sexta-feira, outubro 31, 2003
Cenas 1, 2 e 3. Lisboa
Cena 1
O homem sai do escritório. Está a chover muito. Muito. E faz vento. Na noite anterior tinha mudado a hora. Chove muito. Muito. Faz vento e como atrasou a hora está muito escuro. O rapaz anda. O passeio escorrega-lhe debaixo dos pés. Anda sobre as águas naquele regresso a casa. Não tem energia para abrir o guarda-chuva. Tenta entrar num café e bebê-lo, ao café inteiro, depressa. Não consegue. Numa esquina perde o norte. Perde-se. Não sabe onde está. São muito simples os maiores tormentos. Os maiores tormentos são muito, muito simples. Ele não sabe onde está. Fica paralizado e quase em pânico. Vê mas não reconhece as coisas. Não olha. Ouve mas não identifica os sons. Não escuta. Encosta-se a um sinal de transito. A suar à chuva. Encharcado sussurra: "Amor, leva-me para casa."
Cena 2
Tem sobre a secretária um folheto. Na capa a fotografia de uma escultura em pedra. Um pelicano ferindo o peito para salvar os seus filhos da fome. É um guia turístico da cidade onde vive. A fotografia saiu dos seus olhos, há muitos anos, anos demais. Hoje encontrou um desses folhetos dentro de um livro e chorou. Évora tão longe. Sangrando do peito da ave.
Cena 3
OS MANEQUINS DE MUNIQUE - Sylvia Plath
(Lisboa vista pelas janelas de um sotão do Atheneu Comercial de Lisboa)
A perfeição é terrivel, não pode ter filhos.
Fria como a respiração da neve, põe um tampão no útero
Onde os teixos sopram como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida.
A libertar as suas luas, mês após mês, sem nenhum objectivo.
O fluxo do sangue é o fluxo do amor,
O sacrifício absoluto.
Quer dizer não há¡ outro ídolo senão eu,
Eu e tu.
Assim, no seu sulfuroso encanto, nos meus sorrisos
Estes manequins dormitam esta noite
Em munique, a morge que fica entre Paris e Roma,
Nus e carecas nos seus casacos de peles,
Chupa-chupas de laranja em pauzinhos de prata
Intoleráveis, ocas cabeças.
A neve deixa cair os seus bocados de escuridão,
Não se vê ninguém. Nos hoteis
Mãos estarão a pôr os sapatos
À porta dos quartos para que os engraxem com carbono
Neles hão-de amanhã entrar enormes pés.
Ó a domesticidade destas montras,
As rendas de bébé, as folhas verdes de açúcar,
Alemães toscos a passar pelo sono metidos nos seus stolz largos
E os telefones pretos no descanso
A brilhar
A brilhar e digerir
Emudecidos. A neve não tem voz.
O homem sai do escritório. Está a chover muito. Muito. E faz vento. Na noite anterior tinha mudado a hora. Chove muito. Muito. Faz vento e como atrasou a hora está muito escuro. O rapaz anda. O passeio escorrega-lhe debaixo dos pés. Anda sobre as águas naquele regresso a casa. Não tem energia para abrir o guarda-chuva. Tenta entrar num café e bebê-lo, ao café inteiro, depressa. Não consegue. Numa esquina perde o norte. Perde-se. Não sabe onde está. São muito simples os maiores tormentos. Os maiores tormentos são muito, muito simples. Ele não sabe onde está. Fica paralizado e quase em pânico. Vê mas não reconhece as coisas. Não olha. Ouve mas não identifica os sons. Não escuta. Encosta-se a um sinal de transito. A suar à chuva. Encharcado sussurra: "Amor, leva-me para casa."
Cena 2
Tem sobre a secretária um folheto. Na capa a fotografia de uma escultura em pedra. Um pelicano ferindo o peito para salvar os seus filhos da fome. É um guia turístico da cidade onde vive. A fotografia saiu dos seus olhos, há muitos anos, anos demais. Hoje encontrou um desses folhetos dentro de um livro e chorou. Évora tão longe. Sangrando do peito da ave.
Cena 3
OS MANEQUINS DE MUNIQUE - Sylvia Plath
(Lisboa vista pelas janelas de um sotão do Atheneu Comercial de Lisboa)
A perfeição é terrivel, não pode ter filhos.
Fria como a respiração da neve, põe um tampão no útero
Onde os teixos sopram como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida.
A libertar as suas luas, mês após mês, sem nenhum objectivo.
O fluxo do sangue é o fluxo do amor,
O sacrifício absoluto.
Quer dizer não há¡ outro ídolo senão eu,
Eu e tu.
Assim, no seu sulfuroso encanto, nos meus sorrisos
Estes manequins dormitam esta noite
Em munique, a morge que fica entre Paris e Roma,
Nus e carecas nos seus casacos de peles,
Chupa-chupas de laranja em pauzinhos de prata
Intoleráveis, ocas cabeças.
A neve deixa cair os seus bocados de escuridão,
Não se vê ninguém. Nos hoteis
Mãos estarão a pôr os sapatos
À porta dos quartos para que os engraxem com carbono
Neles hão-de amanhã entrar enormes pés.
Ó a domesticidade destas montras,
As rendas de bébé, as folhas verdes de açúcar,
Alemães toscos a passar pelo sono metidos nos seus stolz largos
E os telefones pretos no descanso
A brilhar
A brilhar e digerir
Emudecidos. A neve não tem voz.
Sylvia
"Duas raparigas
Tão esvaziadas como ela, a murmurar «somos tuas filhas».
As quietas águas
Selam-me os lábios,
Olhos, o nariz e os ouvidos,
Celofane
Transparente que não posso rasgar.
De costas nuas
Sorrio, como um buda, todo eu
Necessidades e desejo
Saindo de mim como anéis
Que abraçam o próprio brilho.
A carpela
Da magnólia,
Inebriada pelos seus odores,
Não pede nada à vida"
Sylvia Plath
Tão esvaziadas como ela, a murmurar «somos tuas filhas».
As quietas águas
Selam-me os lábios,
Olhos, o nariz e os ouvidos,
Celofane
Transparente que não posso rasgar.
De costas nuas
Sorrio, como um buda, todo eu
Necessidades e desejo
Saindo de mim como anéis
Que abraçam o próprio brilho.
A carpela
Da magnólia,
Inebriada pelos seus odores,
Não pede nada à vida"
Sylvia Plath
segunda-feira, outubro 27, 2003
"Responder-te-ei se perguntares" - Ainda sobre a construção do Templo do Coração
Da Carta do Preste João das Índias:
"Responder-te-ei se perguntares,
porque são as colunas agudas como agulhas? É evidente que a causa é que se fossem tão grossas em cima com em baixo, o pavimento e todo o palácio não seria tão esplendorosamente iluminado pelos carbúncunlos [Rubi muito brilhante].
Do mesmo modo, te responderei, caso me perguntes se existe aí claridade
É tão grande aí a claridade, que nada de tão pequeno e insignificante pode ser imaginado que, estando sobre o pavimento, não pudesse ser claramente enxergado. Nenhuma janela ou abertura aí existe para que a claridade dos carbúnculos e das outras pedras não possa, de modo algum, ser obnubilada [obnubilação: sintoma caracterizado por deslumbramentos ou por ofuscações] pela claridade do sereníssimo céu e do sol.
Há apenas uma porta de puríssimo e lúcido cristal circundada de fulvo ouro, virada a oriente, cuja altura É de trinta côvados a qual, quando Nossa Sublimidade vem ao palácio abre e fecha sozinha, não lhe tocando ninguém. Mas quando outrem entra, são os porteiros que a abrem e fecham. Por vezes, entramos nesse palácio para beber da fonte, quando estamos nessa cidade em que está implantada esse palácio, chamada Briebric. Mas, quando viajamos a cavalo mandamos transportar connosco, para onde quer que vamos, da água dessa fonte, e todos os dias em jejum a provamos três vezes, tal como foi preceituado da visão de meu pai.
No dia do nosso nascimento e sempre que somos coroados, entramos nesse palácio e enquanto pernecermos no seu interior, e se podemos aí comer, depois, ao partir, estamos tão saciados, como se tivéssemos ficados repletos de todo o género de alimentos."
Epistola Presbiter Iohannes
"Responder-te-ei se perguntares,
porque são as colunas agudas como agulhas? É evidente que a causa é que se fossem tão grossas em cima com em baixo, o pavimento e todo o palácio não seria tão esplendorosamente iluminado pelos carbúncunlos [Rubi muito brilhante].
Do mesmo modo, te responderei, caso me perguntes se existe aí claridade
É tão grande aí a claridade, que nada de tão pequeno e insignificante pode ser imaginado que, estando sobre o pavimento, não pudesse ser claramente enxergado. Nenhuma janela ou abertura aí existe para que a claridade dos carbúnculos e das outras pedras não possa, de modo algum, ser obnubilada [obnubilação: sintoma caracterizado por deslumbramentos ou por ofuscações] pela claridade do sereníssimo céu e do sol.
Há apenas uma porta de puríssimo e lúcido cristal circundada de fulvo ouro, virada a oriente, cuja altura É de trinta côvados a qual, quando Nossa Sublimidade vem ao palácio abre e fecha sozinha, não lhe tocando ninguém. Mas quando outrem entra, são os porteiros que a abrem e fecham. Por vezes, entramos nesse palácio para beber da fonte, quando estamos nessa cidade em que está implantada esse palácio, chamada Briebric. Mas, quando viajamos a cavalo mandamos transportar connosco, para onde quer que vamos, da água dessa fonte, e todos os dias em jejum a provamos três vezes, tal como foi preceituado da visão de meu pai.
No dia do nosso nascimento e sempre que somos coroados, entramos nesse palácio e enquanto pernecermos no seu interior, e se podemos aí comer, depois, ao partir, estamos tão saciados, como se tivéssemos ficados repletos de todo o género de alimentos."
Epistola Presbiter Iohannes
domingo, outubro 26, 2003
A LUA AGORA
O HOMEM DE HUS
"Entre tripés que abrem e fecham sem causa aparente, um homem tenta dominar a situação, num verdadeiro esforço de Job. Mas que ligação há entre este inábil homem e a paciência da personagem bíblica?
Ele é afinal um ser que resiste e não se entrega, alguém prestes a explodir de cólera...só que a sua ira torna-se risível, pois a sua luta com os objectos atinge o absurdo. A sua falta de jeito é quase metafísica - "um homem que se debate e nos mostra toda a maldade do mundo numa enorme gragalhada" - território para uma mescla de artes de circo, malabarismo e acrobacia, que arrebatou para Camille Boitel as atenções gerais do público e da crítica."
Depois do espectáculo em Évora no Teatro Garcia de Resende, dia 19 de Outubro, no âmbito do Festival "Percursos", a Companhia La Mère Boitel | França, estará em Viseu. Ver Programa do Festival.
Ele é afinal um ser que resiste e não se entrega, alguém prestes a explodir de cólera...só que a sua ira torna-se risível, pois a sua luta com os objectos atinge o absurdo. A sua falta de jeito é quase metafísica - "um homem que se debate e nos mostra toda a maldade do mundo numa enorme gragalhada" - território para uma mescla de artes de circo, malabarismo e acrobacia, que arrebatou para Camille Boitel as atenções gerais do público e da crítica."
Depois do espectáculo em Évora no Teatro Garcia de Resende, dia 19 de Outubro, no âmbito do Festival "Percursos", a Companhia La Mère Boitel | França, estará em Viseu. Ver Programa do Festival.
sábado, outubro 25, 2003
Uma fonte debaixo da chuva
"Não chorem insectos
Mesmo as estrelas que se amam
Têm que se separar
...
Chuva de verão -
Nu a cavalo
Num cavalo nu
Oh ganso selvagem
Com que idade fizeste
A primeira viagem?"
Mestre Issa Kobayashi
O céu de Évora, tão escuro e triste. Tanta beleza num só céu. A chuva, o frio, o vento sem direcção. Que sol nos protegerá?
As ruas escorrem, os seres escorrem. Um cão bondoso tem na cabeça a cicatriz de uma queimadura, protege-se debaixo das arcadas, já não do fogo mas da água.
Como se torma insignificante uma fonte debaixo de tanta chuva.
Esperam-se peixes nos cafés. Esperam-se relâmpagos e explosões de céu. Espera-se o mar no deserto.
Mesmo as estrelas que se amam
Têm que se separar
...
Chuva de verão -
Nu a cavalo
Num cavalo nu
Oh ganso selvagem
Com que idade fizeste
A primeira viagem?"
Mestre Issa Kobayashi
O céu de Évora, tão escuro e triste. Tanta beleza num só céu. A chuva, o frio, o vento sem direcção. Que sol nos protegerá?
As ruas escorrem, os seres escorrem. Um cão bondoso tem na cabeça a cicatriz de uma queimadura, protege-se debaixo das arcadas, já não do fogo mas da água.
Como se torma insignificante uma fonte debaixo de tanta chuva.
Esperam-se peixes nos cafés. Esperam-se relâmpagos e explosões de céu. Espera-se o mar no deserto.
sexta-feira, outubro 24, 2003
A NOVELA DOS 25 MIL CONTOS!
Ao contrário do que nos foi dito, a Câmara Municipal de Évora tem dinheiro disponível para investir na "cultura". Apesar de dizerem que não há orçamento para publicações, para exposições, para espectáculos, que, que, que... Não é verdade. Afinal havia outro...orçamemento!
A Câmara Municipal de Évora ofereceu, a uma produtora privada de televisão, 25 mil contos como quota de participação na realização de uma telenovela. Em troca, Évora é cenário da pessegada.
Conclusão, para a CME, é mais importante financiar uma novela que criar um programa de apoio a edições ou um programa de apoio a exposições ou a espectáculos.
Com esta atitude, a Câmara Municipal, afirma preferir que não se editem livros (mesmo que fundamentais para a memória e para a identidade cultural do concelho), preferir que não se façam exposições ou espectáculos. Para essas actividades o orçamento acabou, mas opta por dar dinheiro às novelas da TVI.
Pois para além de se envergonharem, os responsáveis por esta enormidade, deviam, pelo menos, explicar-se aos cidadãos, pedir desculpa, reconhecer a figura triste que fazem com estas "opções culturais" e emendar os erros. Ainda que tarde, mais sério seria arrependerem-se.
A Câmara Municipal de Évora ofereceu, a uma produtora privada de televisão, 25 mil contos como quota de participação na realização de uma telenovela. Em troca, Évora é cenário da pessegada.
Conclusão, para a CME, é mais importante financiar uma novela que criar um programa de apoio a edições ou um programa de apoio a exposições ou a espectáculos.
Com esta atitude, a Câmara Municipal, afirma preferir que não se editem livros (mesmo que fundamentais para a memória e para a identidade cultural do concelho), preferir que não se façam exposições ou espectáculos. Para essas actividades o orçamento acabou, mas opta por dar dinheiro às novelas da TVI.
Pois para além de se envergonharem, os responsáveis por esta enormidade, deviam, pelo menos, explicar-se aos cidadãos, pedir desculpa, reconhecer a figura triste que fazem com estas "opções culturais" e emendar os erros. Ainda que tarde, mais sério seria arrependerem-se.
terça-feira, outubro 21, 2003
Mocidade Portuguesa na Base Naval do Alfeite
A mocidade portuguesa foi chamada a reunir-se na base naval de Lisboa. E lá foi o gado assistir àquilo a que a sagrada tropa chama de "exposição estática". Quer dizer, a recriação de cenas beligerantes. Ali estavam , "snipers" (?) "anti-snipers" (é a dialética!), "G36" vejam só, lança granadas, (má) nada, e cães e granadas e carros de combate e vestimentas camufladas.
O momento alto do dia, já depois de comido o rancho, foi a aparição animada dos verdadeiros "action-man" de Portugal, os fuzileiros (marines é palavra certa), vestidos para combate, empunhando armas e equipamanetos anti-bala. Arrepiante, arrepiante!
Os macebos ainda ajoelharam o espírito à babugem da bandeira. Chegaram mesmo a ficar verdes e encarnados de emoção ouvindo o hino, essa gloriosa ode de incentivo à marcha contra canhões.
Estes rapazes ainda terão tomates. Terão, terão. Depois deste dia já se adivinham Homens. No Iraque.
A esperança resnasce! Coragem Lusitanos! Há sempre um pai a olhar por nós.
O momento alto do dia, já depois de comido o rancho, foi a aparição animada dos verdadeiros "action-man" de Portugal, os fuzileiros (marines é palavra certa), vestidos para combate, empunhando armas e equipamanetos anti-bala. Arrepiante, arrepiante!
Os macebos ainda ajoelharam o espírito à babugem da bandeira. Chegaram mesmo a ficar verdes e encarnados de emoção ouvindo o hino, essa gloriosa ode de incentivo à marcha contra canhões.
Estes rapazes ainda terão tomates. Terão, terão. Depois deste dia já se adivinham Homens. No Iraque.
A esperança resnasce! Coragem Lusitanos! Há sempre um pai a olhar por nós.
segunda-feira, outubro 20, 2003
A história simples
É uma história simples.
É a história de duas mulheres desesperadas, perdidas no meio de uma cidade que as ignora.
Uma mãe e uma filha.
A mãe deve ter uns sessenta e tal anos.
A filha uns trinta e tal.
Ambas estão muito envelhecidas. Se calhar são ambas mais novas do que aparentam.
Cena1
Chove intensamente na cidade de Évora. Sentada numa cadeira de praia, no meio de uma rotunda à hora de maior transito, a mãe, faz tricot. Imperturbável, como se não chovesse, como se ela e o tricot não estivessem completamente empapados. São umas cinco da tarde.
Cena 2
A filha dorme, tapada por um cobertor de quadrados castanhos e pretos, à porta do tribunal. Tem o rosto tão pintado que se diria ter gasto um estojo de pintura na maquilhagem. São umas duas da manhã.
Cena 3
Mãe e filha passeiam de braço dado pelas ruas da cidade gritando com todas as suas forças. Dizem que lhes estão destruindo a casa com um buraco. Esta cena repete-se todos os dias ao fim da tarde.
Cena 4
A mãe dorme tapada por um cobertor azul deitada no mármore de uma fonte. Ao mesmo tempo, na mesma praça, o público ri com um espectáculo de teatro de rua. São umas cinco e meia da tarde.
Cena 5
Mãe e filha, cada vez que atravessam uma rua gritam aos carros gritos de horror, como se estivessem prestes a ser atropeladas. São quase horas de almoço.
Cheguei a ver a filha com uma filha bebé nos braços. A filha bebé, a neta bebé, desapareceu sem deixar rasto.
Ficaram só as duas no mundo.
Gritam ao pôr do sol contra a destruição de uma casa por um buraco.
São sós. As duas. No mundo.
É tudo.
É a história de duas mulheres desesperadas, perdidas no meio de uma cidade que as ignora.
Uma mãe e uma filha.
A mãe deve ter uns sessenta e tal anos.
A filha uns trinta e tal.
Ambas estão muito envelhecidas. Se calhar são ambas mais novas do que aparentam.
Cena1
Chove intensamente na cidade de Évora. Sentada numa cadeira de praia, no meio de uma rotunda à hora de maior transito, a mãe, faz tricot. Imperturbável, como se não chovesse, como se ela e o tricot não estivessem completamente empapados. São umas cinco da tarde.
Cena 2
A filha dorme, tapada por um cobertor de quadrados castanhos e pretos, à porta do tribunal. Tem o rosto tão pintado que se diria ter gasto um estojo de pintura na maquilhagem. São umas duas da manhã.
Cena 3
Mãe e filha passeiam de braço dado pelas ruas da cidade gritando com todas as suas forças. Dizem que lhes estão destruindo a casa com um buraco. Esta cena repete-se todos os dias ao fim da tarde.
Cena 4
A mãe dorme tapada por um cobertor azul deitada no mármore de uma fonte. Ao mesmo tempo, na mesma praça, o público ri com um espectáculo de teatro de rua. São umas cinco e meia da tarde.
Cena 5
Mãe e filha, cada vez que atravessam uma rua gritam aos carros gritos de horror, como se estivessem prestes a ser atropeladas. São quase horas de almoço.
Cheguei a ver a filha com uma filha bebé nos braços. A filha bebé, a neta bebé, desapareceu sem deixar rasto.
Ficaram só as duas no mundo.
Gritam ao pôr do sol contra a destruição de uma casa por um buraco.
São sós. As duas. No mundo.
É tudo.
sábado, outubro 18, 2003
O MAÇON OPERATIVO DO SEC. XXI
Há um homem, numa pequena cidade dormitório, em Espanha, que há 40 anos constrói, pedra a pedra e absolutamente sozinho, uma catedral. Ele próprio afirma ter estudado a fundo a técnica dos construtores de catedrais da idade média e dos maçons do antigo Egipto.
Com a licença de Deus e sem nenhuma das entidades estatais, este homem simples e de aparência pobre, deu tudo o que tinha e o que não tinha para, dia após dia, poder continuar a sua catedral, sonhando um dia ver o fechar da flecha,
Admite-se que já tenha sido encontrada a “pedra-de-toque” que sustentará o edifício. Admite-se que aquela estranha estrutura possua de facto um segredo espiritual guardado sob o véu dos símbolos arquitectónicos. Admite-se que tudo não passe de loucura.
Que é loucura, não há dúvida. Que o edifício é um desafio à anormalidade da nossa normalidade, não há dúvida. Que esta catedral é um grito de Liberdade e Fraternidade, de dádiva, entrega e amor, não há dúvida. Ainda por cima é um homem igual a nós este pedreiro livre, que vai talhando a sua pedra ao sabor dos dias calmos de quem “ora et labora”. Não é arquitecto, mas trabalha à glória de uma arquitectura universal. Não é um deus, mas glorifica o trabalho como forma de aperfeiçoamento espiritual e moral.. É apenas um obreiro. Nada mais e lhe pode chamar. É um simples operário. É um operário!
Quando morrer não deve ser beatificado como Gaudi. Não se beatificam operários, maçons anónimos, apenas protegidos pelo esquadro e pelo compasso. Ainda bem.
A sua catedral não será classificada pela UNESCO. Não tem a marca menor do poder de estado. Ainda bem.
Será uma catedral erguida ao trabalho e ao sonho da edificação de um mundo de rigor e medida. Será pois património da humanidade. Símbolo do seu progresso.
Com a licença de Deus e sem nenhuma das entidades estatais, este homem simples e de aparência pobre, deu tudo o que tinha e o que não tinha para, dia após dia, poder continuar a sua catedral, sonhando um dia ver o fechar da flecha,
Admite-se que já tenha sido encontrada a “pedra-de-toque” que sustentará o edifício. Admite-se que aquela estranha estrutura possua de facto um segredo espiritual guardado sob o véu dos símbolos arquitectónicos. Admite-se que tudo não passe de loucura.
Que é loucura, não há dúvida. Que o edifício é um desafio à anormalidade da nossa normalidade, não há dúvida. Que esta catedral é um grito de Liberdade e Fraternidade, de dádiva, entrega e amor, não há dúvida. Ainda por cima é um homem igual a nós este pedreiro livre, que vai talhando a sua pedra ao sabor dos dias calmos de quem “ora et labora”. Não é arquitecto, mas trabalha à glória de uma arquitectura universal. Não é um deus, mas glorifica o trabalho como forma de aperfeiçoamento espiritual e moral.. É apenas um obreiro. Nada mais e lhe pode chamar. É um simples operário. É um operário!
Quando morrer não deve ser beatificado como Gaudi. Não se beatificam operários, maçons anónimos, apenas protegidos pelo esquadro e pelo compasso. Ainda bem.
A sua catedral não será classificada pela UNESCO. Não tem a marca menor do poder de estado. Ainda bem.
Será uma catedral erguida ao trabalho e ao sonho da edificação de um mundo de rigor e medida. Será pois património da humanidade. Símbolo do seu progresso.
sexta-feira, outubro 17, 2003
Fórum "Saudades de Antero"
Agora pode deixar o seu contacto ou deixar mensagens e cometários no Forum do Blog.
Está convidado.
Está convidado.
Do Povo, a profecia
"Depois de uma batalha tão grande que as águas hão-de correr tintas de sangue, a guerra se acabará para sempre junto a Évora - Cidade. À sombra duma palmeira que lá existe, os sobrevivos de banda a banda comerão um novilho em sinal de pazes. Tão poucos eles serão, que a vitela há-de chegar e sobrar."
Sylvia Plath
"Irei contar e sepultar os mortos.
Que as suas almas se enruguem com o orvalho,
Incenso no meu trilho.
As carruagens balançam, são como berços.
E eu saio desta pele
Destas faixas velhas, aborrecimentos, rostos do passado
E caminho para ti, à saída do carro negro de Letes,
Pura como uma criança."
Que as suas almas se enruguem com o orvalho,
Incenso no meu trilho.
As carruagens balançam, são como berços.
E eu saio desta pele
Destas faixas velhas, aborrecimentos, rostos do passado
E caminho para ti, à saída do carro negro de Letes,
Pura como uma criança."
quinta-feira, outubro 16, 2003
DO DESASSOSEGO - COMUNA, CARLOS PAULO, JOÃO MOTA E A MORTE
"Do Desassossego" é um espectáculo de uma lucidez arrepiante. Cheira-se, respira-se e transpira-se a morte. Não uma morte qualquer, mas uma espécie de vida às arrecuas, uma viagem do caixão para ao útero. A morte de ter nascido.
A Comuna (o meu coração chegou a ter a sua forma) foi sempre a companhia da lucidez. Os seus espectáculos não são para deslumbrar, para seduzir, são o espectáculo da nossa mortalidade, o espelho da nossa existência efémera. Por isso esta adaptação feita pelo Carlos Paulo dos textos de Bernardo Soares, encenada por João Mota, é uma espécie de síntese desdes 30 anos de Teatro de Pesquisa. Se observarmos este "Do Desassossego", encontraremos nele imagens de "Marat", de "A Mãe" e de tantos, tantos outros momentos de negro e de luz da Comuna. É até fácil ver no palco a silhueta da Manuela de Freitas, do Abel Neves, do Mário Viegas, do Pedro Caiado, Francisco Pestana, Melim Teixeira, de Carlos Wallenstein, de José Mário Branco - a expressão musical da Comuna. Lá estão todos neste Desassosego, neste Carlos Paulo regressando ao útero.
E citando uma das últimas frases escritas de Beckett: "E agora, que palavra será?"
A Comuna (o meu coração chegou a ter a sua forma) foi sempre a companhia da lucidez. Os seus espectáculos não são para deslumbrar, para seduzir, são o espectáculo da nossa mortalidade, o espelho da nossa existência efémera. Por isso esta adaptação feita pelo Carlos Paulo dos textos de Bernardo Soares, encenada por João Mota, é uma espécie de síntese desdes 30 anos de Teatro de Pesquisa. Se observarmos este "Do Desassossego", encontraremos nele imagens de "Marat", de "A Mãe" e de tantos, tantos outros momentos de negro e de luz da Comuna. É até fácil ver no palco a silhueta da Manuela de Freitas, do Abel Neves, do Mário Viegas, do Pedro Caiado, Francisco Pestana, Melim Teixeira, de Carlos Wallenstein, de José Mário Branco - a expressão musical da Comuna. Lá estão todos neste Desassosego, neste Carlos Paulo regressando ao útero.
E citando uma das últimas frases escritas de Beckett: "E agora, que palavra será?"
quarta-feira, outubro 15, 2003
LISBOA, CHUVA E LUZ DOURADA
Luz dourada. Céu azul cobalto. Nuvens negro de chumbo. Chuva. Eis Lisboa inteira e bela, centro de um mundo de sonhos, saudade e tristeza. Lisboa imensa, Lisboa de mar, mar, mar, mar. Lisboa refúgio.
segunda-feira, outubro 13, 2003
TEATRO DE VOLTA A ÉVORA
Com o início dos "Percursos", o teatro volta a Évora. Sábado, com o espectáculo "Duelo", apresentado no "Palacio dos Contos" - Palácio de D.Manuel, a companhia Belga TOF THÉÂTRE, apresentou um espectáculo delicoso, rigoroso, participado, belo, onde as crianças, não só são respeitadas na sua inteligência, como são desafiadas a sonhar, a rir, a aprender a amar.
Dramaturgia, cenografia, encenação: Caroline Bergeron
Interpretação: Ana Leonor Barata, Thierry Boivin, Olivier Caudron, Sofia Campos.
É assim que o T.T. resume o seu espectáculo: "Duelo é a história de uma doce batalha entre raparigas e Barbies. Onde os sonhos se debatem com a realidade e o texto com a vida...
Aqui haverá duas noites por dia e três sonhos por noite, mas um só rapaz para duas raparigas.
Um espectáculo de teatro sem palavras, comovente e divertido para os pré-adolescentes."
E foi isso que me apaixonou, poder durante aqueles 80 minutos sentir-me pré-adolescente. Melhor, apaixonou-me poder, durante aqueles 80 minutos, SER pré-adolescente.
Dramaturgia, cenografia, encenação: Caroline Bergeron
Interpretação: Ana Leonor Barata, Thierry Boivin, Olivier Caudron, Sofia Campos.
É assim que o T.T. resume o seu espectáculo: "Duelo é a história de uma doce batalha entre raparigas e Barbies. Onde os sonhos se debatem com a realidade e o texto com a vida...
Aqui haverá duas noites por dia e três sonhos por noite, mas um só rapaz para duas raparigas.
Um espectáculo de teatro sem palavras, comovente e divertido para os pré-adolescentes."
E foi isso que me apaixonou, poder durante aqueles 80 minutos sentir-me pré-adolescente. Melhor, apaixonou-me poder, durante aqueles 80 minutos, SER pré-adolescente.
sábado, outubro 11, 2003
BLOCO DE ESQUERDA - PORTAS AGAIN AND AGAIN
Pronto, deu-se.
O Miguel Portas é outra vez candidato pelo BE às Europeias.
Já tinha sido candidato ao Parlamento Europeu (ao Para Lamento Europeu); duas vezes ao Parlamento de Portugal (ao Para Lamento de Portugal) e até á Câmara Municipal de Lisboa.
Ou é por vontade de deus, como diz o fado da outra, ou é galo ou ou os eleitores não querem mesmo eleger aquele bacano para lado nenhum. É que das quatro vezes anteriores o homem não foi eleito.
Devo dizer que o que aqui me trás não é o próprio Miguel Portas, que conheço desde a minha infância e reconheço como um homem integro e sincero, disposto a arriscar o couro e o cabelo pelas coisas de que é convicto. Isto, claro está, dentro dos limites impostos à integridade e à sinceridade e até mesmo à convição, pela maneira de usar a política nos dias que correm. São os limites dos jogos, das estratégias e pior, das coisas pessoais.
Realmente o que aqui me trás é a constatação daquilo em que se tornou - como se esperava - o Bloco: Uma colecção de cromos que lentamente vai esgotando a sua diversidade, virando o disco para tocar o mesmo. Quem vê caras...
Aos poucos a direcção do BE matou as suas estruturas regionais, condicionou as seus quadros, tomou opções sem respeito pelas opiniões. Enfim foi gerindo as caras de meia duzia de pessoas conhecidas dos media, apoiando-se na capacidade política e interventiva de ainda menos Bloquistas, sobre tudo abrigou-se na pessoa e na qualidade pessoal do Francisco Louçã.
Durante muitos anos fui militante do PSR, membro do seu Comité Central, dirigente da estrutura regional do mesmo em Évora e fundador do Bloco de Esquerda. Acabei por me afastar, não por não me reconhecer no projecto político a que se haviam proposto essas estruturas, mas por pura e simplesmente não haver espaço de militância dentro delas. Tornaram-se estruturas de administração de candidaturas e de apoio parlamentar. Veja-se por exemplo o vazio da participação Bloquista neste distrito de Évora. Nunca tal se tinha passado nestes últimos 15 anos. Mas isto não interessa nada à direcção do Bloco, que hoje se sentará à volta de uma mesa para aprovar o que já está aprovado, a candidatura do Miguel Portas ao Parlamento Europeu.
A partir de agora toca-se a corneta para a reunião do rebanho e toca a agenciar debates e encontros e números de propaganda com o Portas, ou, se for preciso para encher auditórios, lá irá o Francisco.
A política segue dentro de momentos, mas seguramente noutro lado.
O Miguel Portas é outra vez candidato pelo BE às Europeias.
Já tinha sido candidato ao Parlamento Europeu (ao Para Lamento Europeu); duas vezes ao Parlamento de Portugal (ao Para Lamento de Portugal) e até á Câmara Municipal de Lisboa.
Ou é por vontade de deus, como diz o fado da outra, ou é galo ou ou os eleitores não querem mesmo eleger aquele bacano para lado nenhum. É que das quatro vezes anteriores o homem não foi eleito.
Devo dizer que o que aqui me trás não é o próprio Miguel Portas, que conheço desde a minha infância e reconheço como um homem integro e sincero, disposto a arriscar o couro e o cabelo pelas coisas de que é convicto. Isto, claro está, dentro dos limites impostos à integridade e à sinceridade e até mesmo à convição, pela maneira de usar a política nos dias que correm. São os limites dos jogos, das estratégias e pior, das coisas pessoais.
Realmente o que aqui me trás é a constatação daquilo em que se tornou - como se esperava - o Bloco: Uma colecção de cromos que lentamente vai esgotando a sua diversidade, virando o disco para tocar o mesmo. Quem vê caras...
Aos poucos a direcção do BE matou as suas estruturas regionais, condicionou as seus quadros, tomou opções sem respeito pelas opiniões. Enfim foi gerindo as caras de meia duzia de pessoas conhecidas dos media, apoiando-se na capacidade política e interventiva de ainda menos Bloquistas, sobre tudo abrigou-se na pessoa e na qualidade pessoal do Francisco Louçã.
Durante muitos anos fui militante do PSR, membro do seu Comité Central, dirigente da estrutura regional do mesmo em Évora e fundador do Bloco de Esquerda. Acabei por me afastar, não por não me reconhecer no projecto político a que se haviam proposto essas estruturas, mas por pura e simplesmente não haver espaço de militância dentro delas. Tornaram-se estruturas de administração de candidaturas e de apoio parlamentar. Veja-se por exemplo o vazio da participação Bloquista neste distrito de Évora. Nunca tal se tinha passado nestes últimos 15 anos. Mas isto não interessa nada à direcção do Bloco, que hoje se sentará à volta de uma mesa para aprovar o que já está aprovado, a candidatura do Miguel Portas ao Parlamento Europeu.
A partir de agora toca-se a corneta para a reunião do rebanho e toca a agenciar debates e encontros e números de propaganda com o Portas, ou, se for preciso para encher auditórios, lá irá o Francisco.
A política segue dentro de momentos, mas seguramente noutro lado.
ORQUESTRA METROPOLITANA E C.M.E.
Tendo em conta a participação da Câmara Municipal de Évora como promotor regional da AMEC, associção que alberga a Orquestra Metropolitana de Lisboa; tendo em conta os elevados investimentos municipais neste projecto, que até agora serviu com extrema qualidade a cidade e o concelho e tendo em conta os recentes acontecimentos que envolvem os promotores nacionais e o maestro Miguel Graça Moura, é da maior impotância que a autarquia se dirija aos cidadãos para explicar os factos.
Veja aqui últimas notícias sobre o assunto - Jornal "Público"
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sexta-feira, outubro 10, 2003
Palácio dos Contos e Percursos
Este fim de semana inicia-se em Évora a terceira edição do "Palácio dos Contos", uma iniciativa do PiM-Teatro, que este ano integra o Laboratório Internacional das artes do espectáculo, "Percursos", organizado pelo Centro Cultural de Belém. Sobre estas duas iniciativas, que este ano trabalham em cooperação, aqui vos deixo alguns textos.
ONDE COMEÇAM ELES, OS CONTOS?
Oferece-se o mundo todo, redondo, liso e azul. Oferece-se uma viagem para o outro lado.
Onde começam eles, os contos?
Nas palavras dos meninos do Convento Novo, no abecedário fantástico do que inventam ou descobrem?
Oferece-se esse outro mundo - quase todo - também redondo, pouco liso e de muitas cores.
A arte influencia o modo como se aprende e como se interpreta o quotidiano. Este Palácio Fantástico ajuda-nos a dar imagens e sons ao imaginável. Leva-nos a descobrir a inteligência criativa que só está adormecida em nós. Inquietamente adormecida.
É que as nossas pálpebras têm, mesmo, o tamanho do mundo
CRISTINA TAVARES
PERCURSOS
Évora é uma cidade antiquíssima e belíssima, certamente mais ou menos secreta, impressa em cada uma das suas pedras, dos seus vãos de escada, das suas açoteias viradas ao céu.
Percursos é um Festival/Laboratório de dimensão europeia, no domínio das artes do espectáculo para um Público Jovem e que se quer encontrar com Évora de uma maneira muito própria.
Durante nove dias Évora será habitada por sereias que trazem o mar ao Alentejo; muçulmanos que contam e cantam memórias antigas; poemas um pouco trágicos, música com bigodes, um povo que chega ao Polo Norte e traz consigo pinguins que são anjos; artifícios não para o fogo, mas para contar, criar e escrever histórias: um museu do tempo, bestas em carros de bois, um restaurante que é um teatro e cujo texto é a comida, fazedores de música, espectáculos para um só espectador e sob marcação...
Procurou-se na arquitectura física, histórica e social de Évora, espaços que todos usam, como a Praça do Giraldo, o Jardim Público, o Café Arcada; casas quase escondidas como a Casa dos Bonecos, a Sociedade Harmonia Eborense e pessoas particulares / intelectuais, crianças, professores, artistas, adolescentes, trabalhadores dos campos.
Com eles arquitectou-se um programa em que as ARTES flutuam entre as muralhas e a respiração da cidade, de forma mágica e quente num abraço entre artistas estrageiros, portugueses e de Évora.
Évora e Percursos serão um território só, unindo-os a beleza, a frescura com que se pode olhar as coisas antigas de novo e a dimensão humana deste projecto e desta fantástica cidade.
Percursos foi imaginado para as pessoas, todas as pessoas de Évora: pequenas, crescidas, adolescentes, idosas. O público Jovem já não é uma idade, mas uma disponibilidade que se tem perante as coisas da vida, a vida das coisas, as cidades e as artes. Espectáculos de sala de rua, acontecimentos inesperados, oficinas de Artes e concertos, esperam por si, pela sua família, os seus alunos, a sua tia e o seu padrinho. As artes ajudam a crescer, a ver melhor, a sorrir.
Percursos é uma ideia do Centro Cultural de Belém em estrita colaboração com a Câmara Municipal de Évora e co-financiado pela União Europeia (POC).
As companhias de teatro de Évora que connosco trabalham neste projecto são o Centro Dramático de Évora /Teatro Garcia de Resende e o PiM - Teatro.
Não Falte. Acompanhe-nos neste Percursos que preparámos para si, para os seus, para Évora, neste Outono.
Madalena Vitorino
Giacomo Scalisi
PALÁCIO DOS CONTOS E CONVENTO NOVO
Da vontade de conhecer as crianças e o seu universo fantástico, nasceu o encontro PIM - crianças do Convento Novo. Com elas vivemos uma aventura criativa que durou dois anos lectivos e que agora culmina no Palácio dos Contos 2003.
É então verdade que artistas, crianças e professores, podem trabalhar juntos num sistema simbiótico equilibrado, espantoso... de arrepiar!
Foram meses de trabalho árduo mas produtivo e enriquecedor. Artistas e crianças foram companheiros, alternadamente mestre/aluno, criadores/ouvintes atentos, «agora tu, amanhã eu».
- Nós mostramos-te o nosso teatro, contamos-te quem somos e o que fazemos e tu contas-nos as tuas histórias. Nós ajudamos-te a descobrir novas linguagens para expressares as tuas ideias e os teus desejos e tu desenhas personagens, inventas tramas e dramas, que iremos transformar em espectáculos.
Ficámos amigos e voltámos no ano seguinte com um novo desafio:
- E se construíssemos um teatro, um espaço cénico para brincar ao faz de conta.?
- Um? Não! Vamos construir 2, 3, 4... doze caixas – maquetas - e inventaremos tudo o que pôr lá dentro!
Escutámos música, deitámo-nos e sonhámos com lugares fantásticos, improvisámos – habitámos esses ambientes dramáticos, inventámos personagens, padrões de cor, texturas, cheiros, tribos, espaços, ... planetas e tudo! Num ritmo alucinante, numa vontade incontrolável de tornar palpável aquilo que se sonhou, que só a surpresa do contacto e das reacções dos materiais podia refrear.
Agora somos nós quem, com as mesmas tesouras, pincéis, cola, arames, tecidos e objectos bonitos, recria esses mesmos espaços, reinventando-os em escala grande para, a um ritmo também alucinante, habitar o Palácio com fabulosas Conferências Fantásticas.
Esta foi a aventura criativa mais marcante da história do PIM teatro, nunca mais seremos os mesmos, atingimos agora um maravilhoso equilíbrio na nossa relação com o público, conhecemo-nos mais profundamente, criámos pontes que nos aproximam, inventámos linguagens que nos permitem trocar saberes, emoções, brincar e viajar juntos.
E agora, artistas e público, confiamos que por mais louca que seja, a viagem vai mesmo valer a pena!
CONFERÊNCIAS FANTÁSTICAS
Encontros com personagens que te contam segredos, que te colocam desafios e te levam a experimentar fazer coisas do teatro, enquanto percorres cenários que são para tocar e cheirar.
Espectáculos intimistas, para 3 dezenas de espectadores de cada vez.
Sem palco nem cadeiras.
Criadores de espectáculos experimentámo-nos professores de teatro, fomos às escolas: ensinar, encenar, desafiar crianças a criar momentos dramáticos - estas Conferências Fantásticas são o tributo às crianças que nos têm ensinado.
Teatro didáctico ou teatro de arte?
Será que a experiência estética das crianças passa pela expressão criativa?
Como fazer um espectáculo que não é a penas um objecto estético mas que funciona activa e inequivocamente como espaço de educação artística?
O trabalho com as crianças do Convento Novo voltou a levar-nos para fora dos nossos trilhos.
PiM
organização - pim teatro:
Alexandra Espiridião
Beliza Sousa
Bruno Cintra
João Sérgio Palma
Pedro Espada
Realização plástica
e comunicação visual:
Frederico Mira George
Secretariado:
Vitória Valverde
Colaboradores:
Andreia Lopes, Ana Luzia Cavaco, Cláudio Pereira, Eduardo Frazão, Inês Carvalho, Marta Castro, Mateus Brás, Paula Pão Alvo, Paula Rodrigues, Sónia Enes, Tânia Calinas, Tomé Caldeira.
Contactos:
Estrada das Piscinas, Antiga Escola do Alto
de S. Bento - 7000 Évora - Telef. 266 744 403
www.pimteatro.pt
ONDE COMEÇAM ELES, OS CONTOS?
Oferece-se o mundo todo, redondo, liso e azul. Oferece-se uma viagem para o outro lado.
Onde começam eles, os contos?
Nas palavras dos meninos do Convento Novo, no abecedário fantástico do que inventam ou descobrem?
Oferece-se esse outro mundo - quase todo - também redondo, pouco liso e de muitas cores.
A arte influencia o modo como se aprende e como se interpreta o quotidiano. Este Palácio Fantástico ajuda-nos a dar imagens e sons ao imaginável. Leva-nos a descobrir a inteligência criativa que só está adormecida em nós. Inquietamente adormecida.
É que as nossas pálpebras têm, mesmo, o tamanho do mundo
CRISTINA TAVARES
PERCURSOS
Évora é uma cidade antiquíssima e belíssima, certamente mais ou menos secreta, impressa em cada uma das suas pedras, dos seus vãos de escada, das suas açoteias viradas ao céu.
Percursos é um Festival/Laboratório de dimensão europeia, no domínio das artes do espectáculo para um Público Jovem e que se quer encontrar com Évora de uma maneira muito própria.
Durante nove dias Évora será habitada por sereias que trazem o mar ao Alentejo; muçulmanos que contam e cantam memórias antigas; poemas um pouco trágicos, música com bigodes, um povo que chega ao Polo Norte e traz consigo pinguins que são anjos; artifícios não para o fogo, mas para contar, criar e escrever histórias: um museu do tempo, bestas em carros de bois, um restaurante que é um teatro e cujo texto é a comida, fazedores de música, espectáculos para um só espectador e sob marcação...
Procurou-se na arquitectura física, histórica e social de Évora, espaços que todos usam, como a Praça do Giraldo, o Jardim Público, o Café Arcada; casas quase escondidas como a Casa dos Bonecos, a Sociedade Harmonia Eborense e pessoas particulares / intelectuais, crianças, professores, artistas, adolescentes, trabalhadores dos campos.
Com eles arquitectou-se um programa em que as ARTES flutuam entre as muralhas e a respiração da cidade, de forma mágica e quente num abraço entre artistas estrageiros, portugueses e de Évora.
Évora e Percursos serão um território só, unindo-os a beleza, a frescura com que se pode olhar as coisas antigas de novo e a dimensão humana deste projecto e desta fantástica cidade.
Percursos foi imaginado para as pessoas, todas as pessoas de Évora: pequenas, crescidas, adolescentes, idosas. O público Jovem já não é uma idade, mas uma disponibilidade que se tem perante as coisas da vida, a vida das coisas, as cidades e as artes. Espectáculos de sala de rua, acontecimentos inesperados, oficinas de Artes e concertos, esperam por si, pela sua família, os seus alunos, a sua tia e o seu padrinho. As artes ajudam a crescer, a ver melhor, a sorrir.
Percursos é uma ideia do Centro Cultural de Belém em estrita colaboração com a Câmara Municipal de Évora e co-financiado pela União Europeia (POC).
As companhias de teatro de Évora que connosco trabalham neste projecto são o Centro Dramático de Évora /Teatro Garcia de Resende e o PiM - Teatro.
Não Falte. Acompanhe-nos neste Percursos que preparámos para si, para os seus, para Évora, neste Outono.
Madalena Vitorino
Giacomo Scalisi
PALÁCIO DOS CONTOS E CONVENTO NOVO
Da vontade de conhecer as crianças e o seu universo fantástico, nasceu o encontro PIM - crianças do Convento Novo. Com elas vivemos uma aventura criativa que durou dois anos lectivos e que agora culmina no Palácio dos Contos 2003.
É então verdade que artistas, crianças e professores, podem trabalhar juntos num sistema simbiótico equilibrado, espantoso... de arrepiar!
Foram meses de trabalho árduo mas produtivo e enriquecedor. Artistas e crianças foram companheiros, alternadamente mestre/aluno, criadores/ouvintes atentos, «agora tu, amanhã eu».
- Nós mostramos-te o nosso teatro, contamos-te quem somos e o que fazemos e tu contas-nos as tuas histórias. Nós ajudamos-te a descobrir novas linguagens para expressares as tuas ideias e os teus desejos e tu desenhas personagens, inventas tramas e dramas, que iremos transformar em espectáculos.
Ficámos amigos e voltámos no ano seguinte com um novo desafio:
- E se construíssemos um teatro, um espaço cénico para brincar ao faz de conta.?
- Um? Não! Vamos construir 2, 3, 4... doze caixas – maquetas - e inventaremos tudo o que pôr lá dentro!
Escutámos música, deitámo-nos e sonhámos com lugares fantásticos, improvisámos – habitámos esses ambientes dramáticos, inventámos personagens, padrões de cor, texturas, cheiros, tribos, espaços, ... planetas e tudo! Num ritmo alucinante, numa vontade incontrolável de tornar palpável aquilo que se sonhou, que só a surpresa do contacto e das reacções dos materiais podia refrear.
Agora somos nós quem, com as mesmas tesouras, pincéis, cola, arames, tecidos e objectos bonitos, recria esses mesmos espaços, reinventando-os em escala grande para, a um ritmo também alucinante, habitar o Palácio com fabulosas Conferências Fantásticas.
Esta foi a aventura criativa mais marcante da história do PIM teatro, nunca mais seremos os mesmos, atingimos agora um maravilhoso equilíbrio na nossa relação com o público, conhecemo-nos mais profundamente, criámos pontes que nos aproximam, inventámos linguagens que nos permitem trocar saberes, emoções, brincar e viajar juntos.
E agora, artistas e público, confiamos que por mais louca que seja, a viagem vai mesmo valer a pena!
CONFERÊNCIAS FANTÁSTICAS
Encontros com personagens que te contam segredos, que te colocam desafios e te levam a experimentar fazer coisas do teatro, enquanto percorres cenários que são para tocar e cheirar.
Espectáculos intimistas, para 3 dezenas de espectadores de cada vez.
Sem palco nem cadeiras.
Criadores de espectáculos experimentámo-nos professores de teatro, fomos às escolas: ensinar, encenar, desafiar crianças a criar momentos dramáticos - estas Conferências Fantásticas são o tributo às crianças que nos têm ensinado.
Teatro didáctico ou teatro de arte?
Será que a experiência estética das crianças passa pela expressão criativa?
Como fazer um espectáculo que não é a penas um objecto estético mas que funciona activa e inequivocamente como espaço de educação artística?
O trabalho com as crianças do Convento Novo voltou a levar-nos para fora dos nossos trilhos.
PiM
organização - pim teatro:
Alexandra Espiridião
Beliza Sousa
Bruno Cintra
João Sérgio Palma
Pedro Espada
Realização plástica
e comunicação visual:
Frederico Mira George
Secretariado:
Vitória Valverde
Colaboradores:
Andreia Lopes, Ana Luzia Cavaco, Cláudio Pereira, Eduardo Frazão, Inês Carvalho, Marta Castro, Mateus Brás, Paula Pão Alvo, Paula Rodrigues, Sónia Enes, Tânia Calinas, Tomé Caldeira.
Contactos:
Estrada das Piscinas, Antiga Escola do Alto
de S. Bento - 7000 Évora - Telef. 266 744 403
www.pimteatro.pt
Amalgama-Companhia de dança de Mafra
Há uns dias escrevi neste Blog um texto sobre o trabalho da Companhia de Damça de Mafra - Amalgama.
Uma amiga tinha-me enviado um CD com música original produzida pela Amalgama. Eu, por lapso, pensei que o conteúdo do CD dizia respeito a este novo espectáculo, o que não é verdade.
Pelo facto peço desculpa.
Uma amiga tinha-me enviado um CD com música original produzida pela Amalgama. Eu, por lapso, pensei que o conteúdo do CD dizia respeito a este novo espectáculo, o que não é verdade.
Pelo facto peço desculpa.
quinta-feira, outubro 09, 2003
Site Saudades de Antero
Dentro de dias estará concluído o site SAUDADES DE ANTERO!
segunda-feira, outubro 06, 2003
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ÉVORA
Apoio da CME à produção de uma telenovela da TVI
Espalhou-se a notícia de que a Câmara Municipal de Évora vai apoiar, com uma avultada soma de dinheiro, a produção de uma telenovela da TVI: VINTE E CINCO MIL CONTOS. Repito, VINTE E CINCO MIL CONTOS!
Meu Caro José Ernesto,
Em nome da amizade que tenho por si, pela consideração pessoal que sempre me mereceu e reconhecendo o seu dedicado esforço de trabalho em prol da cidade de Évora, peço-lhe que esclareça de forma pública e inequívoca, se esta noticia é verdadeira ou não.
Algo me faz temer que possa ser verdadeira. Se for, não se trata apenas de uma má notícia, mas de um escândalo, de um atentado à dignidade de todos os que lutam diariamente pelo enriquecimento cultural deste concelho.
Por outro lado, não consigo acreditar que o meu amigo permitisse tal afronta, cedendo de maneira tão grosseira à política dos interesses e dos populismos.
Meu caro José Ernesto,
Há tanto por fazer. Esta cidade sofre de tantas faltas básicas, estamos ainda tão longe das mais elementares condições de trabalho que a confirmar-se este desastre, se estará a abdicar da cultura em beneficio de mais um Big-Brother telenovelistico financiado com dinheiros públicos.
Talvez venha aí a resposta que é verdade o apoio da Câmara, mas que os números não são estes, que é muito menos dinheiro, etc., etc. A afronta não será menor. Cada tostão , cada apoio, por mínimo que seja, desta autarquia, é precioso, em todos os sectores. Não é aceitável que saia dos nossos bolsos um cêntimo que seja para pagar a máquina da estupidificação made in Venezuela que é o subproduto televisivo das telenovelas enlatadas.
Lembro-lhe, uma e outra vez, que 29 anos depois do 25 de Abril, Évora não tem uma biblioteca municipal, uma galeria de arte municipal. Lembro-lhe, uma e outra vez, que Évora não têm novas salas de espectáculo, que o Teatro Garcia de Resende, por falta de coragem política e, penso eu, por falta de dinheiro, continua paralisado, recluso de uma administração incompetente e retrógrada. Lembro-lhe, uma e outra vez, das dificuldades com que os agentes culturais se debatem diariamente. Sem dinheiro, sem equipamentos, alguns mesmo sem nada.
Não, não creio que o meu amigo pactuasse com tamanha enormidade. Por isso lhe peço que comunique a todos os cidadãos que tudo isto não passa de um boato mal intencionado, de um rumor, de um golpe baixo inventado por mentes sem escrúpulos.
Se assim não for, todos teremos o dever da indignação, o dever de reforçar o combate justo pela dignidade da nossa identidade cultural.
Seu amigo
Frederico Mira George
Espalhou-se a notícia de que a Câmara Municipal de Évora vai apoiar, com uma avultada soma de dinheiro, a produção de uma telenovela da TVI: VINTE E CINCO MIL CONTOS. Repito, VINTE E CINCO MIL CONTOS!
Meu Caro José Ernesto,
Em nome da amizade que tenho por si, pela consideração pessoal que sempre me mereceu e reconhecendo o seu dedicado esforço de trabalho em prol da cidade de Évora, peço-lhe que esclareça de forma pública e inequívoca, se esta noticia é verdadeira ou não.
Algo me faz temer que possa ser verdadeira. Se for, não se trata apenas de uma má notícia, mas de um escândalo, de um atentado à dignidade de todos os que lutam diariamente pelo enriquecimento cultural deste concelho.
Por outro lado, não consigo acreditar que o meu amigo permitisse tal afronta, cedendo de maneira tão grosseira à política dos interesses e dos populismos.
Meu caro José Ernesto,
Há tanto por fazer. Esta cidade sofre de tantas faltas básicas, estamos ainda tão longe das mais elementares condições de trabalho que a confirmar-se este desastre, se estará a abdicar da cultura em beneficio de mais um Big-Brother telenovelistico financiado com dinheiros públicos.
Talvez venha aí a resposta que é verdade o apoio da Câmara, mas que os números não são estes, que é muito menos dinheiro, etc., etc. A afronta não será menor. Cada tostão , cada apoio, por mínimo que seja, desta autarquia, é precioso, em todos os sectores. Não é aceitável que saia dos nossos bolsos um cêntimo que seja para pagar a máquina da estupidificação made in Venezuela que é o subproduto televisivo das telenovelas enlatadas.
Lembro-lhe, uma e outra vez, que 29 anos depois do 25 de Abril, Évora não tem uma biblioteca municipal, uma galeria de arte municipal. Lembro-lhe, uma e outra vez, que Évora não têm novas salas de espectáculo, que o Teatro Garcia de Resende, por falta de coragem política e, penso eu, por falta de dinheiro, continua paralisado, recluso de uma administração incompetente e retrógrada. Lembro-lhe, uma e outra vez, das dificuldades com que os agentes culturais se debatem diariamente. Sem dinheiro, sem equipamentos, alguns mesmo sem nada.
Não, não creio que o meu amigo pactuasse com tamanha enormidade. Por isso lhe peço que comunique a todos os cidadãos que tudo isto não passa de um boato mal intencionado, de um rumor, de um golpe baixo inventado por mentes sem escrúpulos.
Se assim não for, todos teremos o dever da indignação, o dever de reforçar o combate justo pela dignidade da nossa identidade cultural.
Seu amigo
Frederico Mira George
sábado, outubro 04, 2003
OS ARTISTAS E O REGRESSO AO ZERO
Regressar à estaca zero, todos os dias, especialmente quando a burocracia toma conta do tempo e do espaço da criatividade, é a única saída possível para que não se tornem, os artistas, servidores fieis de projectos e relatórios e concursos, enfim, para não se tornarem os “mangas de alpaca” do terreno estéril do funcionarismo cultural.
Saber começar do zero é o antídoto seguro contra este terrível destino a que, paulatinamente, nos vamos entregando, embevecidos connosco próprios, com as carreiras, com os dinheiros, com o passado, com os reconhecimentos, com os estatutos, com tudo menos com aquilo que deveria ser o motor das nossas vidas: usar a ferramenta de intervenção que dispomos, a arte, para ajudar a construir o edifício de inteligência, sensibilidade, beleza e verdade, que é uma nova humanidade, livre, equanime, e fraterna.
Não é fácil esta permanente revolução na forma de agir e pensar. A demissão é sempre mais cómoda. Todos os dias vamos abdicando um centímetro das nossas convicções e centímetro a centímetro vamos ficando reduzidos à mediocridade das respostas fáceis, à mediocridade de não fazer perguntas.
Voltar à estaca zero é todos os dias morrer para o que se fez.
Morrer para o “valor” que arrogantes atribuímos ao que fizemos.
Morrer para as projecções do que gloriosos iremos fazer no futuro.
Morrer para o sucesso projectado nas secretárias de todos os escritórios mentais, cheios de livros de deve e haver, cheios de iras armazenadas prontas a fulminar o primeiro ser que tomamos por ameaça.
Morrer todos os dias é afinal a única forma de viver sem nos sentirmos permanentemente ameaçados, inseguros e secos.
Morrer todos os dias e todos os dias nascer é afinal o campo fértil da criação artística.
Regressar à estaca zero, todos os dias, especialmente quando a burocracia toma conta do tempo e do espaço da criatividade, é a única saída possível para que não se tornem, os artistas, servidores fieis de projectos e relatórios e concursos, enfim, para não se tornarem os “mangas de alpaca” do terreno estéril do funcionarismo cultural.
Saber começar do zero é o antídoto seguro contra este terrível destino a que, paulatinamente, nos vamos entregando, embevecidos connosco próprios, com as carreiras, com os dinheiros, com o passado, com os reconhecimentos, com os estatutos, com tudo menos com aquilo que deveria ser o motor das nossas vidas: usar a ferramenta de intervenção que dispomos, a arte, para ajudar a construir o edifício de inteligência, sensibilidade, beleza e verdade, que é uma nova humanidade, livre, equanime, e fraterna.
Não é fácil esta permanente revolução na forma de agir e pensar. A demissão é sempre mais cómoda. Todos os dias vamos abdicando um centímetro das nossas convicções e centímetro a centímetro vamos ficando reduzidos à mediocridade das respostas fáceis, à mediocridade de não fazer perguntas.
Voltar à estaca zero é todos os dias morrer para o que se fez.
Morrer para o “valor” que arrogantes atribuímos ao que fizemos.
Morrer para as projecções do que gloriosos iremos fazer no futuro.
Morrer para o sucesso projectado nas secretárias de todos os escritórios mentais, cheios de livros de deve e haver, cheios de iras armazenadas prontas a fulminar o primeiro ser que tomamos por ameaça.
Morrer todos os dias é afinal a única forma de viver sem nos sentirmos permanentemente ameaçados, inseguros e secos.
Morrer todos os dias e todos os dias nascer é afinal o campo fértil da criação artística.
SOFIA AREAL - PINTURA -TEATRO TABORDA
Circuitos fechados. Fios telefónicos. Linhas cruzadas. Eis o espaço sideral no risco de uma cor, no plano, na fuga.
Sofia Areal, no Teatro. Pinturas à beira do abismo.
Circuitos fechados. Fios telefónicos. Linhas cruzadas. Eis o espaço sideral no risco de uma cor, no plano, na fuga.
Sofia Areal, no Teatro. Pinturas à beira do abismo.
sexta-feira, outubro 03, 2003
FAZER TEATRO, VER TEATRO...
“A FESTA” – Tá Safo/Artistas Unidos, Teatro Taborda , Lisboa - II
"Muitas vezes escrevo aquilo que não queria que acontecesse na realidade. Não quero dar uma solução, quero mostrar o que pode acontecer. O fazer ver é talvez o motivo que mais me interessa, fazer para ver, coisa, que na vida, talvez não façamos. Vemos duas pessoas que realmente precisam e continuamos a andar rua fora. E eu tenho a possibilidade de fazer ver isto num lugar onde quem costuma ir pela rua, nós, os espectadores, estamos ali e pagamos para ver."
Spiro Scimone
“A FESTA” – Tá Safo/Artistas Unidos, Teatro Taborda , Lisboa - II
"Muitas vezes escrevo aquilo que não queria que acontecesse na realidade. Não quero dar uma solução, quero mostrar o que pode acontecer. O fazer ver é talvez o motivo que mais me interessa, fazer para ver, coisa, que na vida, talvez não façamos. Vemos duas pessoas que realmente precisam e continuamos a andar rua fora. E eu tenho a possibilidade de fazer ver isto num lugar onde quem costuma ir pela rua, nós, os espectadores, estamos ali e pagamos para ver."
Spiro Scimone
FAZER TEATRO, VER TEATRO...
“A FESTA” – Tá Safo/Artistas Unidos, Teatro Taborda , Lisboa
Começa a ser tão raro assistir a espectáculos a que verdadeiramente possamos dar esse nome, é tudo ou tão enfadonhamente igual ou tão desesperantemente inócuo, que quando temos a sorte de assistir a uma peça desenhada pela inteligência, pelo rigor, pelo desafio de atacar o espectador, directamente, pela raiz do nosso quotidiano, quando toda esta sorte se cruza com o nosso caminho, não podemos deixar de nos sentir profundamente agradecidos àqueles que caminham sobre o arame e assim querem continuar, sem rede, enfrentando esta bandalheira desumana que nos governa.
Esta “Festa”, um texto de Spiro Scimone, traduzido por Jorge Silva Melo, é a festa dos nossos dias, Nós seres que falam e não ouvem. Nós seres incapazes de compreender o outro, seres incapazes de nos compreendermos a nós próprios. Fechados num individualismo de angústias e desesperos. Longe do amor, medrosos dos afectos e a morrer por falta deles. Esta “Festa” é um espelho da sociedade que teimamos em não destruir. Deste estado de desumana condição a que chamamos “Estado de Direito”, “Democracia”, “Civilização”, e até, ironia das ironias, “Progresso”!
Este espectáculo é a primeira produção da Companhia Tá Safo, fundada por Miguel Borges e Américo Silva, prolongando o trabalho realizado a partir de Spiro Scimone dentro dos Artistas Unidos (aqui produtores minoritários). Diz-se interessada em “resolver” projectos contemporâneos, estando a preparar, para 2004 a produção de um texto de José Maria Vieira Mendes a partir de Damon Runyon.
Em momentos de alegria como estes, que outra coisa podemos ou devemos fazer que não seja agradecer e ter esperança no teatro que afinal ainda é possível.
“A FESTA” – Tá Safo/Artistas Unidos, Teatro Taborda , Lisboa
Começa a ser tão raro assistir a espectáculos a que verdadeiramente possamos dar esse nome, é tudo ou tão enfadonhamente igual ou tão desesperantemente inócuo, que quando temos a sorte de assistir a uma peça desenhada pela inteligência, pelo rigor, pelo desafio de atacar o espectador, directamente, pela raiz do nosso quotidiano, quando toda esta sorte se cruza com o nosso caminho, não podemos deixar de nos sentir profundamente agradecidos àqueles que caminham sobre o arame e assim querem continuar, sem rede, enfrentando esta bandalheira desumana que nos governa.
Esta “Festa”, um texto de Spiro Scimone, traduzido por Jorge Silva Melo, é a festa dos nossos dias, Nós seres que falam e não ouvem. Nós seres incapazes de compreender o outro, seres incapazes de nos compreendermos a nós próprios. Fechados num individualismo de angústias e desesperos. Longe do amor, medrosos dos afectos e a morrer por falta deles. Esta “Festa” é um espelho da sociedade que teimamos em não destruir. Deste estado de desumana condição a que chamamos “Estado de Direito”, “Democracia”, “Civilização”, e até, ironia das ironias, “Progresso”!
Este espectáculo é a primeira produção da Companhia Tá Safo, fundada por Miguel Borges e Américo Silva, prolongando o trabalho realizado a partir de Spiro Scimone dentro dos Artistas Unidos (aqui produtores minoritários). Diz-se interessada em “resolver” projectos contemporâneos, estando a preparar, para 2004 a produção de um texto de José Maria Vieira Mendes a partir de Damon Runyon.
Em momentos de alegria como estes, que outra coisa podemos ou devemos fazer que não seja agradecer e ter esperança no teatro que afinal ainda é possível.