domingo, novembro 16, 2003
A HORA DO ANJO 3 - Adoniram
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Deitada no esquife, viam-se os seus cabelos dourados por debaixo da mortalha negra. Sobre o seu rosto um manto de sangue. Apenas sete velas iluminavam a caverna. Munidos de espadas, desesperados, os seus irmãos procuravam os assassinos, como se laminas afiadas pudessem matar a traição e as trevas.
A mulher imóvel, ainda quente na morte, podia finalmente repousar. Fora ferida por três rudes golpes. O último, o mortal, deixara uma ferida que nem a morte coagulava. Desferido sobre a sua fronte ela deixara-se assassinar.
Agora o seu corpo repousava na caverna negra onde nove dos seus irmãos choravam sobre o cadáver. As lágrimas prateadas foram manchando a mortalha negra e os seus gemidos pareciam gritar por um socorro impossível. A mulher estava morta. Morta! E ainda assim os seus nove irmãos acreditavam no seu regresso.
Como tinha sido encontrado o corpo da mulher?
“Tinham-se passado dezassete dias: as buscas nos arredores do templo tinham siso infrutíferas e os mestres percorriam em vão os campos. Um deles, acabrunhado pelo calor, tendo querido, para subir mais à vontade, agarrar um ramo de acácia donde acabava de voar um pássaro brilhante e desconhecido, surpreendeu-se ao aperceber-se que o arbusto inteiro cedia sob a sua mão, não estando, portanto, agarrado à terra. Ela tinha recentemente mexida e o mestre curioso chamou os seus companheiros.
Rapidamente, os nove cavaram com as unhas e verificaram a forma duma cova. Então um deles disse aos seus irmãos:
«Os culpados foram os traidores que devem ter querido arrancar a Adoniram a senha dos mestres. Para que eles não alcancem os seus objectivos, não será melhor mudá-la?
- Que palavra iremos adoptar, então? Perguntou um outro.
- Se encontrarmos o nosso mestre, retorquiu um terceiro, a primeira palavra que um de nós pronunciar servirá de senha; ela eternizará a recordação deste crime e do juramento que nós fazemos aqui de o vingar, nós e nossos filhos, sobre os seus assassinos e os seus descendentes até à última geração.»
O juramento foi feito; as suas mãos uniram-se sobre a cova, e recomeçaram a cavar com ardor.
Tendo reconhecido o cadáver; um dos mestres agarrou-o por um dedo mas a pele ficou-lhe na mão; a mesma coisa aconteceu com o segundo; um terceiro agarrou-o pelo punho, da maneira que os mestres usam para os seus companheiros e a pele separou-se igualmente, pelo que exclamou M…, que significa: A CARNE DEIXA OS OSSOS.
Naquele mesmo lugar eles acordaram que esta palavra seria daqui para a frente a senha do mestre e o grito de união dos vingadores de Adoniram.”*
Assim, estendida sob um véu de escuridão, a mulher, mestre dos mestres, jazia tranquila. Não tendo transmitido o segredo aos seus carrascos e tendo ele sido substituído, que tormento lhe poderia agora perturbar o sono. Se os seus irmãos iam continuar a obra, um após outro, até ao fim das gerações, a sua morte deixara de ser morte. Ainda que chorassem, os seus irmãos tinham encontrado a chave da sua eternidade.
* texto de Gerard de Nerval
Deitada no esquife, viam-se os seus cabelos dourados por debaixo da mortalha negra. Sobre o seu rosto um manto de sangue. Apenas sete velas iluminavam a caverna. Munidos de espadas, desesperados, os seus irmãos procuravam os assassinos, como se laminas afiadas pudessem matar a traição e as trevas.
A mulher imóvel, ainda quente na morte, podia finalmente repousar. Fora ferida por três rudes golpes. O último, o mortal, deixara uma ferida que nem a morte coagulava. Desferido sobre a sua fronte ela deixara-se assassinar.
Agora o seu corpo repousava na caverna negra onde nove dos seus irmãos choravam sobre o cadáver. As lágrimas prateadas foram manchando a mortalha negra e os seus gemidos pareciam gritar por um socorro impossível. A mulher estava morta. Morta! E ainda assim os seus nove irmãos acreditavam no seu regresso.
Como tinha sido encontrado o corpo da mulher?
“Tinham-se passado dezassete dias: as buscas nos arredores do templo tinham siso infrutíferas e os mestres percorriam em vão os campos. Um deles, acabrunhado pelo calor, tendo querido, para subir mais à vontade, agarrar um ramo de acácia donde acabava de voar um pássaro brilhante e desconhecido, surpreendeu-se ao aperceber-se que o arbusto inteiro cedia sob a sua mão, não estando, portanto, agarrado à terra. Ela tinha recentemente mexida e o mestre curioso chamou os seus companheiros.
Rapidamente, os nove cavaram com as unhas e verificaram a forma duma cova. Então um deles disse aos seus irmãos:
«Os culpados foram os traidores que devem ter querido arrancar a Adoniram a senha dos mestres. Para que eles não alcancem os seus objectivos, não será melhor mudá-la?
- Que palavra iremos adoptar, então? Perguntou um outro.
- Se encontrarmos o nosso mestre, retorquiu um terceiro, a primeira palavra que um de nós pronunciar servirá de senha; ela eternizará a recordação deste crime e do juramento que nós fazemos aqui de o vingar, nós e nossos filhos, sobre os seus assassinos e os seus descendentes até à última geração.»
O juramento foi feito; as suas mãos uniram-se sobre a cova, e recomeçaram a cavar com ardor.
Tendo reconhecido o cadáver; um dos mestres agarrou-o por um dedo mas a pele ficou-lhe na mão; a mesma coisa aconteceu com o segundo; um terceiro agarrou-o pelo punho, da maneira que os mestres usam para os seus companheiros e a pele separou-se igualmente, pelo que exclamou M…, que significa: A CARNE DEIXA OS OSSOS.
Naquele mesmo lugar eles acordaram que esta palavra seria daqui para a frente a senha do mestre e o grito de união dos vingadores de Adoniram.”*
Assim, estendida sob um véu de escuridão, a mulher, mestre dos mestres, jazia tranquila. Não tendo transmitido o segredo aos seus carrascos e tendo ele sido substituído, que tormento lhe poderia agora perturbar o sono. Se os seus irmãos iam continuar a obra, um após outro, até ao fim das gerações, a sua morte deixara de ser morte. Ainda que chorassem, os seus irmãos tinham encontrado a chave da sua eternidade.
* texto de Gerard de Nerval