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terça-feira, maio 31, 2005

o livro das noivas # 34 

# 34 – do álbum de bertha

parti [todos] os espelhos da casa
mesmo os mais pequeninos [e] tinha vários
vários espelhos
]e[ vários espelhos pequeninos – espelhos de carteira –
espelhos em caixas de pó
de
arroz –
até um anel tinha cravado um minúsculo espelho oval –
é uma tarefa diabólica | e eu
não sabia | não há nada mais abjecto que a inocência |
– quando partimos
um espelho
é porque não queremos que ele exista
mas quanto mais o partimos em mais espelhos / ele que era só um / se torna – espalham-se como sémendediaboasemear
[e] quando se partem muitos espelhos | como foi o caso | – centenas de peque
nas partículas espelhadas
infinitaspartículasespelhadas – tomam conta do espaço
de todo o espaço –
é impossível
acabar
c
o
m eles – eles voltam aos milhares
a princípio tinhas vários espelhos em casa [já tinha dito]
[grandes] [médios] [e] [pequeninos]
vários grandes
vários médios
vários pequeninos
qu
ando comecei o trabalho passei a ter dezenas
depois centenas | agora tenho milhares de espelhos em casa – |
milhares –
por to
do o lado há espelhos com o meu rosto desenhado –
habito uma casa com um infinito número de espelhos
?será isto a eternidade

segunda-feira, maio 30, 2005

o livro das noivas # 33 

# 33 – lavagem da loiça e do toilette

acordei com um escrevedeira-amarela
a bicar-me os olhos –
pareceu-me um animal excepcionalmente asseado
de olhar inteligente – talvez demasiado racional para
o meu gosto de ovo de avestruz – deviam
ser
umas cinco
[e pouco]
da manhã
e-soube-me-bem-aquela-surpresa-como-um-pequeno-almoço-na-cama
quando levantei a cabeça vi
que estavam mais dez [ou nove]
no lavatório e uns vinte [?será?] na banheira
devem ter passado a noite a chamar-se uns aos outros
não é de estranhar – uma janela a
berta
u
ma única janela aberta na cidade | nem uma fêmea
distin
guem-
-se
bem
os machos têm asas castanhas com riscas e as supracoberteiras caudais brancas
en
qu
an
to
as fêmeas têm cores muito mais apagadas quase invisíveis
esãomuitomaispequenas
muitíssimomaispequenas
muitomuitomaispequenastambémnão
masbastantemaispequenas
estranhei que só um se tivesse aproximado de mim
para me bicar os olhos – um mais corajoso
um valente escrevedeira-amarela
já não voltei a dormir - fiquei profundamente impres
sionado com a maneira limpa e organizada como cuidaram
da casa de banho durante o meu sono
há coisas
poucas [?quantas? [?quase?] ?as maravilhosas?]
que não se explicam

sábado, maio 28, 2005

Notas Sobre Livros... 

Enquanto se preparam os textos para o blog Notas Sobre Livros... vão estando disponíveis pequenas actualizações com notícias sobre livros.

sexta-feira, maio 27, 2005

o livro das noivas # 32 

# 32 – carta de uma sogra

?de que serve falar-te agora se é n
oit
e
estas paredes
já não têm história – os meus dedos
estão sem resposta
são um pássaro preso n
um muro a querer voar
/ mas eu falo /
[espécie de sangue por quebrar] – aos teus dedos
me dirijo – sem me virar | nem nome terei
no fim desta carta com que assinar
/ mas eu falo /
este chão já não responde a nenhuma memória
e agora que é noite / chove
e me vejo sob este angélico cipreste
imagino a volta do correio – sem parar
sem parar
sem parar § podia ter-te ainda aqui
se dissesse qualquer palavra
levemente musical
ou te beijasse as feridas | talvez um mar
já disseste que era tarde e
que de nada serve gritar agora que é noite – e o
s meus
d
edos
estão mudos
/ eu falo /
eu
falo

quinta-feira, maio 26, 2005

no AR LÍQUIDO 2 


SONHAR OS SONHOS *13
Colagem de Cristina Tavares

o livro das noivas # 31 

# 31 – carinhosa hospitalidade

mas não senti nada – nada
reconheci as tuas mãos – as tuas penas
[seria impos
sível
n
ã
o
reconhecer as tuas pena
s]
reconheci – mesmo no escuro – as mãos
e os dentes /
reconheci tudo – mas não senti nada
ainda não sinto nada – nem um odor
no momento em que morreste eu estava consciente
ainda estou
nunca perco a consciência – nunca
tratei-te com carinho e com o respeito que se deve
aos anjos aos
amantes e aos cemitérios – mas
não senti nada – nada – nem alegria
nem
d
o
r
nem riso – minto
quando amanheceu senti um certo alívio por já me poder levantar e
finalmente ir preparar o pequeno almoço
sem me sentir culpado de te deixar
ali deitado
à espera

segunda-feira, maio 23, 2005

o livro das noivas # 30 

# 30 – educação

um tecido cor-de-rosa uma bétula – olhos verdes
azuis
nunca se distinguem quando são cinzentos – e uma palavra
insone
decoro um poema de à a érre
e vou juntando pedrinhas num canteiro cor-de-rosa
a
baunilha
m
cravo
o
dracena
r
espinho-branco – vogais
olhos verdes consoantes – cinzentos – a / m / o / r
um tecido cor-de-rosa – repito: um cipreste de à a érre – vou junt
ando olhos azuis num canteiro
nunca se distinguem quando são cinz
entos
valerianaverbenaverónicaviburnovideiravimeiro
soletro
s-o-l-e-t-r-o – soletr
o
quatro vogais de um tecido cor-de-rosa – um plátano
quatro
a-m-o-r-a

sábado, maio 21, 2005

o livro das noivas # 29 

# 29 – as crianças

talvez fure as orelhas e nesses mínimos orifícios de carne
coloque uns pequenos brin
cos de pr
ata com uma oração gravada – ou uma bandeira
vermelha de um qualquer sangue – escorrendo
pelo rosto
depois conto-te a história de q
uando eras menin
a
e brincavas com comboios e lenços de re
nda
talvez haja tempo para te relatar a dor da perfuração
e o impacto de um casal de brincos ao espelho
depois vamos tomar banho
quem sabe se n
ão encontras uma escada para subir
ou um lagarto para estimar
?queres dizer-me o que pensas de mim
depois conto-te tudo
os serões de cólicas e os vómitos
a água salgada a entrar pelo nariz pela primeira vez
talvez
até te venha a chamar inês
e te compre uns calçõe
s com alças e bolsos largos para guardar seixos
quem sabe se não encontras uma escada para subi
r
e no topo
num ba
ú antigo uns brincos de ouro
tudo pode acontecer e eu prometo
que te conto
tudo
tudo
de quando eras menina
talvez

sexta-feira, maio 20, 2005

o livro das noivas # 28 

# 28 – entre dois berços

re
enco
ntrei
o
an
e
l
e quando o pus o ouro que então brotou
fez tiquetaque
e a mão paralisou num 2º
meu número – abri os braços
e ainda os não fechei
o meu segredo é despertar o enredo de toda uma vida inventada
talvez devesse escrever romances
d
i
zzzz
o gááááááto
tiquetaque d’ouro num dedo um anel dourado
reza a lenda que no céu dormiam duas princesas
e eu mais não
era
que o berço de uma delas que dormia

quinta-feira, maio 19, 2005

Notas Sobre Livros... 

Já está on-line, mas ainda não começou. Está quase...

Notas Sobre Livros

quarta-feira, maio 18, 2005

o livro das noivas # 27 

# 27 – ser mãe

sinto um braço dormente § dois
– sinto o braço direito dormente § ?o esquerdo
sinto-me dormente / sinto-me-dor-mência
quando vejo / vejo muitas luzes azuis
| pequenos pontos de luzes azuis |
– ?serei capaz
quero ficar deitado neste tapete de mármore com a inscrição d
o meu nome [codificado]
?o nome... que nome hás-de ser...
?será que um dia te saberei chamar
ouvi dizer que na índia só se põem os nomes às crias
quando elas já têm seis
ou
se
te
an
os – quando já é possível ouvir-lhes o rosto e sentir
as suas vontades
esta dormência impede-me de decidir o que seja
seja
não farei nada para contrariar este estado
seja
assim
seja eu assim
como um sino sem sineiro

terça-feira, maio 17, 2005

o livro das noivas # 26 

# 26 – uma carta

perdi-a num prato de madrepérola com o teu nome
procurei-
-te
num cesto enquanto passeávamos na floresta
hoje quando soube que ias morrer amanhã não tremi
e é bom guardar a sere
ni
da
de
perante a morte dos amantes – há uma tranquilidade
que arrepia
perder-te é como ter a cabeça entre malmequeres-lápis-lazúli
e aviões de
abelhas coloridas ou nadar em
grandes espaços desenfreados percorrendo desertos de jardim |
a lua abriu-se e pensei que talvez fosse para t
e receber
em oferenda | quem sabe se existem planetas nos pés
e memórias escondidas num passado infantil
amoras
e cofres
perante a morte dos amantes há uma tranquilidade
repleta de malmequeres-lápis-lazúli

segunda-feira, maio 16, 2005

o livro das noivas # 25 

# 25 – da sala à cozinha


entendi-me no chão esperando que me pises
com amor
como se a minha pele e ossos e cabelo
fossem uma passadeira de rosas adormecidas
a que tu pudesses confiar os teus passos e receber
o olor dos espinhos acabados de
despontar
o medo do caminho é uma coisa imensa – uma luz
que se acende no fim da escada
?p
or
q
ue não sei eu o teu nome
ainda
depois de tanta revelação e estrelas que se acenderam à nossa volta
?nunca te perguntei o nome
?terás nome
!se acaso o tiveres será o que estou a pensar
tenho a certeza
enquanto sobre mim passas § serei caminho § água e carvão ardido
debaixo dos teus pés estarei a arder em sal | em ar – em nuvens
estendi-me fazendo de mim um furibundo pó de ouro
eis a oferenda em que a prata das horas se pode transformar
o medo do caminho é uma coisa imensa – uma mão

domingo, maio 15, 2005

o livro das noivas # 24 

# 24 – as refeições

?quantas vezes te olhei junto ao lago das pedras preciosas
e caí na lama fresca das suas margens por
não conseguir desvi
ar o olhar dos teus movimentos lentos |
tenho na memória todas as vezes em que tombei
mas não
recordo uma só vez em que me tenha erguido
esta noite conheci um anjo de cabelos atados a uma gaiola
repartia pão e água sobre uma cama com um revólver
abri-lhe a porta e ele sentou-se | juro que pensei seres tu
penso sempre que és tu quando algum anjo se senta à mesa falando-me do fogo
– deixou-me a gaiola
e cabelos espalhados na cama
?quantas vezes me olhaste junto à cama com um revólver
estou agora dentro da gaiola – ?serei cativo
das
insónias angélicas
das orações musicais das papoilas
§ amas-me
eu sei
sou
eu
a
di
z
ê
l
o
como as pérolas em barcos de ostra
esta noite sonhei com cabelos de anjo
na boca

sábado, maio 14, 2005

o livro das noivas # 23 

# 23 – as camisas de dormir

no meu sonho são enormes lances de escada
o mar entra pelas janelas – vento e cores em cada degrau
ver-te assim afogada
no meu sonho são portas e almas penadas
almas com três ou quatro polegadas – no escuro
à entrada
o mar que se enrola – o mar que acaba | é cova é nada
abre-se uma garrafa
abafo o corpo com o elmo e a espada
[tens uma nódoa de sumo de morango na saia]
cerejas copos e camas bordadas
os meus sonhos são corolas desesperadas
desenhos de manga cava
eu moribundo a alinhavar bainhas em cadeiras de pau
cavalos
coletes de força
coletes com força
burros alados presos à jangada
no meu sonho camisas de noite são enormes lances de escada
enormes lances de escada
enormes lances de escada
são almas de três ou quatro polegadas

sexta-feira, maio 13, 2005

o livro das noivas # 22 

# 22 – puericultura

imenso como os campo de arroz
impresso
laço
meu papel – náná náná náná
se te conheço
te
conheço meu papel impresso – náná náná
vi
onde está o laço – nánánánánáná
puxo-te o cabelo botão dourado – rápido entrave
ao leite – ópio-sangue | tantas rosas
arde
arde
chamo-me ana ná – olha-me que nasci –
meu papel se te conheço – lasso
arde arde
sem um braço
almofadalençolcobertorlenço
lou-ren-ço
imenso campo de arroz se te conheço
puxo-te o cabelo – botão de punho – lento
náná náná náná náná

quarta-feira, maio 11, 2005

o livro das noivas # 21 

# 21 – horticultura

caem-me pregos em cima e martelos e dores
os meus lábios rebentam em pequenas chagas carmim
e custa-me a andar sob esta carga de ruídos pontiagudos
apetece-me estalar
vincar a pele com fogo lento – fingir que corro
ou que morro correndo – fingindo – como se acordasse
como / como
o chão revolve-se em luzes de incenso – lume poente
cavernoso
dissidente
há cães que ladram como pássaros – o campo treme
lagos e videntes adormecendo de mágoas
desenfreadamente
repletos de medo – toda a solidão do mundo é um cravo
e tu / tu sempre presente
falo-te de longe já sem olhos
despedes-te da minha pequena vida – ris
luz branca de uma acácia doente
procuro o esconderijo das maçãs entre os dentes
tanta luz tanto segredo tanta coisa misteriosa sem acento
tanto vento – lagos imensos de incenso – chovem pregos
martelos operários numa terra descampada
são horas

segunda-feira, maio 09, 2005

o livro das noivas # 20 

# 20 – floricultura

neste lugar onde aterrou o satélite do nosso
amor resgatado aos cardos
penso como seria belo ter um machado
ou uma faca – algo que decepasse a nossa beleza
que torturasse a memória dos encontros a duas
e os rios imaginários do país de acantos e açafrão
onde nos tocámos tantas vezes depois de nascer
já não resta uma única árvore neste mar – nem um animal – nem um coração
de mimosa | a brancura das jóias
que te enfeitam o pescoço fazem crescer em mim um mortal
desejo de te arrancar ao corpo – d
e te elevar ao lugar do cosmo onde tranquilas fomos desenhadas
com o sabor das pétalas das rosas-pompom
em tempos pintámos estradas nos muros de cal
e bravura – tanta coragem desperdiçada – a lua amaldiçoou
o amanhecer quente dos beijos envenenados
é tarde para semear corvos
tenho a língua enrolada em penitências de feto
morrerei sufocada se não me fizeres voar
so
br
e
o jardim das garças / sufocada de ti minha língua com o teu nome /
cobra transparente – procuro-te ulisses – dulcineia – florbela
hão-de morrer todos em évora e em évora se tornarão almas sem corola
todos
todas
os animais
as amantes
nós as duas vestidas de barco e azul-marinho-czar-da-rússia

domingo, maio 08, 2005

o livro das noivas # 19 

# 19 – notas de uma ménagère

desinfecta a casa antes de te mudares [todo o cuidado é pouco]
desde a porta da rua até ao quintal – escolhe
uma habitação clara – seca – arejada – manda
o pessoal proceder a grandes lavagens com água fervida
e potassa | usar sabão e aguarrás não será um excesso
muita gente adoece sem saber porquê
se indagassem a razão das suas maleitas
haveriam de encontrar as causas nas paredes
no chão nas portas nas pias e nos esgotos
é fundamental saber já alguém morreu na casa
nem é preciso que tenha morrido – basta ter estado doente
há tanta moléstia contagiosa / todas as famílias devem perguntar
ao seu médico com que produtos devem desinfestar diariamente a casa e
m tempos de epidemia | também te aconselho a que tenhas sempre
um
livro de apontamentos onde escrevas as tuas despesas com zelo
não queres que te venham a chamar desmazelada ou
perdulária – irias envergonhar o teu noivo – mesmo
matar-lhe a reputação | arranja um outro caderno ainda
aí assenta todos os conselhos que a tua mãe te der
antes de dormir deves ferver-te em água pura e cheirosa
se a casa deve estar sempre desinfectada
tu deves estar ainda mais | quando fizeres trinta anos
deves começar a bordar o vestido negro ou roxo
com que serás sepultada – não deixes esse fardo
para os que ficam – já bem lhes basta terem de tratar do esquife –
depois de acabado guarda-o na gaveta onde arrumas as camisas de dormir
de forma a que todas as noites te lembres que na manhã seguinte
poderás já não estar viva mas que tudo estará preparado
desinfectado e arrumado para o futuro |
não escrevas mais de uma vez por semana à tua amante

sábado, maio 07, 2005

o livro das noivas # 18 

# 18 – os criados

felizes os convidados para a ceia do senhor
bendita sois vós entre aquelas que morreram
bendito é o fruto – a árvore – e o espinho
bendito o vinho que derramei por vós – vosso ventre
e a janela por onde a tua sagrada alma partiu
felizesosconvidadosparaaceiadosenhor –
minha carne rasgada – verdes veias inchadas nos olhos /
eis o pequeno cálice de seiva – bebe-a
eis a semente e o sangue da vida eterna – meu corpo rasgado por vós:
pequenas sereias – pimenta – sal – jasmim
convidados felizes os que podem cear com o
senhor foram tantas as almas que subiram a partir desta
cama perdoa-lhes mãe eles não te conhecem e
les pensam que morreste na terra santa e que subiste aos céus
eles
os felizes convidados
eles
que nunca provaram a tua saliva nem a seiva do cálice
?não há cálice pois não mãe
só vento e almas subindo a partir desta cama de pérolas vãs
e espuma
senhor prova os meus pés
senhor saboreia os meus pés
senhor
verdes veias inchadas nos olhos | eis-me-pequeno-cálice-de-seiva
perdoa-lhes mãe do mundo eles não conhecem a tua saliva

sexta-feira, maio 06, 2005

o livro das noivas # 17 

# 17 – as aves

não consigo deixar de pensar em aviões
hoje é agosto e o mar quebrou-se em três – tenho
um vestido de linho e rosas-damasco
almo
fadas de veludo presas à cauda – aviões que aterram –
desmaiadas – índia – restos mortais
não consigo deixar de pensar em
al
mo
fa
das
aviões vermelhos – aviões metralhadora
como jardins e canções – hoje é agosto de rosas-damasco
tenho um pé preso numa porta de porcelana
vou à janela e vejo uma criança a correr atrás de uma gaiola
como num livro – uma tabuada – não consigo
deixar de pensar em aviões em agosto em rosas / em veludos
?que dia é hoje
?é agosto
o dia do desgosto
almo
fadas
com o mar quebrado em três faça-se luz no oriente
meu coração tão longo longo
não consigo deixar de pensar em aviões – vou
à janel
a e
vejo uma criança a correr atrás de uma gaiola
vestida de rosas-veludo

quinta-feira, maio 05, 2005

o livro das noivas # 16 

# 16 – os animais

há uma cruz que te absorve e arranha
na terra o rio alarga-se como uma fábrica de topázios
mergulhando vêem-se peixes amorosos
a transbordar de pólen e azeite reluzindo
e a cru
z faz-se âncora a arrastar embarcações para o fundo
e no fundo tu
fabricando cabelos e cavalos marinhos
de olhos azuis – paralisadas pérolas cativas
como ossos aquáticos a arder nas minhas ancas –
há uma cruz que me alucina
e arranha alargando-me os braços como um
a fábrica de madrepérola e mergulhando vêem-se
peixes furiosos mordendo dedos sem pele
deixados ao acaso como lâmpadas acesas
a gritar azul – lembras-me um céu de grandes
nuvens em forma de ovo transbordando de pólen e azeite re
luzindo como uma cruz num navio de peixes amorosos
a fugir –
uma cruz de ossos – cavalos marinhos sangrando
paralisadas pérolas escritoras que adivinham o futuro
da areia dos limos e das rochas

o livro das noivas # 15 

# 15 – a cozinha

ícara projecto de pássaro voando num cesto
corro atrás de ti guardadora de rebanhos e cálidas merendas
ao colo da mãe / quantos raios te atravessaram o pescoço
antes de me amares como dizes que amas
és tu que tocas a flauta de pã que durante a noite
nos assusta como uma maçã
és tu que transbordas de metal pesado como um bico
uma baioneta
cortando a pele aos morangos
és um traço que devora as portas e as roupas
da infância – fatias de bolo quente – laranja ícara
voadora
percorres a praia com dores | praia das dores
rapto do infante – alcácer quibir e sabonete
pudesse eu ser o cavalo que tu abriste e cozinhaste
ser-te pão e alimento voando num cesto com amoras
nada em ti é silvestre e tudo te adora
abre-me agora a mim cozinheira – completa-me o cabelo
com a manteiga da tua língua e serei a égua mais
feliz
abre-me
abre-me
feliz
voando num cesto – ícara trasbordante de cerejas
abre-me
abre-me
feliz

quarta-feira, maio 04, 2005

o livro das noivas # 14 

# 14 – a mesa


há pedras à superfície e pedras so
terradas – eis o mundo –
escrevem-se poemas na terra
e eu aqui a ver-te sentada a essa mesa de luxolendo
embalada pelo som dos comboios
sinto-me a morrer com o desejo de te tocar nos pés
[tentativa vã de te ressuscitar para mim] – chama-me grande sacerdotiza
ou rãzinha / a memória tem os dias e os dedos contados
tem os anéis empobrecidos e paredes erguidas
entre mim e a lamparina que dá a luz à tua leitura
há uma unha
se soprasse apagaria todas
as letras o mundo que julgas conhecer embalada
p
e
l
o
som
d
o
s
comboios
eis o mundo – tu és uma pedra à superficie
e eu uma pedra soterrada inspirando e expirando
eu a louca ametista com cabelos de cão que te ama
eu o asteróide que gravita à volta do teu pescoço comprido
rezo pela aurora pela saúde dos ossos pela cadeira
de luxo que te serve de trono – beijar-te-ia até à morte
beijar-me-ia até à morte – quero engolir as tuas pernas inteiras
chama-se rãzinha bruxa como dantes
basta um gesto meu um bocejo
e ressuscito-te ao som dos comboios
tu passarias a ser a pedra soterrada
e eu a própria superfície – eis o mundo

terça-feira, maio 03, 2005

o livro das noivas # 13 

# 13 – carta a uma noiva

terça-feira dia três de um mês que tu sabes qual é
o ano é sempre o mesmo / apesar de ir mudando o planeta
fujo de ti – hoje és o vento que [me] sopra contra
o papel e desenha os furibundos caracteres azuis onde te dou con
ta da impossibilidade de accionar o mecanismo amoroso d
os dedos – pensas que te escrevo e estás enganada minha ana
– mal te consigo imaginar
ofereço-te um pavão de muitas cores / de
senhado há anos ?e isso parece-te uma carta
marta doce marta...
como és parecida com um pavão a girar [a]
gi
rar
verde num balão – escolhi a caneta certa
neste ano que não muda neste lugar mudo – terça-
-feira de um mês adivinhado – ?maio
estamos em maio ?outra vez – aterram aeroplanos
cavam-se pequenos orifícios para ratos no jardim
marta [é como te chamo no inicio da carta] olha
o céu – a seguir digo foge
foge com o medo
que as crianças têm dos espelhos e dos navios atracados –
aterram aeroplanos numa pequena cidade onde patos
disputam fabulosas corridas de galgos
atrásdegalinhascondenadasàbrancuradosseusovos
e no fim
envés de uma assinatura – percorro com a língua as tuas coxas
até que o véu de renda caia sobre as nossas cabeças e sejamos conduzidas
pelo sopro das coisas inexplicáveis até ao beijo
caído
da nossa aliança

segunda-feira, maio 02, 2005

o livro das noivas # 12 

# 12 – falta de tempo

estive a ler a tua carta de despedida o adeus suicida
à neve à pele e aos dias passados na piscina
entre rosas no campo e doces caramelos
entre-dentes sussurrando – como duas
adolescentes grávidas de insectos rastejantes
e agradeço
-te
tanto
tanto
que não te tenhas esquecido de mim no momento sábio
em que descolaste do mar – como te beijo / é
como se fosses cristal a arder azul alto rugoso
tenho o sabor da tua barba nos meus lábios
e vou guardá-lo para sempre na boca que foi tua –
tenho tantas saudades do campo e dos lagos onde
mordi o teu peito enquanto te obrigava a comer morangos
e outras frutas sanguíneas – amoras – cerejas – raposas
não sei se devo queimar a tua carta
tenho medo que depois da minha morte alguém a leia
e descubra que fomos duas quentes cúmplices de um amor
mortal / ?devo queimá-la
já não me podes responder – eu sei – ainda as
sim volto a perguntar-te ?devo
queimar as tu
as últimas palavras – estou tão orgulhosa de ter sido eu a escolhida
pela tua lembrança no momento em que disseste adeus às asas
até já – que as flores que te levarem ao céu tenham o olor
ácido dos limões acabados de beber

domingo, maio 01, 2005

o livro das noivas # 11 

# 11 – os pobres

a minha resposta é definitiva – aceito ficar sem cabelo
aceito deixar cair o queixo – as membranas dos pés – o perfume das mãos
farei o contrato as
sinarei os papéis tomarei banho de ácido
quero ficar in
visível e abraçar-te j
á sem corpo para que não odeies nada
em mim – como dantes
[as duas / só as duas]
eu sei que agora já não vai ser a mesma coisa
nunca é – sei que tenho que ficar invisíve
l para poder estar ao teu lado e tocar-te – era isto que querias ?não era
foi o que me pediste dou-te agora a resposta / ?estás
contente – diz-me que sim sim sim sim sim sim sim
sinto uma imensa excitação nas veias só de
saber que voltaremos a nadar nos rios secretos
da nossa juventude – que nos voltaremos a beijar debaixo da terra
sem que ninguém perceba –
não tenho nada a perder
tu sim
por isso eu aceito tudo todo o nada que serei no futuro
?queres os meus dentes
?queres que tos guarde – só para teres uma recordação física de mim
– ?lembras-te dos meus dentes não lembras –
?há quanto tempo não nos tocamos nem nos embebemos na seiva das duas /
agora vai ser tudo possível – assim o espero – e tu estarás pr
otegida será o nosso último pacto antes do resto

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