quarta-feira, novembro 26, 2003
Hora do Diabo 14 - Os Vermes Indiferentes
queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma - Mário Cesariny
“Devemos dizer aos individualistas burgueses que o seu discurso sobre a liberdade absoluta é pura hipocrisia”.
Não pode haver “liberdade” real e efectiva baseada no poder do dinheiro, numa sociedade na qual as massas do povo trabalhador vivem em pobreza e um punhado de ricos vive como parasitas.”
Lenine, 1905
Terça-feira, em Lisboa, como todas as terças.
Ia caminhando até ao consultório do meu médico.
No trajecto, encontro dois homens russos. Um cortava o cabelo ao outro, com uma tesoura de bicos redondos, daquelas que se usam nos infantários. O homem a quem era cortado o cabelo tinha a cabeça caída, o olhar pousado no chão e aos ombros um pano que lhe aparava as madeixas caídas. A tesoura devia-o magoar, pois ele gemia cada vez que o “irmão” lhe golpeava o cabelo louro.
Continuei o caminho no conforto dos meus sapatos, no quente da minha roupa. Levei a mão ao cabelo, cortado no cabeleireiro pelo sr. Querubim. Lembrei-me do requinte dos seus cuidados, sempre preocupado com a temperatura da água, com a inclinação da cadeira. Senti-me tão envergonhado. Como posso eu deixar ali aqueles homens, sem nada, sem um nome sequer. Chegados cá os seus nomes são como siglas informáticas. São uns gajos e pronto. E eu andando confortável para o consultório do meu médico.
Mesmo ao lado, abriram-se as portas de uma luxuosa e conhecida casa de alterne da cidade. Uma moça, com uma ínfima saia e um top de renda, saiu ao frio para ir buscar um homem de sobretudo preto e sapatos de verniz a um carro azul e grande. A moça disse-lhe: "Boa noite doutor Henrique". Tinha sotaque brasileiro. O doutor Henrique deixou-se acompanhar para dentro da casa e o carro seguiu viagem.
A senhora brasileira, a gaja, como certamente a tratam, vinha quase nua, com um frio de rachar, buscar um homem que no corpo levava mais euros pendurados que todo o dinheiro que a rapariga ganha num ano. Só os sapatos do doutor dariam para pagar uma renda de casa, coisa que ela nem deve ter.
Porque desistimos de lutar?
Porque nos tornámos nestes vermes indiferentes?
É a hora!
“Devemos dizer aos individualistas burgueses que o seu discurso sobre a liberdade absoluta é pura hipocrisia”.
Não pode haver “liberdade” real e efectiva baseada no poder do dinheiro, numa sociedade na qual as massas do povo trabalhador vivem em pobreza e um punhado de ricos vive como parasitas.”
Lenine, 1905
Terça-feira, em Lisboa, como todas as terças.
Ia caminhando até ao consultório do meu médico.
No trajecto, encontro dois homens russos. Um cortava o cabelo ao outro, com uma tesoura de bicos redondos, daquelas que se usam nos infantários. O homem a quem era cortado o cabelo tinha a cabeça caída, o olhar pousado no chão e aos ombros um pano que lhe aparava as madeixas caídas. A tesoura devia-o magoar, pois ele gemia cada vez que o “irmão” lhe golpeava o cabelo louro.
Continuei o caminho no conforto dos meus sapatos, no quente da minha roupa. Levei a mão ao cabelo, cortado no cabeleireiro pelo sr. Querubim. Lembrei-me do requinte dos seus cuidados, sempre preocupado com a temperatura da água, com a inclinação da cadeira. Senti-me tão envergonhado. Como posso eu deixar ali aqueles homens, sem nada, sem um nome sequer. Chegados cá os seus nomes são como siglas informáticas. São uns gajos e pronto. E eu andando confortável para o consultório do meu médico.
Mesmo ao lado, abriram-se as portas de uma luxuosa e conhecida casa de alterne da cidade. Uma moça, com uma ínfima saia e um top de renda, saiu ao frio para ir buscar um homem de sobretudo preto e sapatos de verniz a um carro azul e grande. A moça disse-lhe: "Boa noite doutor Henrique". Tinha sotaque brasileiro. O doutor Henrique deixou-se acompanhar para dentro da casa e o carro seguiu viagem.
A senhora brasileira, a gaja, como certamente a tratam, vinha quase nua, com um frio de rachar, buscar um homem que no corpo levava mais euros pendurados que todo o dinheiro que a rapariga ganha num ano. Só os sapatos do doutor dariam para pagar uma renda de casa, coisa que ela nem deve ter.
Porque desistimos de lutar?
Porque nos tornámos nestes vermes indiferentes?
É a hora!