terça-feira, novembro 18, 2003
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Há um gato preto que me visita.
O gato não é “propriedade” da vizinhança, nem faz ninho nesta rua.
É um gato enorme de olhos muito verdes e patas desproporcionadamente grandes para o corpo.
Não sei porque este gato me visita de tempos a tempos. Escolheu-me e pronto.
Eu aceito as suas cíclicas aparições. Não lhe peço nada, ele nada me pede.
Entra-me porta dentro, mia, olha-me, às vezes deixa-me dar-lhe umas festas, deita-se no tapete da entrada e parte.
É um gato de pelo luzidio, gordo. Vê-se que come bem e se lambe com fartura. Tem ar de caçador e gosta de se roçar nas minhas pernas em jeito de cumprimento. Não é ser que dê confiança demaisiada e mal se sente aborrecido nada o faz prolongar a visita.
Este gato navega pela cidade. Aparece e desaparece. É ilusionista e impossível de dominar. Uma vez lambeu-me a mão e ao contrário dos outros gatos que me lamberam, este não tem uma língua áspera. Tem uma língua macia, doce e sensual.
Devo dizer que não tenho a certeza que seja um gato. Não me refiro ao sexo, qualquer coisa nele me confunde e me deixa perplexo. O que é que este gato vê em mim?
Sei, por conversa de vizinhos, que ele não visita mais ninguém nas redondezas. Quando passa pela rua, ouço-os em voz alta: “Olha o gato preto! Olha o gato preto!”.
Não sou só eu que reparo nele, mas a mim, o ente, dá atenção.
Passam-se semanas, mesmo meses, que ele não aparece, mas quando aqui passa bate-me à porta. Escusado será dizer o quanto fico agradecido pelas suas visitas. Acho que ele sabe disso. Acho até que ele joga com isso. Ele sabe que sou eu o privilegiado, mas usa-me com bondade. Não me faz sofrer. Não joga com sentimentos. Eu nunca sei se ele voltará e ele não me promete nada, nunca, mas de cada vez que vem preenche a minha solidão nocturna com toda o seu saber-amar. Eu não sei nada dele, mas não posso garantir que ele não saiba de mim o que nem eu adivinho.
Das primeiras vezes, tentei fotografá-lo mas ele mostrou-se muito zangado com isso e nunca mais tentei fixá-lo com medo de que não voltasse.
Esta noite, precisava da sua visita. Não sei como o chamar. Dizia-se na minha família que os gatos têm um nome secreto que só eles conhecem, mas que se alguma vez o descobríssemos e soubéssemos emitir a palavra com a vibração correcta eles jamais nos deixariam. Como eu gostava se saber o seu secreto nome.
Boa noite gato preto. Daqui te invoco nesta hora do diabo. Se me tiveres deixado lembrar-te-ei até ao fim dos meus dias como uma viúva.
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
Há um gato preto que me visita.
O gato não é “propriedade” da vizinhança, nem faz ninho nesta rua.
É um gato enorme de olhos muito verdes e patas desproporcionadamente grandes para o corpo.
Não sei porque este gato me visita de tempos a tempos. Escolheu-me e pronto.
Eu aceito as suas cíclicas aparições. Não lhe peço nada, ele nada me pede.
Entra-me porta dentro, mia, olha-me, às vezes deixa-me dar-lhe umas festas, deita-se no tapete da entrada e parte.
É um gato de pelo luzidio, gordo. Vê-se que come bem e se lambe com fartura. Tem ar de caçador e gosta de se roçar nas minhas pernas em jeito de cumprimento. Não é ser que dê confiança demaisiada e mal se sente aborrecido nada o faz prolongar a visita.
Este gato navega pela cidade. Aparece e desaparece. É ilusionista e impossível de dominar. Uma vez lambeu-me a mão e ao contrário dos outros gatos que me lamberam, este não tem uma língua áspera. Tem uma língua macia, doce e sensual.
Devo dizer que não tenho a certeza que seja um gato. Não me refiro ao sexo, qualquer coisa nele me confunde e me deixa perplexo. O que é que este gato vê em mim?
Sei, por conversa de vizinhos, que ele não visita mais ninguém nas redondezas. Quando passa pela rua, ouço-os em voz alta: “Olha o gato preto! Olha o gato preto!”.
Não sou só eu que reparo nele, mas a mim, o ente, dá atenção.
Passam-se semanas, mesmo meses, que ele não aparece, mas quando aqui passa bate-me à porta. Escusado será dizer o quanto fico agradecido pelas suas visitas. Acho que ele sabe disso. Acho até que ele joga com isso. Ele sabe que sou eu o privilegiado, mas usa-me com bondade. Não me faz sofrer. Não joga com sentimentos. Eu nunca sei se ele voltará e ele não me promete nada, nunca, mas de cada vez que vem preenche a minha solidão nocturna com toda o seu saber-amar. Eu não sei nada dele, mas não posso garantir que ele não saiba de mim o que nem eu adivinho.
Das primeiras vezes, tentei fotografá-lo mas ele mostrou-se muito zangado com isso e nunca mais tentei fixá-lo com medo de que não voltasse.
Esta noite, precisava da sua visita. Não sei como o chamar. Dizia-se na minha família que os gatos têm um nome secreto que só eles conhecem, mas que se alguma vez o descobríssemos e soubéssemos emitir a palavra com a vibração correcta eles jamais nos deixariam. Como eu gostava se saber o seu secreto nome.
Boa noite gato preto. Daqui te invoco nesta hora do diabo. Se me tiveres deixado lembrar-te-ei até ao fim dos meus dias como uma viúva.