sábado, novembro 15, 2003
A Mulher Assustada
Diário de Imagens "Saudades de Antero"
Hoje, dia de intensa chuva, os sinos tocaram na Sé durante mais de vinte minutos. Dantes, os sinos tocavam assim quando uma mulher entrava em trabalho de parto para que se fizessem oferendas à Senhora do Ó.
Não entrei no templo. Fiquei no adro recordando a pequena imagem de mármore da mulher grávida que no claustro fita a Rosa-Crucificada. Não era a essa Senhora do Ó a quem “as aflitas” de Évora oferendavam preces e rosas. Esta pequena mulher que pousa a mão esquerda sobre o ventre, olhando a cruz e a rosa que se desenha no vitral à sua frente, é uma mulher abandonada à sua sorte, à solidão das horas sombrias e ao medo do devir. É uma mulher assustada pelo anúncio do anjo.
Era à mulher dourada a quem dedicaram altar os senhores da igreja, a que se dirigiam “as aflitas” das horas dos partos. Era em nome dela que os sinos dobravam. A sua ostentação policromada de grande rainha, esposa de deus, servia como garantia de melhores e rápidas bênçãos. Quem se lembraria de recorrer, na aflição, à “outra”, à pequena mulher branca, perdida nos nichos expostos do claustro? À rainha sim, dentro da igreja, perto dos sacerdotes, das jóias, do tesouro, que risco de não serem atendidas as orações poderia haver? Na hora da aflição não há tempo a perder. Que lhes poderia oferecer uma mulher igual a elas, prenha e só, presa na frieza do mármore?
Mas hoje, debaixo da chuva de Novembro, porque trovoaram os sinos? Que anunciava a sua música apocalíptica? Não sabemos nada.
Hoje, dia de intensa chuva, os sinos tocaram na Sé durante mais de vinte minutos. Dantes, os sinos tocavam assim quando uma mulher entrava em trabalho de parto para que se fizessem oferendas à Senhora do Ó.
Não entrei no templo. Fiquei no adro recordando a pequena imagem de mármore da mulher grávida que no claustro fita a Rosa-Crucificada. Não era a essa Senhora do Ó a quem “as aflitas” de Évora oferendavam preces e rosas. Esta pequena mulher que pousa a mão esquerda sobre o ventre, olhando a cruz e a rosa que se desenha no vitral à sua frente, é uma mulher abandonada à sua sorte, à solidão das horas sombrias e ao medo do devir. É uma mulher assustada pelo anúncio do anjo.
Era à mulher dourada a quem dedicaram altar os senhores da igreja, a que se dirigiam “as aflitas” das horas dos partos. Era em nome dela que os sinos dobravam. A sua ostentação policromada de grande rainha, esposa de deus, servia como garantia de melhores e rápidas bênçãos. Quem se lembraria de recorrer, na aflição, à “outra”, à pequena mulher branca, perdida nos nichos expostos do claustro? À rainha sim, dentro da igreja, perto dos sacerdotes, das jóias, do tesouro, que risco de não serem atendidas as orações poderia haver? Na hora da aflição não há tempo a perder. Que lhes poderia oferecer uma mulher igual a elas, prenha e só, presa na frieza do mármore?
Mas hoje, debaixo da chuva de Novembro, porque trovoaram os sinos? Que anunciava a sua música apocalíptica? Não sabemos nada.