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domingo, novembro 16, 2003

A HORA DO DIABO 3 

Diário de Imagens “Saudades de Antero”

“ANTES QUE A NOITE VENHA” – Eduarda Dionísio
“FALAS DE ANTÍGONA”
“Fala ao amante (não esquecido)”

“Eu o enterrei e neste enterrar te perco.
Trago nas mãos o cheiro ao morto mais amado,
regado agora de água fresca e sagrada e do choro proibido,
e é a minha vida toda que deponho nas escadas de pedra
do palácio do teu pai.
Eu o encontrei
na noite por acabar ainda,
no apodrecer que é a alegria do tirano que te fez nascer.
Eu afastei as vespas, os tira olhos, os insectos todos,
e tirei, a um a um, os vermes que mastigavam os pedaços de carne nova,
contentes como lacaios deste império morto.
E sabe que o fiz põe ele
nunca por ti faria,
tu que tens pai e mãe que te reclamam e protegem,
tu de quem nunca conhecerei o amor
que trazias guardado e me parecia doce.
Eu limpei o corpo do herói.
Eu lhe beijei os dedos que restavam,
e os cabelos carregados de torrões de terra e sangue preto,
baços da poeira dos combates,
e beijei-lhe a testa branca de gesso e os lábios de madeira seca.
Ouves o que te conto,
amante perdido nas correntes do pai que tens?
Eu o arrastei até à água da fonte que tinha perto.
Eu o lavei.
Eu o estendi nas ervas tenras que crescem na lama.
E ele esperou, como tu esperavas, e mais que tu esperou,
até que a noite fosse manhã
e a cova tivesse o tamanho certo onde ele só e nenhum outro coubesse.
Ali o pus
e o cobri de fino pó
e te esqueci na nuvem clara que se levantou
e pousou na terra aberta,
homem que nunca virá a ser meu.
E sobre a camada de terra me deitei
e lhe dei a ele o calor que ainda tinha,
um sopro morno
e me instalei para sempre sobre a labareda da morte
ganindo de dor como uma loba.
E os olhos das feras luziam na floresta.
E ouvi metais e passos aflitos de caçadores
ou de soldados.
E não chamei por ti.
Ouves, amante mal-esquecido?
Reguei-o do liquido que se entornou do barro.
A clareza do fio e o frio cegaram-me de vez em quando.
Dei-lhe a morte merecida que o teu pai que me olha lhe negou,
e tu também, filho manso.
O meu irmão está morto.
Nenhum outro voltará a nascer que tome o seu lugar.
Aqui estou no teu palácio
presa à justiça dos céus.
Desobediente
no maior amor que a noite viu.
Banhada na alegria da minha imensa teimosia.
Que a tua morte não seja posta sobre a minha,
ó doce príncipe
que não conhece nem razão nem força bastante
para ter vida assim.
Espero na claridade do dia
como sombra que fui e serei
a sentença do tirano.”

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