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sexta-feira, agosto 27, 2004

tipografia # 12 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

o ouro é o elemento químico número 79 da classificação periódica
sobre vermelho é a memória que me resta de ti
sobre azul é ajuste tão perfeito que nem as estrelas têm
e
s
s
e
leito privilegiado
antes de dormir forro a cama com lençóis vermelhos
e sobre eles adormeço uma bisnaga de tinta dourada
e fico à espera
à espera
à espera

notas até setembro # 8 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

puseram-me o livro nas mãos e disseram-me que era
do mais e melhor e promissor e belo escritor da minha geração
pousei o volume no colo e confesso que senti um certo
fascínio por aquelas páginas ao que parecia escritas pelo
mais-melhor-promissor-belo escritor da minha geração
depois tive fome e fui à cozinha

quando voltei
olhei o coiso em cima da mesa da sala e
e
afinal que interesse pode ter um livro escrito pelo

mais-melhor-promissor-belo escritor seja lá de que geração for?


quinta-feira, agosto 26, 2004

tipografia # 11 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller


ele está deitado na banheira

não há água sobre a sua pele branca e gorda

ele não está na banheira para tomar banho

ele olha o lavatório onde estão
deixados
ao
acaso do uso dos dias
uma bomba de espuma de barbear
umas "giletes" femininas
e um sabonete lux para os pés usado para as mãos

ele é enorme a banheira é enorme o lavatório é enorme
ele precisa muito de dormir e não consegue



quarta-feira, agosto 25, 2004

tipografia # 10 

para e. b.

sinto o teu sangue quente e estás tão longe nesse lado oceânico
onde as algas te respiram
gigantescas baleias de terror assaltam os olhares dos poetas asas
tivesse numa qualquer parte
do dorpo
[deste tão inútil corpo meu]
e te salvaria dessa ilha de rectângulos gradeados


terça-feira, agosto 24, 2004

tipografia # 9 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

estou preso a uma linha de comboio preso a uma distância
ao previsível entre dois pontos conhecidos preso a um trajecto de cansaços
e rostos trabalhadores caídos
rostos partidos
dos seus pescoços perturbados pelas horas derrubadoras
da cervical às quarenta cinquenta sessenta por semana ou mais
cheira aqui àquilo a que cheiram os ovos cozidos postos em camas de sal nas tabernas
estou preso a esta geometria de deslocação sem viagem
a azular

segunda-feira, agosto 23, 2004

na Janela Indiscreta 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller


Studio Soussi, Album Soussi 05
Index de portraits du Studio Soussi,
Saïda, Liban. - 100 pages, approx. 150 portraits par page,
35 x 50 x 9,5 cm. - Coll. FAI



domingo, agosto 22, 2004

tipografia # 8 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

sorvo uma sopa gelada enquanto não chove
nesta tarde gordurosa de agosto
as nuvens andam lá em cima como
as nabiças no caldo: a fugir
é preciso virar a malga para as apanhar com a colher
seria preciso virar o planeta para estilhaçar as nuvens
não consigo

nougat 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

para a eduarda dionísio

é para isto que os domingos servem acorda-se com recordações (e dores de cabeça)
o resto
d-
-o
dia é tortura e horas que não passam hoje
que é domingo lembrei-
me
do sabor de uma barra de nougat comida na abril em maio em noite de ruy belo e drummond
quando era miúdo a minha mãe subornava-me a vontade de não ir à escola com barras
do mais puro nougat
continuei
sempre
a não querer ir à escola mas fiquei a gostar de barras de nougat
as barras de nougat fazem parte de uma série de coisas que existiam
que por existirem faziam a vida valer a pena
e
durante muito tempo haviam muitas dessas coisas
eu pelo menos dava de caras com muitas dessas coisas que faziam
da vida
a minha vida
como gradualmente fui constatando o desaparecimento da maior parte dessas coisas
que tornavam a vida
a minha vida pensei que as barras de nougat também já não se fabricavam

mas ontem dei com um frasco delas
de barras de nougat na abril em maio

na abril em maio dá-se às vezes com coisas que julgava já não se fabricarem
dentro de frascos ou à mão do olhar
não são coisas muito complicadas são coisas dessas que falava
coisas como chinelos confortáveis bolas de pano poemas pendurados nas paredes livros do mário dionísio pinturas e desenhos e colagens expostas sem ser em exposição cadernos em branco onde se pode sonhar escrever coisas de amor ou planos de felicidade livros do trotsky ou mesmo do joão martins pereira fotografias do morandi em fotocópia ou um grande retrato da tina modotti livros editados pelo vítor silva tavares brochuras com poemas que quase ninguém leu enquanto faz teatro quem faz teatro porque quer fazer teatro e é só por isso que faz teatro –
– sonhos de bandeiras e letras pintadas nas paredes e restos de máquinas com suor de labor operário vídeos (para sócios) cinzeiros pesados e papeis de tabaco por fumar –

hoje que é domingo e as horas de tortura estão mesmo quase a começar pergunto-me se

parece-me razoável que ainda haja
razões para as coisas serem feitas porque ideias há e é uma estupidez dizer que há falta delas
eu sempre tive ideias as ideias que tenho é que não interessam a ninguém
mas isso
como se costuma dizer é outra história pergunto-
me
se as minhas mãos seriam capazes de reencontrar a vontade de não ir à escola
a todas as escolas que existem e a que temos que ir
ficando a comer nougats ao lado de alguém que não quisesse ficar só
alguém que também quisesse comer
trincar
– com essa pessoa que imagino ainda poder existir –
nougats inventados
que soassem a batidas de tambor
a filmes
a desenhos
a textos escritos com letras e raivas amorosas
lutar mais uma vez por esse lugar conjunto onde
as mãos se usassem em conjunto com a cabeça
ou separadamentemas mas que se usassem
se sujassem


sábado, agosto 21, 2004

notas até setembro # 7 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

há uma altura que sim
é desespero :
falta de vida
recusa
abalo
impossibilidade
desilusão
tremor torpor queda

são os melhores momentos
porque sabemos que é desespero:
falta de vida
recusa
abalo
impossibilidade
desilusão
tremor torpor queda
e o desespero
a falta de vida
a recusa
o abalo
a impossibilidade
a desilusão
os tremor torpor queda
passa ou passam ou passarão – qualquer coisa –
logo após o êxtase
para cair no momento neutro da hostilidade
onde nos podemos não cansar

mas não é o caso


não é desespero:
falta de vida
recusa
abalo
impossibilidade
desilusão
tremor torpor queda

é não ser nada
é não estar nada
é nada nada
nada com corpo e voz e punho erguido
é não haver um centilitro de
falta de vida
recusa
abalo
impossibilidade
desilusão
tremor torpor queda

este agora é um corpo vivo afogado
imerso esforçando-se sem conseguir cessar por fim a respiração



IF verão 2004 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

IF verão 2004

mais uma vez -
todas as vezes -
obrigado Francisco

eduarda dionísio 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

porque há coisas que nos emocionam, ainda, aqui fica, na integra, eduarda dionísio em entrevista:

"Sobre si mesma ...
in Página da Educação, nº 135, Junho 2004


Pode-se dizer que nasceu num "berço de ouro" literário?

De ouro acho que não, mas literário sim. Houve duas coisas que facilitaram eu começar a escrever, sem saber aliás que o fazia. Foi o facto de o meu pai escrever e muitos dos seus amigos também. E ter frequentado a Escola Francesa (depois Liceu Francês) onde os meus pais me puseram para fugir à Mocidade Portuguesa e à Religião e Moral; os métodos aí usados puseram-me mais em contacto com os textos literários, o que raramente acontecia na escola portuguesa.

Encontro bastantes paralelismos entre o seu percurso e o do seu pai, nos campos académico, profissional e artístico. Essa filiação foi (in)cómoda?

Tem o lado cómodo. Aliás, escolhi o curso de “Românicas” porque tive medo de não ter tempo livre para fazer as coisas que gostava se fosse para um curso que desse muito trabalho. Foi pura preguiça. E o lado incómodo: resistir àquelas ideias de que era o meu pai que “me fazia a cama”.Apesar de já em 1968, ter conduzido um inquérito, com Almeida Faria e Luís Salgado de Matos, «junto de artistas e intelectuais portugueses» sobre a Situação da Arte e, por outro lado, ser uma mulher com uma profunda participação associativa, sinto-a afastada do campo literário, designadamente da Associação de Escritores.Completamente e cada vez mais. Nunca quis pertencer à Associação Portuguesa de Escritores porque não sou escritora. Escrevo livros, mas não sou profissional nem tenciono vir a sê-lo. Sou professora de profissão. Mesmo que (agora) não goste, é o que tenho de fazer por mais três anos, até me reformar. De facto, a partir dos anos 80, o mundo dos escritores (como outros) deixou de me interessar: a literatura começou a impor-se como um qualquer produto comercial, com técnicas de marketing. Veja-se o lançamento dos livros… Quando eu comecei a escrever, os livros não eram “lançados” em cerimónias sociais, eram “distribuídos” pelos editores. Os vendedores iam pô-los nas livrarias e até liam bocados das obras aos livreiros para os convencer a comprar. Duvido que isso agora se faça. Por outro lado, quando comecei a publicar não eram as vendas que “mandavam”: recebia-se pela edição, não pelas vendas. Acho inacreditável que as pessoas achem normal que assim seja.

A situação a que se refere está a jusante do processo editorial, não tem a ver propriamente com a produção da escrita.

Também a produção me interessa menos. Vejo serem promovidos escritores que, ou não me interessam nada, ou não são novidade nenhuma - ao contrário do que ouço dizer, ou vejo escrito, o que só é possível porque não se leu o que se publicou antes. Acho esquisito que se considere uma grande novidade a escrita de Saramago por não ter pontos e vírgulas nos sítios normais, por os seus parágrafos terem várias páginas. Nos anos 60, não sei quantos escritores fizeram isso. Ele pode fazê-lo à vontade, só acho estranho que os críticos literários apresentem isso como uma novidade e até como razão do prémio Nobel.

Acha que a ausência de crítica literária, em Portugal, contribui para isso?

Acho que sim. Mas a crítica em Portugal foi sempre muito fraca. O Gaspar Simões tinha um trabalho persistente junto do público, mas isso não quer dizer que a sua obra fosse extraordinária. Mas era uma referência. Eu até podia ficar contente se ele dissesse mal dos meus livros, ao passo que agora ninguém diz mal… porque não dizem nada. E se disserem mal, não fico contente nem triste. A crítica literária estava nesses tempos desligadas do mercado. O Gaspar Simões não dizia bem ou mal conforme lhe pagavam ou por ser habitual dizer bem ou mal de determinado escritor, mas segundo o que achava. Agora os editores andam a chagar os jornais para que saia a crítica ao livro tal ou façam uma entrevista ao autor. Faz parte da sua “profissão”. Por tudo isto, não encontro espaço no meio literário português.

Apesar de tudo tem uma produção literária grande.

Não… Em relação ao livro Tina M. provas de contacto (2001) abri uma excepção numa decisão que tinha tomado - não publicar mais nenhum livro, mas apenas fotocopiar textos. Cada vez menos as pessoas compram livros com o meu nome na capa, portanto, para quê estar com o trabalho de editar? Para quem? Se as pessoas querem ler uma coisa que eu tenha escrito, podem-se fazer fotocópias. Este livro, sobre a Tina Modotti, vejo-o como umas fotocópias de luxo de um editor de quem eu gosto muito, o Vítor Silva Tavares (& etc.).


Tornou-se biógrafa…


Fascinou-me o que ela passou, os países por onde andou, as pessoas que conheceu, as questões de que deve ter ouvido falar e aquilo de que deve ter falado ela, o que fotografou e aprendeu… Penso que é uma personagem simbólica de um dos maiores dramas do século XX - o comunismo. É uma personagem lindíssima que viveu, umas vezes dando por isso e outras não, um dos grandes dramas políticos e sociais e culturais do século XX.
É um livro com uma estrutura muito curiosa, nomeadamente aquele glossário de pessoas e locais…Achei engraçado fazer um dicionário dos sítios por onde ela andou e das personagens que andaram à volta dela. E é engraçado porque, havendo no meio do livro uma peça “literária” (que algumas livrarias catalogam como poesia, mas é só porque as linhas não chegam até ao fim), ele pode também ser útil para quem não se interessa muito por literatura visto que tem alguma documentação, os “bastidores” da literatura.


É uma das poucas escritoras que tem abordado com profundidade o período de transição da ditadura para a democracia. Nele participou de forma intensa e os seus textos reflectem muito esse ambiente (da euforia ao desencanto). Reconhece essa relação entre ficção e realidade?

Aquilo foi escrito um pouco mais tarde, como é evidente. Naquela época de que falo nem havia tempo nem apetite para escrever… Eu estive completamente mergulhada na escola e no Sindicato dos Professores e não havia um minuto para escrever literatura, o tempo era passado a viver todas aquelas mudanças, agarrados à rádio… Só quando tudo estava já perdido - não no sentido do “retorno ao fascismo” (isso acho impossível), mas perdida a ideia de uma outra sociedade em que as pessoas participassem todas e em que o trabalho manual e o trabalho intelectual se fundissem e o aprender e o ensinar fosse a mesma coisa - lá por 78, 79 (não foi preciso vir a AD [Aliança Democrática] para as pessoas perceberem que aquilo já não ia acontecer em tempo útil ou decorrente daquele processo, a não ser que houvesse um outro…), só aí encontrei um tempo para escrever de outra maneira… Só quando se percebeu que os grupos estavam derrotados, como grupos, e que já não havia nada a fazer… naquele momento…

Escreveu passada a onda…

Também porque escrever na “crista da onda” era perder tempo. Escrevi, sim, milhares de comunicados… não parei a pena, mas o que escrevia era apenas dirigido aos meus colegas, aos moradores do mesmo sítio, ou aos militantes dum sindicato ou dum partido… A literatura seria para quem? Naquele momento para ninguém, só para as pessoas que não andavam metidas em nada… E as pessoas interessantes estavam metidas em coisas…

Considera que os seus livros de ficção, sobre essa época, têm o «carácter de testemunho histórico-social de um Portugal conturbado»?

Testemunho subjectivo. É o meu ponto de vista sobre aquelas coisas. Eu digo sempre que não sou escritora, escrevo para que conste, o que não se escrever não consta. É engraçado como as pessoas se foram desligando daqueles livros porque já não são aquelas questões que as fazem viver, lhes dão prestígio, ou as fazem subir… e portanto deixaram de ter interesse para muitos… até para aqueles que viveram aquilo intensamente… porque há um confronto com coisas desagradáveis e as pessoas desabituaram-se de lidar com isso.

Passemos à escola. O seu livro Histórias, Memórias, Imagens e Mitos duma Geração Curiosa é também um manancial de registos (alguns quase etnográficos) sobre a primária, o colégio interno, o ensino doméstico, a universidade…

A escola foi uma zona muito importante da minha vida, os meus pais eram os dois professores e as conversas ao almoço e ao jantar eram sempre sobre a escola. Porque eles viviam completamente embrenhados naquilo. Quando acabei a faculdade, a minha opção de vida foi ser professora, portanto, desde os 3 anos de idade que vivo dentro da escola… nunca fiz uma pausa, é tão forte como a vida doméstica, ou mais.
A descrição dos castigos, físicos e psicológicos, emerge em várias passagens, como a do aluno obrigado a andar «com orelhas de burro, sozinho pelo largo da igreja e pela rua principal»…Na escola onde andava não se usavam esses métodos, mas ouvia-os contar… Eu era bem comportada, por isso não sofria castigos… O que me faz aflição na escola é criarem-se relações entre professor e aluno que não são as relações que essas mesmas pessoas teriam com outras pessoas, no prédio, na rua ou no café. Acho estranho que agora na Assembleia da República se esteja a discutir «o estatuto do aluno» (isto de o aluno ter um estatuto!). O aluno é uma pessoa. As coisas na escola têm de ser decididas por quem está lá e em função das relações entre pessoas, o que não quer dizer indisciplina, nem falta de respeito, pelo contrário. Também acho estranho «o estatuto de professor» pelos mesmos motivos… e que os professores reivindiquem (a quem?) mais “autoridade”…

Sinto-a desencantada em relação à escola…

As pessoas que mexiam com os saberes escolares, e sabiam o que estavam a fazer, desapareceram em nome da “tarefa superior” de «pôr ordem no caos». Nunca tive noção de caos nas escolas durante o 25 de Abril… Gosto de confrontos e de pensamentos que se opõem, mas não de caos. Agora é que eu sinto o “caos”. Agora, quando se diz que estamos no “estado de direito”. O desencanto tem a ver com isso, com a impossibilidade de se poder mexer nas coisas… Deixou de existir a vontade de encontrar coisas novas e difíceis, de procurar… A partir do momento em que os meus alunos me diziam para ditar apontamentos… fui para os cursos da noite… disse «não posso mais estar com pessoas de 15 anos que me exigem que dite apontamentos», como a professora do lado que voltou também a ditá-los ou que sempre os ditou… É isto que me desencanta na escola, mais do que os “resultados” que são publicados nos jornais…

Frustração também no que respeita aos manuais escolares, para si que tentou, também nesse domínio, caminhos alternativos?

Na disciplina de Português, pelo menos, o mais importante é o contacto com os textos sem a barreira das terminologias e das leituras de quem os escolhe. Há livros escolares que têm lá os textos, mas custa-me olhar para eles porque os textos são pormenores nas páginas cheias de quadros, setas e cores… O trabalho de análise deve ser deixado a quem estuda, não tem de ser oferecido (ou melhor: “vendido”) por quem faz os manuais. Qualquer dia os textos até já vêm sublinhados… A leitura continua a não acontecer, podem fazer-se os exames com altas classificações lendo apenas os resumos das obras e sabendo o que o professor disse sobre ela (ou um livrito qualquer). Também me afligem os “manuais” impressos a azul ou castanho para serem mais “atraentes”, e sem margens sequer para as pessoas os anotarem… O lucro assim é maior, é verdade…

Sente que a literatura perde estatuto no currículo?

Antigamente, as pessoas aprendiam quase tudo dentro da escola. Fora da escola circulavam poucos “saberes” que não fossem da área do “saber fazer”. Agora tudo o que há fora da escola (Comunicação Social, Internet, etc.) “fornece” imensos saberes que andam, de uma maneira geral, longe da literatura e valorizam outras linguagens. A escola diz querer estar em “concorrência” com o que está fora da escola, o que faz, aliás, com que nunca se encontre solução para a escola – uma coisa é estar em combate, outra é estar em concorrência – e nesse papel de “concorrente” não encontra também ela lugar para a literatura… Cá fora, as pessoas ganham a vida e são importantes sem saberem literatura e sem gostarem dela…Era bom que a escola pudesse combater um certo tipo de cultura que é dominante na sociedade…, mas não o faz também porque a “respeita”, quer apenas, quando quer, “fornecer” uma cultura"



tipografia # 7 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

podia ter sido feliz
acordando e adormecendo
alimentando-me das pequenas algas do tanque
vendo os roedores correrem por entre os laços das árvores
acordando e adormecendo
alimentando as pequenas algas do tanque

sexta-feira, agosto 20, 2004

notas até setembro # 6 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

então foi para isto que para aqui vim
são estas as pessoas que dizem ser gente e com quem tenho que habitar neste hospital
como vou distinguir as caras dos homens dos rostos das mulheres
como vou
eu
transmitir as minhas vozes ao ar que transmite vozes se
neste casarão onde não se distinguem umas
vozes
de
outras vozes
parecem todos amantes com os corpos fartos e sem dentes
a beijarem-se no dia da folga
tentando encontrar o corpo por entre a fralda
da bata de dormir
e há tanta luz
tanta
insuportável
luz e
coisas a cair
caem tantos milhares de coisas neste chão hospitalar
é quase música
trouxe a minha máquina fotográfica e
a-
-s
fuças destas bestas
hão-de ficar guardadas num pequeno fotograma
de marca japonesa de maneira a que as almas
as suas
as deles
não se possam juntar aos esqueletos no dia do juízo
ou lá o que for

quando forem horas dos comprimidos e o enfermeiro me
vier ver nu com aquele olhar profissional
de quem não se excita
com o cu dos doentes
vou chamar-lhe coisas que o ofendam
chamo-lhe tudo
chamo-lhe homem
chamo-lhe despedaçado

não sei como vai ser a morte neste hospital
mas talvez possa dormir umas horas
umas horas que sejam
antes disso


domingo, agosto 15, 2004

notas até setembro # 5 

"the essential is no longer visible"- Heiner Müller

talvez não o volte a ver
ano após ano ele foi o guradião fiel daquela casa na praia
agora tem um cancro hospedado no fígado envelhecido
mas ainda guarda a sua simpatia desajeitada e ainda assobia
ao
canário chico
os médicos dizem que o que já sabemos

se já não o vir
até breve
senhor martins

sábado, agosto 07, 2004

notas até setembro # 4 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

para o maçariku

no entanto

há sempre uma vontade política em mim
uma vontade enorme e colectiva de arrastar
árvores e todas as coisas gigantes

: o desejo de encontrar sol todos os dias
nos bolsos
nos cigarros nas paragens
de
autocarro no pelo dos cães
em ti

e
não falo desse sol abrasador e desidratado dos meses incendiários
falo de um sol
que se constrói com o pé esquerdo

com as mãos a andar

um sol
finalmente
normal






sexta-feira, agosto 06, 2004

henri cartier bresson - adeus mestre 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller



notas até setembro # 3 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller


dos trabalhos manuais que há disponíveis
dobrar peúgas é dos mais antigos e úteis de todos
não é especialmente difícil
não é uma coisa para engenheiros
mas também não é para qualquer galinha
é trabalho que se aprende de pais para filhos
transmissão de oficina com olhos a ver na parede
e ouvidos a escutar no chão
a mãe ensina o pai mostra
o filho dobra pela primeira vez assim como se beijasse uma boneca
a filha bufa no cano da meia para as desenrugar

é um trabalho sério e é bom quando cheira a roupa lavada

quinta-feira, agosto 05, 2004

notas até setembro # 2 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müller

há uma altura na vida em que os dias se tornam uma sucessão
agradável ou desagradável
de momentos sem vírgulas
sem pontos
e com pouquíssimos espaços entre eles

é a altura de mudar a direcção do voo

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