sexta-feira, novembro 14, 2003
A HORA DO DIABO 2
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que não nos é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma.”
Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”
“Porque as grandes cidades, Senhor,
estão desagregadas e perdidas;
na maior delas germina o pânico dos incêndios, –
para elas não há perdão nem alívio
e os seus pobres dias estão contados.
Aí, homens de vida dura e ruim
vivem angustiados em quartos escusos,
mais assustados que um rebanho de cordeiros;
e lá fora vela e respira a terra que é tua
e eles existem e não dão por nada.
Aí, há meninos que crescem à janela,
sempre envoltos na mesma sombra,
sem saberem que lá fora há flores que apelam
a um dia pleno de espaço, alegria e vento, –
deviam ser só meninos e são meninos tristes.
Aí, as raparigas abrem-se ao desconhecido
com a nostalgia da infância calma,
mas sem encontrarem aquilo porque vibraram,
assustadas, tornam a fechar-se em si próprias.
Em ocultos quartos traseiros decorrem
as horas desencantadas da maternidade,
o soluço involuntário das noites longas
e os anos frios, sem força e sem luta.
E na sombra escura estão os leitos mortuários
em que a pouco e pouco se vêem já deitadas;
e morrem, presas de uma lenta cadeia
desaparecendo como se fossem mendigas.”
Rilke, “O Livro da Pobreza e da Morte”
“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que não nos é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma.”
Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”
“Porque as grandes cidades, Senhor,
estão desagregadas e perdidas;
na maior delas germina o pânico dos incêndios, –
para elas não há perdão nem alívio
e os seus pobres dias estão contados.
Aí, homens de vida dura e ruim
vivem angustiados em quartos escusos,
mais assustados que um rebanho de cordeiros;
e lá fora vela e respira a terra que é tua
e eles existem e não dão por nada.
Aí, há meninos que crescem à janela,
sempre envoltos na mesma sombra,
sem saberem que lá fora há flores que apelam
a um dia pleno de espaço, alegria e vento, –
deviam ser só meninos e são meninos tristes.
Aí, as raparigas abrem-se ao desconhecido
com a nostalgia da infância calma,
mas sem encontrarem aquilo porque vibraram,
assustadas, tornam a fechar-se em si próprias.
Em ocultos quartos traseiros decorrem
as horas desencantadas da maternidade,
o soluço involuntário das noites longas
e os anos frios, sem força e sem luta.
E na sombra escura estão os leitos mortuários
em que a pouco e pouco se vêem já deitadas;
e morrem, presas de uma lenta cadeia
desaparecendo como se fossem mendigas.”
Rilke, “O Livro da Pobreza e da Morte”