhor, ser livre é não ter modelos para a liberdade e seguir andando. É querer conhecer esse ser tão horrível, tão medonho, que nos tira o sono e nos mete medo como um dragão, que somos nós próprios. Olhar, ver, viver, segundo a segundo, a soma de todos os segundos da nossa imortal solidão.
Não sei se alguma vez poderemos ser Livres. Mas, seguramente, podemos ser Aprendizes tenazes dessa utopia.
Esse é o grande exemplo da vida desse homem simples, que caminha sem mapa que não seja o da intuição, ou melhor, sem mapa que não seja a serena voz, sempre murmurada, sempre nítida, do seu Anjo da Guarda.
Osvaldo Maggi, cómico ambulante. Peregrino.
Transcrevo nas linhas que se seguem um poema seu, na língua original em que foi escrito, o castelhano, chama-se “Sigue Andando”. Depois só o silêncio.
“Has llegado hasta aquí / com tu esperanza y tu / cansasio / no son tus piés los que / caminan / es el camino que te va / llevando. / Sigue Andando // En el andar encontrarás / la verdade que vás buscando / más allá del triunfo y del / fracasso /no hay impossibles. / Sigue Andando // El amor es um tesoro / inagotable / y está al alcance de tus / manos / el amor está esperando / Sigue Andando // NO DESESPERES NUNCA / SEMBRADOR SIGUE SEMBRANDO / OUTROS RECORREN EL CAMINO / Y TU CANCIÓN LOS VA GUIANDO / SIGUE ANDANDO."
Frederico Mira George
sexta-feira, novembro 14, 2003
A HORA DO DIABO 2
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que não nos é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma.”
Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”
“Porque as grandes cidades, Senhor,
estão desagregadas e perdidas;
na maior delas germina o pânico dos incêndios, –
para elas não há perdão nem alívio
e os seus pobres dias estão contados.
Aí, homens de vida dura e ruim
vivem angustiados em quartos escusos,
mais assustados que um rebanho de cordeiros;
e lá fora vela e respira a terra que é tua
e eles existem e não dão por nada.
Aí, há meninos que crescem à janela,
sempre envoltos na mesma sombra,
sem saberem que lá fora há flores que apelam
a um dia pleno de espaço, alegria e vento, –
deviam ser só meninos e são meninos tristes.
Aí, as raparigas abrem-se ao desconhecido
com a nostalgia da infância calma,
mas sem encontrarem aquilo porque vibraram,
assustadas, tornam a fechar-se em si próprias.
Em ocultos quartos traseiros decorrem
as horas desencantadas da maternidade,
o soluço involuntário das noites longas
e os anos frios, sem força e sem luta.
E na sombra escura estão os leitos mortuários
em que a pouco e pouco se vêem já deitadas;
e morrem, presas de uma lenta cadeia
desaparecendo como se fossem mendigas.”
Rilke, “O Livro da Pobreza e da Morte”
“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que não nos é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma.”
Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”
“Porque as grandes cidades, Senhor,
estão desagregadas e perdidas;
na maior delas germina o pânico dos incêndios, –
para elas não há perdão nem alívio
e os seus pobres dias estão contados.
Aí, homens de vida dura e ruim
vivem angustiados em quartos escusos,
mais assustados que um rebanho de cordeiros;
e lá fora vela e respira a terra que é tua
e eles existem e não dão por nada.
Aí, há meninos que crescem à janela,
sempre envoltos na mesma sombra,
sem saberem que lá fora há flores que apelam
a um dia pleno de espaço, alegria e vento, –
deviam ser só meninos e são meninos tristes.
Aí, as raparigas abrem-se ao desconhecido
com a nostalgia da infância calma,
mas sem encontrarem aquilo porque vibraram,
assustadas, tornam a fechar-se em si próprias.
Em ocultos quartos traseiros decorrem
as horas desencantadas da maternidade,
o soluço involuntário das noites longas
e os anos frios, sem força e sem luta.
E na sombra escura estão os leitos mortuários
em que a pouco e pouco se vêem já deitadas;
e morrem, presas de uma lenta cadeia
desaparecendo como se fossem mendigas.”
Rilke, “O Livro da Pobreza e da Morte”
O que fazer dos ossos dos pés se não é permitido caminhar?
"Hei-de dizer que conheci a possibilidade
do amor improvável (...)”
Soletro H-E-L-D-E-R/M-O-U-R-A/P-E-R-E-I-R-A, como se invocasse o “Lama” do oriente..
E repito. E repito. E repito:
H-E-L-D-E-R /M-O-U-R-A / P-E-R-E-I-R-A -
“Hei-de dizer que conheci a possibilidade do amor improvável”!
Ouço o som dos construtores que habitam a Évora subterrânea: A cidade submersa dos Magos e Sábios. O paraíso oculto dos que ainda vivem. Ouço-os e sofro como um corpo queimado. Sei que jamais entrarei pela terra e que até morto estarei à superfície. Mesmo morto estarei habitando a Évora dos espectros, estes mortos que procuram entre escombros um passado impossível.
do amor improvável (...)”
Soletro H-E-L-D-E-R/M-O-U-R-A/P-E-R-E-I-R-A, como se invocasse o “Lama” do oriente..
E repito. E repito. E repito:
H-E-L-D-E-R /M-O-U-R-A / P-E-R-E-I-R-A -
“Hei-de dizer que conheci a possibilidade do amor improvável”!
Ouço o som dos construtores que habitam a Évora subterrânea: A cidade submersa dos Magos e Sábios. O paraíso oculto dos que ainda vivem. Ouço-os e sofro como um corpo queimado. Sei que jamais entrarei pela terra e que até morto estarei à superfície. Mesmo morto estarei habitando a Évora dos espectros, estes mortos que procuram entre escombros um passado impossível.
O Triunfo dos Porcos
“Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar”
Mário Cesariny
Ao Durão Barroso, e a todos os outros porcos assassinos, que das cadeiras dos seus postos de guerra, desonram esta triste civilização, dir-se-ia cristã. A todos esses filhos da puta sem escrúpulos, nem nada que neles seja digno de um nome, nascidos para matar e mandar matar, neste dia de Novembro, em que dois jornalistas portugueses foram atacados no Iraque (Maria João Ruela - SIC, baleada e Carlos Raleiras - TSF, sequestrado) , debaixo do fogo da destruição de que o estado português é colaboracionista, a todos esses porcos, desejo-lhes a única coisa que lhes poderia desejar: que um dia possam finalmente adormecer e recuperar as suas consciências dos crimes que cometeram. Porque o dia dos seus tormentos d’alma virá!
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar”
Mário Cesariny
Ao Durão Barroso, e a todos os outros porcos assassinos, que das cadeiras dos seus postos de guerra, desonram esta triste civilização, dir-se-ia cristã. A todos esses filhos da puta sem escrúpulos, nem nada que neles seja digno de um nome, nascidos para matar e mandar matar, neste dia de Novembro, em que dois jornalistas portugueses foram atacados no Iraque (Maria João Ruela - SIC, baleada e Carlos Raleiras - TSF, sequestrado) , debaixo do fogo da destruição de que o estado português é colaboracionista, a todos esses porcos, desejo-lhes a única coisa que lhes poderia desejar: que um dia possam finalmente adormecer e recuperar as suas consciências dos crimes que cometeram. Porque o dia dos seus tormentos d’alma virá!
HORA DO ANJO 1 - Clube da Imaginação
Diário de Imagens “Saudades de Antero"
Aprender é possível.
Em Évora, na Escola B.2/3 de Santa Clara, por iniciativa da professora Cristina Tavares a que se juntou a professora Ângela Nunes, criou-se um espaço que disponibilidade, afecto e amor, que mais que um exemplo é uma esperança. É o “Clube da Imaginação”.
Aqui ficam dois textos, Cadavre-Exquis, produzidos pelos meninos que frequentam o clube:
Cadavre-Exquis 1 (27/Outubro/2003)
“Olá sou eu uma rapariga linda como o sol que a iluminava. A rua iluminou-a toda. Um dos cabos rebentou o foguete no ar. Ar forte e frio neste dia chuvoso. Mas amanhã o sol brilhará e de certeza que vou comer cerejas.”
Cadavre-Exquis 2 (27/Outubro/2003)
“O plátano tem folhas tão grandes! Que flor tão estranha é a cidade onde vivo. Era como ele estava mas passada uma hora morreu, com muita pena. Minha tristeza é tanta que não aguento ficar 30 segundos debaixo de água. Eu bebo água todos os dias com chuva. É o tempo incerto. Incerto foi eu não estudar para o teste de Matemática e outras coisas igualmente boas e quentes! Quentinhas! Este cheirinho a castanhas transporta-me sempre para mundos distantes uns dos outros dias. Virão fazer a festa de Natal connosco, pois estão sozinhos. Sozinhos estão os sonhos que não se sonham todos com alegria. É o que eu sinto quando estou no Clube da Imaginação. A imaginação é uma coisa que nós temos nos olhos, Os olhos são azuis como os do Rinat.”
Aprender é possível.
Em Évora, na Escola B.2/3 de Santa Clara, por iniciativa da professora Cristina Tavares a que se juntou a professora Ângela Nunes, criou-se um espaço que disponibilidade, afecto e amor, que mais que um exemplo é uma esperança. É o “Clube da Imaginação”.
Aqui ficam dois textos, Cadavre-Exquis, produzidos pelos meninos que frequentam o clube:
Cadavre-Exquis 1 (27/Outubro/2003)
“Olá sou eu uma rapariga linda como o sol que a iluminava. A rua iluminou-a toda. Um dos cabos rebentou o foguete no ar. Ar forte e frio neste dia chuvoso. Mas amanhã o sol brilhará e de certeza que vou comer cerejas.”
Cadavre-Exquis 2 (27/Outubro/2003)
“O plátano tem folhas tão grandes! Que flor tão estranha é a cidade onde vivo. Era como ele estava mas passada uma hora morreu, com muita pena. Minha tristeza é tanta que não aguento ficar 30 segundos debaixo de água. Eu bebo água todos os dias com chuva. É o tempo incerto. Incerto foi eu não estudar para o teste de Matemática e outras coisas igualmente boas e quentes! Quentinhas! Este cheirinho a castanhas transporta-me sempre para mundos distantes uns dos outros dias. Virão fazer a festa de Natal connosco, pois estão sozinhos. Sozinhos estão os sonhos que não se sonham todos com alegria. É o que eu sinto quando estou no Clube da Imaginação. A imaginação é uma coisa que nós temos nos olhos, Os olhos são azuis como os do Rinat.”