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quinta-feira, novembro 20, 2003

HORA DO ANJO 7 - Lisboa, dúvidas que não tenho 

queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny

Há dúvidas que não tenho.
Se fosse para uma ilha deserta, sem hesitar, só levaria um dicionário.

Dicionário: “colecção alfabetada dos vocábulos de uma língua, ou de qualquer ramo do saber, com a respectiva significação, carácter fonético, morfico e sintáxico; léxico”.

Perfeito, sozinhos, com todas as palavras ao alcance dos olhos. Toda a grandeza dos sons exactamente ditos!

“Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do se tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra e soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever de falar”


Mário Cesariny

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