sexta-feira, setembro 30, 2005
tratado secreto da paisagem # 19
«nunca-terra» de miguel castro caldas
espectáculo «primeiros sintomas»
ao miguel castro caldas
à sandra faleiro
nana terra nunca
toca
um crocodilo a nota – terra-nunca
nana anda o tempo para trás
traz a frente que para mim nunca amanhece
conhece
nana tece o sol não nasce
operários em volta de um eixo
não há terra-nunca terra nana
eixo não há terra
terra talvez a noite nunca venha
tu és um filho que não cresce
não amanhece – cada vez mais longe
tece nana tece tece
não há espaço não nunca
compreendo – as unhas
a coisa esquisita
cresceste nana cresceste
operários de volta à creche
enquanto nana tece tece
e cresce – o sol não nasce
nasce
numa mão crescida que tece
t
e
c
e
espectáculo «primeiros sintomas»
ao miguel castro caldas
à sandra faleiro
nana terra nunca
toca
um crocodilo a nota – terra-nunca
nana anda o tempo para trás
traz a frente que para mim nunca amanhece
conhece
nana tece o sol não nasce
operários em volta de um eixo
não há terra-nunca terra nana
eixo não há terra
terra talvez a noite nunca venha
tu és um filho que não cresce
não amanhece – cada vez mais longe
tece nana tece tece
não há espaço não nunca
compreendo – as unhas
a coisa esquisita
cresceste nana cresceste
operários de volta à creche
enquanto nana tece tece
e cresce – o sol não nasce
nasce
numa mão crescida que tece
t
e
c
e
quinta-feira, setembro 29, 2005
tratado secreto da paisagem # 18
rodeia-me a tempestade mais fria do espaço aberto
vêm como leoas em pé de guerra
os predadores
?olhamo-nos
sim
olhamo-nos
têm saliva nos pescoços e quase olhos abrindo-se n
as garras – não avançam
os predadores
têm sempre medo o medo é a força d
os predadores
rodeia-me aquele odor a carne do espaço vácuo
vêm como coelhos ou ratos saltando pondo
fecundados ovos mamíferos
?reconhecemo-nos
sim
reconhecemo-nos
estamos num campo como árvores opostas divididos
por uma estreita estrada protectora
os predadores
são perfis à espera do seu tempo
e aqui estou
acácia deste lado da estrada
e por não vacilar com o cheiro dos vossos ossos
sei-vos emparedados [à espera do vosso tempo]
rodeia-me a resistência mais quente do espaço livre
os predadores são carne desfeita
sobras de pele – envelhecimento puro
entre as acácias e os predadores
há uma estreita estrada protectora
e os predadores
tremem friamente
vêm como leoas em pé de guerra
os predadores
?olhamo-nos
sim
olhamo-nos
têm saliva nos pescoços e quase olhos abrindo-se n
as garras – não avançam
os predadores
têm sempre medo o medo é a força d
os predadores
rodeia-me aquele odor a carne do espaço vácuo
vêm como coelhos ou ratos saltando pondo
fecundados ovos mamíferos
?reconhecemo-nos
sim
reconhecemo-nos
estamos num campo como árvores opostas divididos
por uma estreita estrada protectora
os predadores
são perfis à espera do seu tempo
e aqui estou
acácia deste lado da estrada
e por não vacilar com o cheiro dos vossos ossos
sei-vos emparedados [à espera do vosso tempo]
rodeia-me a resistência mais quente do espaço livre
os predadores são carne desfeita
sobras de pele – envelhecimento puro
entre as acácias e os predadores
há uma estreita estrada protectora
e os predadores
tremem friamente
LEITURA OBRIGATÓRIA
tratado secreto da paisagem # 17
há um traço verde que cavalga
uma pérola-cabeça
[meu] pára-raios de ar pesado – infecundo
como uma neve ou nave escorrendo
dentro do corpo
do copo
do poço
do desgosto da vida des..........feita
há um traço branco que anda
anéis que penetram dedos
e dedos que como um traço penetram
anéis e envelopes por abrir
segredos incontáveis por nascer
num globo ocular que se desloca
a retina que se afoga no líquido aéreo
do tempo contado do metrónomo
a fotografia na cozinha levitando
tu de óculos escuros e água morna
biscoitos de erva doce e palavras
mãe
metáforas debaixo da língua
palavras por dizer
espaços abertos portas de perfil
a doçura de percorrer grandes desenhos a carvão
palavras escritas (palavras sem orientação)
teclas de piano e o amplexo maternal de
uma noite ainda por encetar
e tudo isto aconteceu a uma hora certa
fomos dois e tossimos
e olhámos a placa-superfície de um rio
que já não existe (?existe)
e ao fundo
um primeiro beijo junto a um barco
discreto ancorado sem gente
gloriosamente pintado – coberto de nós
uma pérola-cabeça
[meu] pára-raios de ar pesado – infecundo
como uma neve ou nave escorrendo
dentro do corpo
do copo
do poço
do desgosto da vida des..........feita
há um traço branco que anda
anéis que penetram dedos
e dedos que como um traço penetram
anéis e envelopes por abrir
segredos incontáveis por nascer
num globo ocular que se desloca
a retina que se afoga no líquido aéreo
do tempo contado do metrónomo
a fotografia na cozinha levitando
tu de óculos escuros e água morna
biscoitos de erva doce e palavras
mãe
metáforas debaixo da língua
palavras por dizer
espaços abertos portas de perfil
a doçura de percorrer grandes desenhos a carvão
palavras escritas (palavras sem orientação)
teclas de piano e o amplexo maternal de
uma noite ainda por encetar
e tudo isto aconteceu a uma hora certa
fomos dois e tossimos
e olhámos a placa-superfície de um rio
que já não existe (?existe)
e ao fundo
um primeiro beijo junto a um barco
discreto ancorado sem gente
gloriosamente pintado – coberto de nós
quarta-feira, setembro 28, 2005
tratado secreto da paisagem # 16
o berço percorre o laço e o laço a rota
que do cais carrega o mastro que abate
a bandeira insurrecta
a única
a vermelha
a que
desde o berço se enlaça
nos ossos filiais dos marinheiros que se despem
mostrando os dentes bancos com que mordem
peixes-amantes-de-poemas
o berço roda mar adentro – e ainda
o laço não se desprendeu já é turbante
na cintura escura de poemas-de-peixe e amantes
o marinheiro é a rota batida
:o cais onde tudo se abriga
no chão
pesado e morto
o mastro
que não se levanta e nele a bandeira -
[a única bandeira]
absorve o húmus do dia
como um cálice o orvalho da missa
o berço chora
que do cais carrega o mastro que abate
a bandeira insurrecta
a única
a vermelha
a que
desde o berço se enlaça
nos ossos filiais dos marinheiros que se despem
mostrando os dentes bancos com que mordem
peixes-amantes-de-poemas
o berço roda mar adentro – e ainda
o laço não se desprendeu já é turbante
na cintura escura de poemas-de-peixe e amantes
o marinheiro é a rota batida
:o cais onde tudo se abriga
no chão
pesado e morto
o mastro
que não se levanta e nele a bandeira -
[a única bandeira]
absorve o húmus do dia
como um cálice o orvalho da missa
o berço chora
terça-feira, setembro 27, 2005
tratado secreto da paisagem # 15
esta lua horizontal este primeiro sol
pesa-me como um tempo sentado
à espera de uma revelação
da aparição de um amor
de uma visão de sargaços trepando pelo mar
desafiando as ondas e o olhar caçador dos pescadores
a lua não é um planeta
nem um lugar - talvez uma igreja
uma igreja não é um lugar
como um planeta não tem olhar
nem esta horizontal luminosidade
pesa-me este tempo
de árvores despóticas
que à minha volta se fecham
em arcadas de pálpebras já pesadas de um sono
inteiro em plena escuridão
olho as mãos
o que delas restou
e
se alguma coisa tem sentido
é saber que esta espera não tem sentido
que não haverá revelação
nem a chegada de um amor em aparição
nem sargaços desafiadores de sal ludibriando
anzóis junto às rochas
olho as mãos
o que delas restou
e sei-me à espera
mas de nada – por isso este peso lunar
é tanto –
sei-me morto
condenado à horizontalidade dos astros
dos anzóis
dos sargaços
pesa-me como um tempo sentado
à espera de uma revelação
da aparição de um amor
de uma visão de sargaços trepando pelo mar
desafiando as ondas e o olhar caçador dos pescadores
a lua não é um planeta
nem um lugar - talvez uma igreja
uma igreja não é um lugar
como um planeta não tem olhar
nem esta horizontal luminosidade
pesa-me este tempo
de árvores despóticas
que à minha volta se fecham
em arcadas de pálpebras já pesadas de um sono
inteiro em plena escuridão
olho as mãos
o que delas restou
e
se alguma coisa tem sentido
é saber que esta espera não tem sentido
que não haverá revelação
nem a chegada de um amor em aparição
nem sargaços desafiadores de sal ludibriando
anzóis junto às rochas
olho as mãos
o que delas restou
e sei-me à espera
mas de nada – por isso este peso lunar
é tanto –
sei-me morto
condenado à horizontalidade dos astros
dos anzóis
dos sargaços
segunda-feira, setembro 26, 2005
tratado secreto da paisagem # 14
as mães [tantas] mães reencontradas
entre os ferozes dentes dos filhos
sem que nada se possa fazer pela boca
sem que elas possam abrir-se entre
os dentes que os filhos fecham
e espetam
dentro delas há moscas
e cálices ardendo depois da eucaristia
os filhos choram [tantas] mães
depois de reencontradas nos dentes
macios de planetas invasores
onde elas gritam
e se transformam em seiva como folhas de chá
dissolvendo-se na orla dos filhos
como um amargo vertical crucifixo
elas abrem as ancas em espasmos de fémur
elas são os ossos que os filhos devoram
depois de uma brutal concepção
onde gritam a dor que provocaram aos filhos
porque todas as mães matam os filhos
e não acreditam na morte que causaram
nem nos gritos de clausura
de placenta
onde transportaram as facas e os dentes
depois de reencontradas na saliva
branca
de um sémen perdido
um leite invasor
onde os filhos gritam [tantas] mães reencontradas
entre os ferozes dentes dos filhos
sem que nada se possa fazer pela boca
sem que elas possam abrir-se entre
os dentes que os filhos fecham
e espetam
dentro delas há moscas
e cálices ardendo depois da eucaristia
os filhos choram [tantas] mães
depois de reencontradas nos dentes
macios de planetas invasores
onde elas gritam
e se transformam em seiva como folhas de chá
dissolvendo-se na orla dos filhos
como um amargo vertical crucifixo
elas abrem as ancas em espasmos de fémur
elas são os ossos que os filhos devoram
depois de uma brutal concepção
onde gritam a dor que provocaram aos filhos
porque todas as mães matam os filhos
e não acreditam na morte que causaram
nem nos gritos de clausura
de placenta
onde transportaram as facas e os dentes
depois de reencontradas na saliva
branca
de um sémen perdido
um leite invasor
onde os filhos gritam [tantas] mães reencontradas
domingo, setembro 25, 2005
tratado secreto da paisagem # 13
um dia [talvez] esta carta te chegue –
talvez às mãos [te] chegue
a mínima palavra solsticial
que agora não entendes
como não entendes os gestos
e os toques
dos relâmpagos cardíacos com que te amo
esta carta
sim
[talvez]
chegue um dia às tuas mãos e por fim
alguma coisa maior faça sentido
nas tuas mãos fechadas
no teu oco sentido esférico de olhar
as cartas não se perdem porque as cartas não
são deste mundo
hão-de entrar-te pelos ossos desatados
estas palavras
vidas que sejam até que a órbita cega
do teu coração preso
se detenha na atrasada compreensão
do amor
talvez às mãos [te] chegue
a mínima palavra solsticial
que agora não entendes
como não entendes os gestos
e os toques
dos relâmpagos cardíacos com que te amo
esta carta
sim
[talvez]
chegue um dia às tuas mãos e por fim
alguma coisa maior faça sentido
nas tuas mãos fechadas
no teu oco sentido esférico de olhar
as cartas não se perdem porque as cartas não
são deste mundo
hão-de entrar-te pelos ossos desatados
estas palavras
vidas que sejam até que a órbita cega
do teu coração preso
se detenha na atrasada compreensão
do amor
sábado, setembro 24, 2005
tratado secreto da paisagem # 12
procuro esquecer os gemidos e o bater
dos pássaros contra os vidros da casa e do mar
sinto os ossos abrirem-se
dividindo-me a cabeça em dois entes distintos
hemisférios paralelos desenhando rosáceas
sob mim
(desenho círculos encantados na areia e na mágica
decrepitude dos movimentos amorosos)
sou na verdade dois
uma separação
um longo corte vertical uma espiral
de peixes voadores afundando-se em alto mar
rodando gemendo
e procuro esquecer os gemidos e o bater
das algas contra o convés do navio e da casa
sinto os ossos abrirem-se
dividindo[-me] o amor em dois entes distintos
hemisférios paralelos rasgando rosáceas
sobre mim
dos pássaros contra os vidros da casa e do mar
sinto os ossos abrirem-se
dividindo-me a cabeça em dois entes distintos
hemisférios paralelos desenhando rosáceas
sob mim
(desenho círculos encantados na areia e na mágica
decrepitude dos movimentos amorosos)
sou na verdade dois
uma separação
um longo corte vertical uma espiral
de peixes voadores afundando-se em alto mar
rodando gemendo
e procuro esquecer os gemidos e o bater
das algas contra o convés do navio e da casa
sinto os ossos abrirem-se
dividindo[-me] o amor em dois entes distintos
hemisférios paralelos rasgando rosáceas
sobre mim
quinta-feira, setembro 22, 2005
tratado secreto da paisagem # 11
a lua traz uma fina capa infantil de noiva
um rosto vão – um anel-de-rosa
inquieta-me
..........esta lua
..........esta refrangente mortalha
as ruas são de dia o que as noites são de noite
e os dias padecem fulminantes
nesta brancura noviciaria nesta espécie de ala
ou álamo este convento anónimo que
que é a solidão de tudo ter um pesado preço
a lua está aqui e o branco manto rendado
que me cobre os ombros
junto a este homem que só será feliz
depois de consumir a boca ofegante deste vestido –
[manto rendado que já nada proíbe nem nada destapa]
inquieta-me
e a lua condena-me
enquanto me coloca o anel-de-rosa
na condição infantil de poema
a lua adora-me e por isso me rodeia
com a sua capa-infância e o seu rosto vão
junto a este homem que só será feliz
depois de tudo despir e nada consumar
deposito as minhas mil vidas
colares
ardores
um rosto vão – um anel-de-rosa
inquieta-me
..........esta lua
..........esta refrangente mortalha
as ruas são de dia o que as noites são de noite
e os dias padecem fulminantes
nesta brancura noviciaria nesta espécie de ala
ou álamo este convento anónimo que
que é a solidão de tudo ter um pesado preço
a lua está aqui e o branco manto rendado
que me cobre os ombros
junto a este homem que só será feliz
depois de consumir a boca ofegante deste vestido –
[manto rendado que já nada proíbe nem nada destapa]
inquieta-me
e a lua condena-me
enquanto me coloca o anel-de-rosa
na condição infantil de poema
a lua adora-me e por isso me rodeia
com a sua capa-infância e o seu rosto vão
junto a este homem que só será feliz
depois de tudo despir e nada consumar
deposito as minhas mil vidas
colares
ardores
quarta-feira, setembro 21, 2005
tratado secreto da paisagem # 10
os beijos são uma invasora tempestade
de gatos trazendo flores que se extasiam – flores
..........que amadas pela água sorvem cabeças
e os gatos respiram pesadamente sobre mim
escorrendo desabando içando olhares
o vento abre-se ao meio
escuro
reflectido num espelho negro
de um mago negro
insurrecto escuro mago que cavalga
os beijos têm princípio e ordem
e regras
e gestação
e na língua um feto que germina –
romãs amargas num lago redondo
os beijos transportam vocábulos ardentes
que escorrem pela garganta
e maravilham dentes
vocábulos que se abrem ao meio
escorrendo desabando içando olhares
..........[florida tempestade de gatos]
os beijos acordam os dedos
(diminuem os dedos) –
..........dígitos ou
cada uma das doze partes em que se divide
o aparente diâmetro da lua
e
d
o
sol
para que se calculem os eclipses
os beijos chegam-ao-fim-de-boca-em-boca
formulando o fim de uma vida
são espinhos
existências masculinas
o momento terminal habitando um pasmado tempo futuro
pesadamente animal
de gatos trazendo flores que se extasiam – flores
..........que amadas pela água sorvem cabeças
e os gatos respiram pesadamente sobre mim
escorrendo desabando içando olhares
o vento abre-se ao meio
escuro
reflectido num espelho negro
de um mago negro
insurrecto escuro mago que cavalga
os beijos têm princípio e ordem
e regras
e gestação
e na língua um feto que germina –
romãs amargas num lago redondo
os beijos transportam vocábulos ardentes
que escorrem pela garganta
e maravilham dentes
vocábulos que se abrem ao meio
escorrendo desabando içando olhares
..........[florida tempestade de gatos]
os beijos acordam os dedos
(diminuem os dedos) –
..........dígitos ou
cada uma das doze partes em que se divide
o aparente diâmetro da lua
e
d
o
sol
para que se calculem os eclipses
os beijos chegam-ao-fim-de-boca-em-boca
formulando o fim de uma vida
são espinhos
existências masculinas
o momento terminal habitando um pasmado tempo futuro
pesadamente animal
terça-feira, setembro 20, 2005
tratado secreto da paisagem # 9
abraçam-se abrem-se como
troncos de azinheira acendendo-se
numa seara soprando o frio pelos olhos
pela pele – mergulhados
e há o rumor da morte à cabeceira
e tudo num campo de amor pode ser
como um azul lápis de desenho – um caderno
onde cada osso é um osso um veleiro
produzindo perfis de caravelas
moscas
e defuntos objectos
numa cama onde o odor da morte se
rumina os mastros aproximam-se
abraçam-se aranhas e as veias das azinheiras
há palavras de sangue
poderosas unhas rasgando o peito
borboletas
minerais
crucifixos
anjos-da-guarda
versos caídos de um céu imenso – planalto
de poemas à procura
abraçam-se e há gemidos
e sémen e saliva e dentes partidos
altas colunas de costas
abrem-se e há frágeis flores
surdamente
troncos de azinheira acendendo-se
numa seara soprando o frio pelos olhos
pela pele – mergulhados
e há o rumor da morte à cabeceira
e tudo num campo de amor pode ser
como um azul lápis de desenho – um caderno
onde cada osso é um osso um veleiro
produzindo perfis de caravelas
moscas
e defuntos objectos
numa cama onde o odor da morte se
rumina os mastros aproximam-se
abraçam-se aranhas e as veias das azinheiras
há palavras de sangue
poderosas unhas rasgando o peito
borboletas
minerais
crucifixos
anjos-da-guarda
versos caídos de um céu imenso – planalto
de poemas à procura
abraçam-se e há gemidos
e sémen e saliva e dentes partidos
altas colunas de costas
abrem-se e há frágeis flores
surdamente
segunda-feira, setembro 19, 2005
LEITURA OBRIGATÓRIA
tratado secreto da paisagem # 8
tantas pequenas rosas resvalando
e ao longe as gruas que içam contentores
e estrelas ainda mais ao longe
e milhares e milhares de corações batendo por
um fio de pequenas rosas resvalando
artérias – pequenos vasos construtores
de matéria i
çando-
-se ao longe
plasma esgotando-
-se na garganta das estrelas
ainda mais ao longe
num suave rio sem cor onde a transparência
dispara
portentosos relâmpagos sobre as casas
tendões e órgãos vitais cessam a respiração
às primeiras gotas de chuva que como poços
de petróleo espalham um negrume espesso
que liga todas as águas e todas as gotas
..........gotas-contentor
..........que içadas por guindastes de fome
,de coração – como pequenas rosas resvaladas
e pérolas de plasma
se esgotam
na garganta brilhante
das estrelas
..........ainda mais ao longe
e ao longe as gruas que içam contentores
e estrelas ainda mais ao longe
e milhares e milhares de corações batendo por
um fio de pequenas rosas resvalando
artérias – pequenos vasos construtores
de matéria i
çando-
-se ao longe
plasma esgotando-
-se na garganta das estrelas
ainda mais ao longe
num suave rio sem cor onde a transparência
dispara
portentosos relâmpagos sobre as casas
tendões e órgãos vitais cessam a respiração
às primeiras gotas de chuva que como poços
de petróleo espalham um negrume espesso
que liga todas as águas e todas as gotas
..........gotas-contentor
..........que içadas por guindastes de fome
,de coração – como pequenas rosas resvaladas
e pérolas de plasma
se esgotam
na garganta brilhante
das estrelas
..........ainda mais ao longe
domingo, setembro 18, 2005
tratado secreto da paisagem # 7
move-se na língua a distinta veia do
ódio – cada vez mais forte – um ódio que levita
como uma agulha que deposita em gotas
um lento escorrer de limão
nas palavras
a boca
a agudeza das coisas infinitas onde o amor não toca
e à minha volta há homens que se chamam júlia
e dentes-de-leão que enfeitam os
seus corpos despidos – quentes como candeias no mar
no sorriso espetam-se cravos e
o mar flutua dentro de ti
para dentro de ti
como um mastro que balouça
num lento escorrer de limão
ácido encontro de metais no fígado
move-se na língua a veia farol do ódio
cada vez mais lento numa retorcida combustão
de espadas e pontos cardeais
em conclave escolhendo marujos
nas palavras
a boca
na agudeza das coisas infindas o amor não toca
ódio – cada vez mais forte – um ódio que levita
como uma agulha que deposita em gotas
um lento escorrer de limão
nas palavras
a boca
a agudeza das coisas infinitas onde o amor não toca
e à minha volta há homens que se chamam júlia
e dentes-de-leão que enfeitam os
seus corpos despidos – quentes como candeias no mar
no sorriso espetam-se cravos e
o mar flutua dentro de ti
para dentro de ti
como um mastro que balouça
num lento escorrer de limão
ácido encontro de metais no fígado
move-se na língua a veia farol do ódio
cada vez mais lento numa retorcida combustão
de espadas e pontos cardeais
em conclave escolhendo marujos
nas palavras
a boca
na agudeza das coisas infindas o amor não toca
sábado, setembro 17, 2005
tratado secreto da paisagem # 6
os filhos ocupam as jarras
como magnólias invasoras num
jardim de acácias
e as rosas morrem desencontradas
das mães que adoravam
os filhos espetam as cabeças
empurram as paredes uterinas d
a jarra deixando transbordar um leite
......a substância branca e niveal
......que contém a mais digital das suas impressões
os filhos torcem as mãos gritando dedos
como magnóias invasoras tudo se torna
numa massa de algodão em forma de nimbo
os filhos crescem e azulam
tomam a forma d
a jarra e jarra aquece
incondicional incomensurável incompassível
os filhos jorram das jarras – rasgam
o orifício por onde
num dia húmido
tinham entrado as rosas
e os caules
os filhos desaguam como magnólias invasoras
sobre a estante entre círios apagados – entre salmos
e sobre a estante
está um olho e o olho é ouro e prata e sol e lua
os filhos irrompem
na construção pétrea do poema que ainda não sabem
das suas pernas
nascerá a nova
pura
imaculada
rosa
e ela crescerá e entrará
neles até lhes chegar às cabeças
como magnólias invasoras num jardim de acácias
como magnólias invasoras num
jardim de acácias
e as rosas morrem desencontradas
das mães que adoravam
os filhos espetam as cabeças
empurram as paredes uterinas d
a jarra deixando transbordar um leite
......a substância branca e niveal
......que contém a mais digital das suas impressões
os filhos torcem as mãos gritando dedos
como magnóias invasoras tudo se torna
numa massa de algodão em forma de nimbo
os filhos crescem e azulam
tomam a forma d
a jarra e jarra aquece
incondicional incomensurável incompassível
os filhos jorram das jarras – rasgam
o orifício por onde
num dia húmido
tinham entrado as rosas
e os caules
os filhos desaguam como magnólias invasoras
sobre a estante entre círios apagados – entre salmos
e sobre a estante
está um olho e o olho é ouro e prata e sol e lua
os filhos irrompem
na construção pétrea do poema que ainda não sabem
das suas pernas
nascerá a nova
pura
imaculada
rosa
e ela crescerá e entrará
neles até lhes chegar às cabeças
como magnólias invasoras num jardim de acácias
sexta-feira, setembro 16, 2005
tratado secreto da paisagem # 5
# 5
!sensei!*
!sensei!
gritava o pássaro com a pata-presa-no-tronco-
-azul-marinho-da-árvore-japonesa
sensei sentado / surdo / não ouvia
sensei não ouvia nem via
sensei era cego e não conseguia mexer a mão direita
!sensei!
!sensei!
extenuado-o-bico-do-pássaro-bicava-na-pata-
-tentando-separá-la-da-perna
sensei sentado / surdo / não ouvia
cego não via – tão-pouco-sentia-a-japonesa-
-árvore-azul-marinho
pacificado sensei deixou cair a cabeça para o lado
sentado-surdo-cego-sensei-de-cabeça-tombada
entrou no imenso nirvana
no topo triangular da japonesa árvore
azul marinho
o pássaro-despegou-com-o-bico-a-pata-
-da-perna-presa-ao-tronco-da-japonesa-árvore-azul-marinho
!sensei!
!sensei!
já era lua quando o pássaro caiu
sentado – pacificado no colo do monge
sensei sacudiu as penas e contemplou
a-japonesa-árvore-azul-marinho-ao-luar
*palavra japonesa, que significa mestre, ou professor,
normalmente usada pelos discípulos do budismo zen,
como forma carinhosa de se dirigirem ao seu mestre
!sensei!*
!sensei!
gritava o pássaro com a pata-presa-no-tronco-
-azul-marinho-da-árvore-japonesa
sensei sentado / surdo / não ouvia
sensei não ouvia nem via
sensei era cego e não conseguia mexer a mão direita
!sensei!
!sensei!
extenuado-o-bico-do-pássaro-bicava-na-pata-
-tentando-separá-la-da-perna
sensei sentado / surdo / não ouvia
cego não via – tão-pouco-sentia-a-japonesa-
-árvore-azul-marinho
pacificado sensei deixou cair a cabeça para o lado
sentado-surdo-cego-sensei-de-cabeça-tombada
entrou no imenso nirvana
no topo triangular da japonesa árvore
azul marinho
o pássaro-despegou-com-o-bico-a-pata-
-da-perna-presa-ao-tronco-da-japonesa-árvore-azul-marinho
!sensei!
!sensei!
já era lua quando o pássaro caiu
sentado – pacificado no colo do monge
sensei sacudiu as penas e contemplou
a-japonesa-árvore-azul-marinho-ao-luar
*palavra japonesa, que significa mestre, ou professor,
normalmente usada pelos discípulos do budismo zen,
como forma carinhosa de se dirigirem ao seu mestre
quinta-feira, setembro 15, 2005
tratado secreto da paisagem # 4
são silenciosas
§
linhas de horizonte movidas por
espasmos sem nexo
seivas reencontradas – no rio
ou no trigo espargido verde
na paisagem que escorrega e há um traço
um grande navio deitado com ar de barco
vozes de um mastro com rosto
na paisagem tudo é insurrecto
são silenciosas como se vivesse
§
dunas e candeias – noites sem cobertor
calor de espíritos acordados
as naves
as sereias
assim se ouvissem violinos
e nas cordas o arco os fecundasse
como um braço amputado antes da escrita
antes do poema –
antes do peixe que recorta
a caligrafia montblanc de um verso
são silenciosas
§
na paisagem como tudo o que é secreto / pasmado
/ codificado nas páginas mestras de um tratado
os tigres avançam
os tigres-signo – os elefantes abertos no corpo dos
pequenos objectos cortantes
na aridez confluente de um dente de buda
num campo deserto junto ao ganges
caminha por mim a cima a memória do peixe em
ebulição de espumas – ?desastres?
?como pode um elefante provocar um desastre?
se um elefante é uma hélice que ama
em perfis de marfim em altas flores sentadas
equilibrando as suas linguagens imensas
na muralha a que chamamos precipício
cordas de violino
o ruído dos camponeses em fuga
afogados e descalços no ganges
perto do deserto
da linha secreta da paisagem secreta
de um dente de buda
estamos em 2005 em lisboa
é setembro / o ganges está gordo de elefantes equilibristas
a uma hora certa
gente corre em passo de enterro
à procura da linha do horizonte que não é mais
que um barco cor de laranja com destino ao barreiro
a paisagem é um segredo
uma sereia
um dente de buda na proa de barco para o barreiro
à hora de ponta
§
linhas de horizonte movidas por
espasmos sem nexo
seivas reencontradas – no rio
ou no trigo espargido verde
na paisagem que escorrega e há um traço
um grande navio deitado com ar de barco
vozes de um mastro com rosto
na paisagem tudo é insurrecto
são silenciosas como se vivesse
§
dunas e candeias – noites sem cobertor
calor de espíritos acordados
as naves
as sereias
assim se ouvissem violinos
e nas cordas o arco os fecundasse
como um braço amputado antes da escrita
antes do poema –
antes do peixe que recorta
a caligrafia montblanc de um verso
são silenciosas
§
na paisagem como tudo o que é secreto / pasmado
/ codificado nas páginas mestras de um tratado
os tigres avançam
os tigres-signo – os elefantes abertos no corpo dos
pequenos objectos cortantes
na aridez confluente de um dente de buda
num campo deserto junto ao ganges
caminha por mim a cima a memória do peixe em
ebulição de espumas – ?desastres?
?como pode um elefante provocar um desastre?
se um elefante é uma hélice que ama
em perfis de marfim em altas flores sentadas
equilibrando as suas linguagens imensas
na muralha a que chamamos precipício
cordas de violino
o ruído dos camponeses em fuga
afogados e descalços no ganges
perto do deserto
da linha secreta da paisagem secreta
de um dente de buda
estamos em 2005 em lisboa
é setembro / o ganges está gordo de elefantes equilibristas
a uma hora certa
gente corre em passo de enterro
à procura da linha do horizonte que não é mais
que um barco cor de laranja com destino ao barreiro
a paisagem é um segredo
uma sereia
um dente de buda na proa de barco para o barreiro
à hora de ponta
quarta-feira, setembro 14, 2005
tratado secreto da paisagem # 3
o filho senta-se diluído
à mesa com o pai como se tudo fosse
possível no aroma das amoras dos garfos e das facas
transcendentes ferramentas que se abrem nas ancas
filiais de onde o parto surge
espelhado nos flancos – semente do ar profundo
e eles vão contemplar no espaço os astros
vêem estrelas de açúcar e têm espasmos
de iluminação já esquecidos os pratos
os guardanapos os restos mortais do incenso
e de um cigarro no escuro
infelizes os que na ceia do senhor
não sabem reconhecer o sinal da ponta ardente
de um cigarro no escuro
o filho dá a mão
a si
próprio
e é ao pai que num amplexo lunar beija o reino
do imenso e musical tempo em que estão juntos
há entre eles uma espécie material de porta
uma entrada física – absolutamente física
e entre os dedos nasce sempre uma rosa
uma rosa-mãe enrolada na
escura almofada da porta – ele é afinal o pai
..........(por «ele» entenderemos filho
..........por «outro» entenderemos pai)
e o outro recebe-o numa amalgama de lágrimas-coração
recebe-o com lágrimas numa amalgama de rosa
só eles
..........(por eles entenderemos um só «paiefilho»
conhecem a dor que emerge da ombreira da porta
..........perfis flamejantes à espera do seu tempo
eles abrem uma fenda num lugar diurno
o gemido mudo de todo o sangue do mundo
o outro é um sopro invertido uma implosão
descontida – uma caixa onde ao espelho
roda uma pequena e sonhada bailarina
frente às estrelas eles vêem as bandeiras
as fontes que jorram nos planetas
:a toalha da mesa os copos os restos de pão
o tacho que ainda contém o olor a açafrão – o arroz
eles são a bailarina e a própria caixa
emergindo de um fundo atlântico de saliva
à mesa com o pai como se tudo fosse
possível no aroma das amoras dos garfos e das facas
transcendentes ferramentas que se abrem nas ancas
filiais de onde o parto surge
espelhado nos flancos – semente do ar profundo
e eles vão contemplar no espaço os astros
vêem estrelas de açúcar e têm espasmos
de iluminação já esquecidos os pratos
os guardanapos os restos mortais do incenso
e de um cigarro no escuro
infelizes os que na ceia do senhor
não sabem reconhecer o sinal da ponta ardente
de um cigarro no escuro
o filho dá a mão
a si
próprio
e é ao pai que num amplexo lunar beija o reino
do imenso e musical tempo em que estão juntos
há entre eles uma espécie material de porta
uma entrada física – absolutamente física
e entre os dedos nasce sempre uma rosa
uma rosa-mãe enrolada na
escura almofada da porta – ele é afinal o pai
..........(por «ele» entenderemos filho
..........por «outro» entenderemos pai)
e o outro recebe-o numa amalgama de lágrimas-coração
recebe-o com lágrimas numa amalgama de rosa
só eles
..........(por eles entenderemos um só «paiefilho»
conhecem a dor que emerge da ombreira da porta
..........perfis flamejantes à espera do seu tempo
eles abrem uma fenda num lugar diurno
o gemido mudo de todo o sangue do mundo
o outro é um sopro invertido uma implosão
descontida – uma caixa onde ao espelho
roda uma pequena e sonhada bailarina
frente às estrelas eles vêem as bandeiras
as fontes que jorram nos planetas
:a toalha da mesa os copos os restos de pão
o tacho que ainda contém o olor a açafrão – o arroz
eles são a bailarina e a própria caixa
emergindo de um fundo atlântico de saliva
tratado secreto da paisagem # 2
uma bruma de vegetais principia a solidão
que se dissolve nas tuas costas
e à minha volta fecham-se os portos
..........enfeitam-se ancorados
..........os navios em fatos domingueiros
não tenho tempo – há tantas flores
e arcos de horizonte – linhas de mar
e uma luz lunar recortada nas vísceras de
um amor que foi só dor túmulo e andor
sou um espaço aberto de tecidos
estranhas costuras – papeis
..........tantos papeis para tratar – dívidas
..........um emprego
..........dinheiro emprestado que jamais poderei pagar
a tua pele descansa-me mas perdi-a
de tanto perder antes do beijo
..........antes do sítio
nossa boca cosida – estranha costura
?terá um de nós morrido?
lembro-me daquele poeta padre que
de tantos versos incompletos tombou
morrendo escrevendo versos
sem sequer se admirar com a perfeição contida em cada estrofe
..........perfeição que só a morte confere
..........a quem poeta
morre com a cabeça batida numa pedra
desenho manchadas sombras vermelhas
num caderno com capa de janeiro
e numero cada página tentando inventar
um sistema de metragem
..........qualquer coisa de digital
dedos que rompam a pele das suas
pontas – como uma chama consome uma imensa vida
a que chamamos vela
que se dissolve nas tuas costas
e à minha volta fecham-se os portos
..........enfeitam-se ancorados
..........os navios em fatos domingueiros
não tenho tempo – há tantas flores
e arcos de horizonte – linhas de mar
e uma luz lunar recortada nas vísceras de
um amor que foi só dor túmulo e andor
sou um espaço aberto de tecidos
estranhas costuras – papeis
..........tantos papeis para tratar – dívidas
..........um emprego
..........dinheiro emprestado que jamais poderei pagar
a tua pele descansa-me mas perdi-a
de tanto perder antes do beijo
..........antes do sítio
nossa boca cosida – estranha costura
?terá um de nós morrido?
lembro-me daquele poeta padre que
de tantos versos incompletos tombou
morrendo escrevendo versos
sem sequer se admirar com a perfeição contida em cada estrofe
..........perfeição que só a morte confere
..........a quem poeta
morre com a cabeça batida numa pedra
desenho manchadas sombras vermelhas
num caderno com capa de janeiro
e numero cada página tentando inventar
um sistema de metragem
..........qualquer coisa de digital
dedos que rompam a pele das suas
pontas – como uma chama consome uma imensa vida
a que chamamos vela
segunda-feira, setembro 12, 2005
tratado secreto da paisagem # 1
até hoje tive a sensação de ter tido um rosto
o meu rosto – agora
pressinto que nem nas fotografias de criança reconheceria
os olhos que um dia
marcaram a margem das minhas pálpebras
o meu eu
deram-me espelhos e louvores animais
..........cantos milagrosos de sacerdotes
vou na rua e reconhecem-me
cumprimentam-me como se o meu eu fosse ainda o
canto brilhante dessas aves penadas
que suaves como um breve e férreo círculo
me tenta convencer do poder curativo de uma luz
mas já não é o eu dos meus olhos o que em mim habita
nem sou a transparência que
contemplou serenas paisagens decoradas
é esta minha voz o que me identifica
espargindo cinzas pela pele
sem acordar sem dormir sem pousar
.......tive tantas memórias – sei o espaço que ocupei
.......forçando as partículas do cosmo
.......que agora o mar devora
mas nada tenho que dizer
..........nem um «te» que acrescente
nada
além de um espelho que reflecte outro ser
sei que se fosse além de ter-
«-te»
nada mais seria que um defunto ausente
o meu rosto – agora
pressinto que nem nas fotografias de criança reconheceria
os olhos que um dia
marcaram a margem das minhas pálpebras
o meu eu
deram-me espelhos e louvores animais
..........cantos milagrosos de sacerdotes
vou na rua e reconhecem-me
cumprimentam-me como se o meu eu fosse ainda o
canto brilhante dessas aves penadas
que suaves como um breve e férreo círculo
me tenta convencer do poder curativo de uma luz
mas já não é o eu dos meus olhos o que em mim habita
nem sou a transparência que
contemplou serenas paisagens decoradas
é esta minha voz o que me identifica
espargindo cinzas pela pele
sem acordar sem dormir sem pousar
.......tive tantas memórias – sei o espaço que ocupei
.......forçando as partículas do cosmo
.......que agora o mar devora
mas nada tenho que dizer
..........nem um «te» que acrescente
nada
além de um espelho que reflecte outro ser
sei que se fosse além de ter-
«-te»
nada mais seria que um defunto ausente
sábado, setembro 10, 2005
não sei se isto é amor # 40
as colunas estão mudas
diz o prumo ao nível que
o repete ao oriente –
a águia não responde batendo com o seu malhete
– levanta a espada que flameja
e degola-se numa vénia desamparada sobre
o livro da lei onde / finalmente / ficam inscritos
caracteres de algum trabalho triangular
?as colunas estão mudas?
!as colunas são mudas! – diz o nível
à pluma
que regista o acontecimento em movimentos
mudos – pelo chão escorre um finíssimo fio de veia
sobre o corpo exangue da águia
é colocada uma dourada mortalha negra
há uns ratos que fogem
um ou outro abutre aproxima-se do cadáver
..........[logo são abatidos pelo punhal
..........do guarda do templo]
rodam os colares e
o nível toma - naturalmente – o malhete
laboriosamente a pluma
escreve
alguém do meio cumpre o seu dever apagando
os círios com a paz dos justos
da abóbada celeste cai um ovo e do ovo
nasce outra águia para aprender
:
– as colunas são mudas
venerável mestre
diz o prumo ao nível que
o repete ao oriente –
a águia não responde batendo com o seu malhete
– levanta a espada que flameja
e degola-se numa vénia desamparada sobre
o livro da lei onde / finalmente / ficam inscritos
caracteres de algum trabalho triangular
?as colunas estão mudas?
!as colunas são mudas! – diz o nível
à pluma
que regista o acontecimento em movimentos
mudos – pelo chão escorre um finíssimo fio de veia
sobre o corpo exangue da águia
é colocada uma dourada mortalha negra
há uns ratos que fogem
um ou outro abutre aproxima-se do cadáver
..........[logo são abatidos pelo punhal
..........do guarda do templo]
rodam os colares e
o nível toma - naturalmente – o malhete
laboriosamente a pluma
escreve
alguém do meio cumpre o seu dever apagando
os círios com a paz dos justos
da abóbada celeste cai um ovo e do ovo
nasce outra águia para aprender
:
– as colunas são mudas
venerável mestre
sexta-feira, setembro 09, 2005
não sei se isto é amor # 39
a aranha tece
..........casa a casa
..........vento que depressa
passa pelas suas patas de fada
uma teia é um momento
quase sólido
quase quente
a aranha tece
..........casa a casa a casa que o vento
..........lhe trespassa
casa a casa o vento tece o movimento da
..........aranha
quase sólido
quase quente
a aranha..........,teia..........,vento
não são nada – tecido de seda
primeiro sólido
depois quente
a aranha tece
tece
casa a casa – trespassada
..........casa a casa
..........vento que depressa
passa pelas suas patas de fada
uma teia é um momento
quase sólido
quase quente
a aranha tece
..........casa a casa a casa que o vento
..........lhe trespassa
casa a casa o vento tece o movimento da
..........aranha
quase sólido
quase quente
a aranha..........,teia..........,vento
não são nada – tecido de seda
primeiro sólido
depois quente
a aranha tece
tece
casa a casa – trespassada
quinta-feira, setembro 08, 2005
não sei se isto é amor # 38
pousado na viga mais alta desta ponte
vejo o sono espargir-se lá em baixo
sobre as casas
sobre crianças a chorar
não sei o nome desta cidade – sei que é uma cidade
ainda não nasci – só tenho memória – alguns cigarros
alguns beijos:
..........fugas de bach
..........,desesperos de satie
,um piano transeunte sob os dedos de uma romã
conheço o fundo do mar – mestre do poema
herberto
fiama
sophia em dias sorte
natália nas canções
al berto nos objectos.....,no corpo a desintegrar-se
aqui – no mais alto pico mirador
cada ser movendo-se lá em baixo
é um medíocre morfema aonde a voz não chega
são os peixes..........,as unhas..........,os dentes
que na sua visibilidade impossível
me revelam a esquecida possibilidade de voar
por baixo há um rio – este rio – o único rio
nem azul...........nem verde..........nem cor
um rio cheio de leões como leões
rugem no seio convulso do meu invertido cérebro
deixo-me cair
aflorando a água – aproximando-me
desse chão de placenta como
uma gaivota que não se contém
..........assim anuncio o osso das minhas asas
negras
descobertas
tão longe da morte
quase
despertas
e não é noite nem é dia nem nada se ilumina
nem nada se escurece
toco na pele seca da cidade aonde
terei de me esconder para assumir a dor
de nada poder ver [cheirar]
não sei o nome desta cidade
e caído tudo já esqueci – neste chão [depois do voo]
não há memória
não há sono – só existência
vejo o sono espargir-se lá em baixo
sobre as casas
sobre crianças a chorar
não sei o nome desta cidade – sei que é uma cidade
ainda não nasci – só tenho memória – alguns cigarros
alguns beijos:
..........fugas de bach
..........,desesperos de satie
,um piano transeunte sob os dedos de uma romã
conheço o fundo do mar – mestre do poema
herberto
fiama
sophia em dias sorte
natália nas canções
al berto nos objectos.....,no corpo a desintegrar-se
aqui – no mais alto pico mirador
cada ser movendo-se lá em baixo
é um medíocre morfema aonde a voz não chega
são os peixes..........,as unhas..........,os dentes
que na sua visibilidade impossível
me revelam a esquecida possibilidade de voar
por baixo há um rio – este rio – o único rio
nem azul...........nem verde..........nem cor
um rio cheio de leões como leões
rugem no seio convulso do meu invertido cérebro
deixo-me cair
aflorando a água – aproximando-me
desse chão de placenta como
uma gaivota que não se contém
..........assim anuncio o osso das minhas asas
negras
descobertas
tão longe da morte
quase
despertas
e não é noite nem é dia nem nada se ilumina
nem nada se escurece
toco na pele seca da cidade aonde
terei de me esconder para assumir a dor
de nada poder ver [cheirar]
não sei o nome desta cidade
e caído tudo já esqueci – neste chão [depois do voo]
não há memória
não há sono – só existência
quarta-feira, setembro 07, 2005
não sei se isto é amor # 37
já não me sinto preso tão cativo estou
aqui onde durmo absorvendo lúcido
...........a extrema unção –
já não sinto a dor nem a ferida aberta
...........em abóbadas de cérebro –
os extremos são tantos
as sombras tão marcadas pela expectativa do sol se pôr
de tanto duvidar começam a nascer-me certezas
..........como calígrafos cogumelos desenhados
..........em cadernos tatuados
assalta-me uma tranquilidade tão profunda
que até a paz me desilude – como é
estranho que este sino despertador toque
[só agora toque]
na cidade onde nasci – este cigarro
que por responsabilidade e até coerência
mantenho aceso...........,como um corpo
que se tem despido ao lado e consumimos
e afinal
,
bem olhado o espelho
,
é o nosso
tantas vezes consumido de um prazer
feroz - corpo despido..........,deitado
sempre
sempre
ao meu lado
carne que beijo
penetro e faço transpirar
...........como calígrafos esboços bestiais
...........,desenho em cadernos especiais
...........a semente do meu rosto
já se passaram tantos anos e nunca a minha face
faltou a um olhar
nunca o espelho foi tanto a falta do meu rosto
e nem uma só uma vez o vi
aqui onde durmo absorvendo lúcido
...........a extrema unção –
já não sinto a dor nem a ferida aberta
...........em abóbadas de cérebro –
os extremos são tantos
as sombras tão marcadas pela expectativa do sol se pôr
de tanto duvidar começam a nascer-me certezas
..........como calígrafos cogumelos desenhados
..........em cadernos tatuados
assalta-me uma tranquilidade tão profunda
que até a paz me desilude – como é
estranho que este sino despertador toque
[só agora toque]
na cidade onde nasci – este cigarro
que por responsabilidade e até coerência
mantenho aceso...........,como um corpo
que se tem despido ao lado e consumimos
e afinal
,
bem olhado o espelho
,
é o nosso
tantas vezes consumido de um prazer
feroz - corpo despido..........,deitado
sempre
sempre
ao meu lado
carne que beijo
penetro e faço transpirar
...........como calígrafos esboços bestiais
...........,desenho em cadernos especiais
...........a semente do meu rosto
já se passaram tantos anos e nunca a minha face
faltou a um olhar
nunca o espelho foi tanto a falta do meu rosto
e nem uma só uma vez o vi
não sei se isto é amor # 36
sou uma partícula à procura de um lago
ou um jardim vermelho por peixes invadido
e o lago existe e o jardim existe – os peixes existem
..........dentro de mim como anzóis
um dia houve uma estrada cúmulo de toda a dor
e um mar que a abarcava – jovem orquídea escondendo-se
da feroz faca da maresia solar de um amor
..........sem mãos......,prazo......,ou coincidências
sou uma partícula consumida pela gratidão
..........sem noite ou sombra
um jardim vermelho onde um
lago em mim se faz jardineiro zelador de lápides e
tardes e trabalhos sem fim – círios
que o ar amava [sem noite ou sombra]
e o peixe ergue-se sobre a terra nesse mar que houve
à volta de uma feroz faca desesperada
..........eu amo-te mais que à própria dor
como os corais amam as límpidas moreias
se é manhã – eu amo o chão como a uma criatura
ou uma partitura..........?poderei
um dia..........,ou
mesmo agora..........,repousar
fechar a porta
,ter um anjo a descer sobre mim
eu procuro um lago – sei que é um lago
esse jardim onde feroz jaz a faca adormecida
e as lápides são
ainda
o espelho anzol do meu reino onde envés de rei
sou apenas um casto rosto jardineiro
ou um jardim vermelho por peixes invadido
e o lago existe e o jardim existe – os peixes existem
..........dentro de mim como anzóis
um dia houve uma estrada cúmulo de toda a dor
e um mar que a abarcava – jovem orquídea escondendo-se
da feroz faca da maresia solar de um amor
..........sem mãos......,prazo......,ou coincidências
sou uma partícula consumida pela gratidão
..........sem noite ou sombra
um jardim vermelho onde um
lago em mim se faz jardineiro zelador de lápides e
tardes e trabalhos sem fim – círios
que o ar amava [sem noite ou sombra]
e o peixe ergue-se sobre a terra nesse mar que houve
à volta de uma feroz faca desesperada
..........eu amo-te mais que à própria dor
como os corais amam as límpidas moreias
se é manhã – eu amo o chão como a uma criatura
ou uma partitura..........?poderei
um dia..........,ou
mesmo agora..........,repousar
fechar a porta
,ter um anjo a descer sobre mim
eu procuro um lago – sei que é um lago
esse jardim onde feroz jaz a faca adormecida
e as lápides são
ainda
o espelho anzol do meu reino onde envés de rei
sou apenas um casto rosto jardineiro
segunda-feira, setembro 05, 2005
não sei se isto é amor # 35
rodie
ouço este preambular coro da dor
e distingo nele a pequena lua –
..........certa espécie de renda
..........ou de leite escorrendo
e em vão ouço-te entre tantas vozes
,sinto-te o hálito..........,as mãos cheias
,o tempo da tua entrada..........:aguda sacrificada
e entretanto a noite corre rente à superfície
era tudo tão perfeito que não pude ter-te
e aquele que tiveste não é já aquele que bebeste
ponho de novo o disco onde estás
sonoramente marcada – e penso em dizer-te
...........(quando te vejo penso sempre em dizer-te)
essa última coisa que entre nós ficou ausente
há uma coisa entre nós
que ficou por confiar-te..........,um segredo
um verdadeiro segredo suspenso
quando te vejo e às vezes vejo-te
penso sempre em escrever-te ao ouvido
essa última palavra que tudo faria iniciar
é em satie que me refugio preso na laudatícia imagem
das tuas mãos abertas..........,sacrificadamente abertas
sobre as teclas de um piano
nunca tive dádiva mais flamejante..........:satie
junto a uma janela com o tejo a adivinhar-se
se te vir – e vou ver-te – e re
ver
-te
vou querer dar-te numa mão esse segredo
..........,e talvez até me beijasses
como agora no canto de vozes maestrinas de indistintos
amores – presos no ânimo –
e não vou dizer-te
encontrei em ti
mais que a perfeição
o próprio profundo fundo da terra
e não pude ter-te e tenho-te – incólume na boca
no coração deste segredo..........,amar-te foi ter
a coragem de perder-te minha asa..........,aguda sacrificada
ouço este preambular coro da dor
e distingo nele a pequena lua –
..........certa espécie de renda
..........ou de leite escorrendo
e em vão ouço-te entre tantas vozes
,sinto-te o hálito..........,as mãos cheias
,o tempo da tua entrada..........:aguda sacrificada
e entretanto a noite corre rente à superfície
era tudo tão perfeito que não pude ter-te
e aquele que tiveste não é já aquele que bebeste
ponho de novo o disco onde estás
sonoramente marcada – e penso em dizer-te
...........(quando te vejo penso sempre em dizer-te)
essa última coisa que entre nós ficou ausente
há uma coisa entre nós
que ficou por confiar-te..........,um segredo
um verdadeiro segredo suspenso
quando te vejo e às vezes vejo-te
penso sempre em escrever-te ao ouvido
essa última palavra que tudo faria iniciar
é em satie que me refugio preso na laudatícia imagem
das tuas mãos abertas..........,sacrificadamente abertas
sobre as teclas de um piano
nunca tive dádiva mais flamejante..........:satie
junto a uma janela com o tejo a adivinhar-se
se te vir – e vou ver-te – e re
ver
-te
vou querer dar-te numa mão esse segredo
..........,e talvez até me beijasses
como agora no canto de vozes maestrinas de indistintos
amores – presos no ânimo –
e não vou dizer-te
encontrei em ti
mais que a perfeição
o próprio profundo fundo da terra
e não pude ter-te e tenho-te – incólume na boca
no coração deste segredo..........,amar-te foi ter
a coragem de perder-te minha asa..........,aguda sacrificada
domingo, setembro 04, 2005
não sei se isto é amor # 34
é domingo chamo-me miguel –
levanto a cabeça e pela janela ouço um mar
do canto
quinto
de uns lusíadas género escolar
..........cantem
..........louvem
e escrevam sempre extremos
desses semideuses
dêem-lhes mais a navegar
ventos soltos lhes finjam e imaginem
dos odres e calipsos
namoradas – no teu seguro porto
aqui
repouso – aqui
doce conforto – nova quietação do pensamento
e vês se atento ouviste
te contei tudo o quanto me pediste
é domingo e estou em évora
levanto a cabeça e os ossos tendem a tombar
os sinos não param
as igrejas crescem crescem crescem
não há mar
quão doce é o louvor e a justa glória
dos próprios feitos quando são soados
..........são francisco meu rio de menino
estás em évora miguel
neste lugar onde até neptuno se poderia cheirar
caso estas gentes com face de soca de madeiro
descessem do cavalo e olhassem minerva
a pacífica primeira oliveira
levanto a cabeça e pela janela ouço um mar
do canto
quinto
de uns lusíadas género escolar
..........cantem
..........louvem
e escrevam sempre extremos
desses semideuses
dêem-lhes mais a navegar
ventos soltos lhes finjam e imaginem
dos odres e calipsos
namoradas – no teu seguro porto
aqui
repouso – aqui
doce conforto – nova quietação do pensamento
e vês se atento ouviste
te contei tudo o quanto me pediste
é domingo e estou em évora
levanto a cabeça e os ossos tendem a tombar
os sinos não param
as igrejas crescem crescem crescem
não há mar
quão doce é o louvor e a justa glória
dos próprios feitos quando são soados
..........são francisco meu rio de menino
estás em évora miguel
neste lugar onde até neptuno se poderia cheirar
caso estas gentes com face de soca de madeiro
descessem do cavalo e olhassem minerva
a pacífica primeira oliveira
sábado, setembro 03, 2005
não sei se isto é amor # 33
tenho a lembrança dos quase cem azuis
que os teus olhos espalhavam em mim
imaginava que todos os olhos eram assim
faiscantes azuis como os teus
um dia tive medo que se fechassem em
cinzento – nesse dia havias de mudar a cor do corpo
e desfazer as tardes de que o nosso amor era feito
..........(quando hoje olho para o meu destro dedo anular
..........e encontro o teu anel de ouro [a tua mais preciosa marca]
– e me lembro da noite em que me consagraste
supremo sacerdote da tua eternidade –
..........pergunto-me se alguma vez terás tido dúvidas
..........sobre as coisas
..........ou se as coisas
..........terão tido dúvidas sobre ti)
vi-te numa pose de morta dentro de um caixão
senti-te neutra debaixo de um lenço de renda
?e isso que prova
?quantas vezes estiveste tu dentro de
um caixão ainda mais caixão que aquele
e todos te chamavam viva
?quantas vezes suspendeste o sopro debaixo do lençol
para não veres nada
para não seres nada
a única coisa que me faz duvidar da tua presença
entre cálices de quase-cem-azuis-olhar
é este meu dedo anular – tu
que terias preferido o eterno
fim do sol a separar-te deste milagroso brasão
vejo-te ainda sentada
naquele trono de onde recebias as pessoas
se morreste ainda não renasceste
porque o teu perfume a vestidos roxos
ainda paira – irremediavelmente louco –
..........à procura
junto à saia púrpura do teu amado jazigo
que os teus olhos espalhavam em mim
imaginava que todos os olhos eram assim
faiscantes azuis como os teus
um dia tive medo que se fechassem em
cinzento – nesse dia havias de mudar a cor do corpo
e desfazer as tardes de que o nosso amor era feito
..........(quando hoje olho para o meu destro dedo anular
..........e encontro o teu anel de ouro [a tua mais preciosa marca]
– e me lembro da noite em que me consagraste
supremo sacerdote da tua eternidade –
..........pergunto-me se alguma vez terás tido dúvidas
..........sobre as coisas
..........ou se as coisas
..........terão tido dúvidas sobre ti)
vi-te numa pose de morta dentro de um caixão
senti-te neutra debaixo de um lenço de renda
?e isso que prova
?quantas vezes estiveste tu dentro de
um caixão ainda mais caixão que aquele
e todos te chamavam viva
?quantas vezes suspendeste o sopro debaixo do lençol
para não veres nada
para não seres nada
a única coisa que me faz duvidar da tua presença
entre cálices de quase-cem-azuis-olhar
é este meu dedo anular – tu
que terias preferido o eterno
fim do sol a separar-te deste milagroso brasão
vejo-te ainda sentada
naquele trono de onde recebias as pessoas
se morreste ainda não renasceste
porque o teu perfume a vestidos roxos
ainda paira – irremediavelmente louco –
..........à procura
junto à saia púrpura do teu amado jazigo
sexta-feira, setembro 02, 2005
não sei se isto é amor # 32
o campo dorme um intenso sono indiligente
nutrida sesta neste prometido princípio de setembro
há deuses por todo o lado
voam as cegonhas – silenciosas – com pudor
não vá um descuidado bater de asas des
entorpecer a seara e acordar a revolta d
as numerosas espigas de trigo
um navio espera com leões no coração
empatado num brilhante canal de uma veneza seca
afluente sorridente de um rio seco – navio ocultando
a sirene e as tripas indecisas dos motores
em todo aquele amarelo não há um só
tripulante do ruído
nem monges
nem lisas raparigas
nem relógios inaugurais de igrejas a nascer
não há sequer uma aura
uma sombra
um ver que possa ver-se com a certeza de se estar a ver
o campo dorme um sono implacável
estar ali é como esperar alguém que não sabemos
[terá morrido ou existido] – alguém
que não sabemos se sequer chegámos a conceber
mas sentado – honrando um encontro que não marquei
fico ali – tão alucinado como se no meio do mar
esperasse numa estação de comboios
um que me levasse às tuas mãos
e me deixasse – uma só
vez
mais
beijar o teu ombro
sentindo aquele cheiro que só tu tens – o teu cheiro a chá
a água morna
e deixar-me cair nas tuas pernas
nutrida sesta neste prometido princípio de setembro
há deuses por todo o lado
voam as cegonhas – silenciosas – com pudor
não vá um descuidado bater de asas des
entorpecer a seara e acordar a revolta d
as numerosas espigas de trigo
um navio espera com leões no coração
empatado num brilhante canal de uma veneza seca
afluente sorridente de um rio seco – navio ocultando
a sirene e as tripas indecisas dos motores
em todo aquele amarelo não há um só
tripulante do ruído
nem monges
nem lisas raparigas
nem relógios inaugurais de igrejas a nascer
não há sequer uma aura
uma sombra
um ver que possa ver-se com a certeza de se estar a ver
o campo dorme um sono implacável
estar ali é como esperar alguém que não sabemos
[terá morrido ou existido] – alguém
que não sabemos se sequer chegámos a conceber
mas sentado – honrando um encontro que não marquei
fico ali – tão alucinado como se no meio do mar
esperasse numa estação de comboios
um que me levasse às tuas mãos
e me deixasse – uma só
vez
mais
beijar o teu ombro
sentindo aquele cheiro que só tu tens – o teu cheiro a chá
a água morna
e deixar-me cair nas tuas pernas
quinta-feira, setembro 01, 2005
não sei se isto é amor # 31
a terra é débil neste país – nem as flores
transfiguram o lar
aqui
o chão concentra-se numa explosão de ladrilhos
é primeiro de setembro – finalmente
agosto ficou nessa ilusão de comboio onde sozinhos
todos nos afogaremos inundados de carris
vendo passar mortos luzentes em fatos de ir à missa
é quase sábado e se setembro tivesse trazido
o cheiro dos círios ou pequenas árvores
que dessem o toque da terra à ponta dos meus dedos
ganharia – talvez – o céu de um lugar
onde pudesse pousar a cabeça
..........mas sou um simples caroço
..........que aos ossos do pescoço se agarra
[com garras de um pequeno tordo]
..........um lacerado casco pensante sem autorização
..........para o descanso ou para a simples interrupção da dor
neste país a terra é tão débil que tenho medo
de a pisar / de plantar –
como ambicionava
um efémero trabalho de jardim*
noutros agostos – quando ainda corriam rios de veias entre
outro e eu
tinha a incumbência de regar as flores de um quintal
e era uma bênção eucarística – uma chuva de neve angélica
eram os agostos de uma pequenina vida
nesta morte de que me alimento
anseio por um poema que possa esquecer
um agosto finalmente ceifador
que com amor me levasse mais que para a terra para a areia
e aí eu pudesse eclodir em forma de acácia flamejante
* título de livro de cristina tavares
transfiguram o lar
aqui
o chão concentra-se numa explosão de ladrilhos
é primeiro de setembro – finalmente
agosto ficou nessa ilusão de comboio onde sozinhos
todos nos afogaremos inundados de carris
vendo passar mortos luzentes em fatos de ir à missa
é quase sábado e se setembro tivesse trazido
o cheiro dos círios ou pequenas árvores
que dessem o toque da terra à ponta dos meus dedos
ganharia – talvez – o céu de um lugar
onde pudesse pousar a cabeça
..........mas sou um simples caroço
..........que aos ossos do pescoço se agarra
[com garras de um pequeno tordo]
..........um lacerado casco pensante sem autorização
..........para o descanso ou para a simples interrupção da dor
neste país a terra é tão débil que tenho medo
de a pisar / de plantar –
como ambicionava
um efémero trabalho de jardim*
noutros agostos – quando ainda corriam rios de veias entre
outro e eu
tinha a incumbência de regar as flores de um quintal
e era uma bênção eucarística – uma chuva de neve angélica
eram os agostos de uma pequenina vida
nesta morte de que me alimento
anseio por um poema que possa esquecer
um agosto finalmente ceifador
que com amor me levasse mais que para a terra para a areia
e aí eu pudesse eclodir em forma de acácia flamejante
* título de livro de cristina tavares