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sábado, setembro 30, 2006

raiz pé de diabo 

# 10

outra vez o sonho do sótão...........:eu
deitado numa cama larga olhando um tecto de madeira velha
acordado
..........¿meio acordado
a dormir
..........meio a dormir¿
e uma visão grande angular de todo o lugar – cheiro
:um perfume a banho quente
..........,incenso indiano
..........e a minha mão esquerda agarrando
................um livro com ferocidade
estou à espera...........,à espera que alguma coisa aconteça
............,que alguém chegue – facto
(tento mexer os pés mas só o direito tem movimento)
oiço abrir e fechar uma porta lá em baixo
[se estou num sótão tem de haver um lá em baixo]
¿será?
...........não
há uma lamparina de azeite que se apaga e acende
...........,apaga e acende,
................apaga e acende –
quero ver a capa do livro mas o braço também está paralisado
outra vez uma porta – ¿será?
não

[hiato]

senta-se um anjo na cama:
– estás no paraíso..............,¿posso ajudar-te?
repete isto cinco vezes
:
– estás no paraíso..............,¿posso ajudar-te?
– estás no paraíso..............,¿posso ajudar-te?
– estás no paraíso..............,¿posso ajudar-te?
– estás no paraíso..............,¿posso ajudar-te?
– estás no paraíso..............,¿posso ajudar-te?
eu quero responder
pedir-lhe socorro
dizer-lhe que estou à espera
que a espera não acaba.....,tenho medo
..........,não me consigo mexer e que…
o anjo fixa-me nos olhos
dá-me uma festa nos lábios e
faz-se pássaro..........,deita fogo pela cabeça e incendeia a cama
a cama arde mas não se queima ou queima mas não arde
[tudo isto em segundos]
o perfume a banho quente fica ainda mais forte
buda.............,ao longe...........,esconde-se

outra vez a porta
lá em baixo – ¿será?

sábado, 30 de setembro de 2006

sexta-feira, setembro 29, 2006

raiz pé de diabo 

# 9
para a guitarra de paulino vieira – II

à noite – na madrugada quente das neves celestes –
deus senta-se frente ao seu altar de vidro
e chora – deus não é um ser triste – deus nem sequer existe
deus chora
à noite – na madrugada quente das neves celestes

ao mesmo tempo
à noite – na madrugada fria dos vulcões terrestres
um homem senta-se atrás de uma guitarra
e chora – o homem não é um ser triste – o homem nem sequer existe
o homem chora
à noite – na madrugada fria dos vulcões terrestres

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

raiz pé de diabo 

# 8

são quase vinte e duas horas
¿terei passado todo o dia à espera desta hora?
a hora desesperada em que não há sons
nem gritos no coração

passo os dias a sonhar com peixinhos vermelhos
e as noites a efabular o nado
rectangular das suas asas submarinas

¿se realmente tivesse um aquário com peixinhos vermelhos
os meus dias seriam diferentes?
..........!ah! certamente
podia olhar os peixes
podia alimentá-los
podia alimentar-me
podia beber a água do aquário
podia não beber a água do aquário
podia deixá-los voar para fora do aquário
podia deixar que eles me deixassem voar para dentro do aquário
podia ser vermelho como eles
podia não ser vermelho como eles e desejar muito ser vermelho como eles

se realmente tivesse um aquário as minhas noites seriam
iguais
desesperadas
incendiadas
desejando a chegada das vinte e duas horas
desejando efabular outras coisas
e os peixinhos vermelhos ser-me-iam indiferentes
teria de acender velas à mesma
iluminar as estátuas sagradas
ler os sutras da existência sem existência…

se realmente tivesse um aquário com peixinhos vermelhos
os meus dias seriam diferentes
¿mas por quanto tempo?

passam nove minutos das vinte e duas horas
não tenho um aquário com peixinhos vermelhos
é hora de efabular o nado rectangular das suas asas

quinta-feira, 28 de Setembro de 2006

quarta-feira, setembro 27, 2006

raiz pé de diabo 

# 7

não foi perfeito..........,foi humano,
as coisas humanas são divinas
e nada é divino no que é humano
porque o divino é perfeito

quando saí da cela
..........um pouco antes do sol nascer
não estava ninguém no convento
o vento fazia balouçar as rosas no jardim
os aloés pareciam ter frio
ouviam-se ao longe vozes cantadas

vesti a sotaina e fui seguindo as vozes
até ao outro lado do claustro
na capela onze monges e sete monjas
..........sentados no chão
entoavam a oração à mãe do mundo

fiquei à porta incapaz de qualquer movimento

do rasgo na pedra junto ao tecto
começavam a entrar raios de sol
...........um a um
e no chão iam-se formando pequenos círculos
como se crianças estivessem a brincar com o reflexo de espelhos

podia ouvir o batimento cardíaco de cada um dos monges
e monjas e o meu
podia ouvir o sangue a correr nas veias de cada um dos monges
e monjas e nas minhas

depois… depois
,a oração terminou e fez-se um silêncio profundo
:um mandala de areia que leva meses a fazer e que quando acabado
se destrói num único gesto

não foi perfeito...........,foi humano,
as coisas humanas são divinas
e nada é divino no que é humano
porque o divino é perfeito

o mandala da oração
..........os raios de sol
desfizeram-se num só gesto
assim podemos recomeçar
até ser

..........perfeito e divino e humano

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

raiz pé de diabo 

# 6
para a guitarra de paulino vieira

sento-me à espera do poema
..........levanto-me
................à espera do poema
os versos são matéria morta
........como cabelos
........sempre a crescer – a crescer – ¿a crescer? e
a fundo nos versos
a cabeça
a dor – minha cabeça de dor
........matéria morta de todos os poemas
........cabelos

– não me ouço – ¿não me ouço? –
.........¿sinto-me
..............levanto-me?
cabelos presos à roupa – versos
¿matéria morta?
..........sim...........e
a dor afunda a
cabeça
..........a crescer – a crescer – ¿a crescer?

terça-feira, 26 de setembro de 2006

segunda-feira, setembro 25, 2006

raiz pé de diabo 

# 4

o anjo que tive abandonou o meu altar
não se guardam anjos na gaiola
..........eu sabia
acendia-lhe velas de cera de abelha
e oferendava-lhe incenso puro
..........água consagrada
seda e algodão – mas um anjo não precisa de oferendas
..........eu sabia
vi-o chorar e desperdiçar as asas
acendi mais velas e queimei mais incenso
..........disse orações
ele continuou a chorar

o altar está vazio
ele deixou-o e ascendeu
ao seu mínimo
........mas livre
.................céu

domingo, 24 de setembro de 2006

domingo, setembro 24, 2006

raiz pé de diabo 

# 3

_______1______2_____________3_______
1 – o momento do meu nascimento
2 – o momento da minha morte
3 – agora
a linha recta não sei o que é
mas existe
..........debaixo de mim

sob mim..........,existiu sempre uma linha recta,
um traço que começou antes de mim
e se prolonga depois de mim

¿como sei que sou eu sou «eu»
parece-me que sou – seja como for
«mim» – «eu» – «minha»
são só formas de dizer –

«eu» vejo-me
..........ao longe
«eu» não estou em «mim»
«eu» não estou em «mim» e não reconheço a «minha»
existência
..........mas vejo-«me»
sempre sobre uma linha recta
:uns carris
..........uns currículos

depois de 2 nunca adormeci
o meu pescoço roda 360º
e consigo observar em todas as direcções
vejo o 1.........,o 2..........,o 3
e parece-me que sou «eu» a nascer
,a morrer
e agora –
¿mistério
...........apenas o da recta porque vive fora de «mim»
e
no entanto é o que mais se aproxima com aquilo a que poderia chamar
«minha» consciência

sábado, 23 de Setembro de 2006

raiz pé de diabo 

# 2

não há estrada..........,não há
,respiração.............,não há
,luz....................,não há
,tristeza
........há a cidade
........e o que nela se levantou
há a memória de uma rua
junto ao rio
................do vento
da roupa estendida na varanda encantada

no cume do sonho
o sótão
o altar e as bandeiras de oração
as velas – a luz serena que iluminava os livros

há a memória
............as magnólias e as rosas da casa em frente

?

não há cidade nem o que nela se levantou
não há a memória de uma rua
........junto ao rio
..............não há vento
na memória – nem sótão no topo do sonho
o altar desfez-se
apagou-se a luz e os livros

na casa em frente
...........as magnólias e as rosas

quarta, 20 de Setembro de 2006

quinta-feira, setembro 14, 2006

raiz pé de diabo 

# 1

volto ao princípio......,às labaredas
à adolescência que julgava ter extraviado e
afinal
..........só agora reparo
não perdi.......:o inferno – a chorosa mesa de cabeceira
o candeeiro com cheiro a éter
................os primeiros anéis
................,
herberto
................,
pessoa
................,
whitman
................,
RILKE
EKLIR
................,
fiama

budha o elefante
..........33 rotações de satie
chá.....,leite e tostas com mel
e o ódio o ódio o ódio às pessoas-coisa

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

segunda-feira, setembro 11, 2006

primeiros poemas # 40 

# 40

dita-me este poema verso a verso
não consigo pensar mais papá
diz-me aquilo que eu preciso que seja dito
traz-me uma boneca
aquece-me os joelhos
dita-me os versos da melancolia acesa dos cães
e brinca com as minhas mãos feridas
não consigo pensar mais papá
e tu consegues diz o meu nome à hora de adormecer
e retira-me a força obrigada da santidade
adormece-me silabando o nome com que me baptizaste
acende uma vela
dita-me o meu último poema
e faz-me dormir entoando em surdina:
ma-da-le-na

primeiros poemas # 38 

# 39

cromeleque dos almendres, um comboio

nunca chegámos a fazer a viagem que tanto nos prometemos
uma viagem onde fôssemos de comboio
não lado a lado – à frente um do outro para vermos
bem
a íris e a pupila dos nossos olhos
.....uma última vez
..........ou uma primeira vez
nos comboios não há esse tempo relojoeiro
que dá começo ou fim às coisas banais

nunca chegámos a embarcar
a ver para além
nem visitámos o ninho dos dragões irlandeses
deixámo-nos secar – foi isso
e nessa viagem
........se a tivéssemos feito poderíamos ter levado um tesouro
como se fosse um farnel – uma estátua de nossa senhora
com o rosto coberto pintada a ouro…
........fundida em ouro – ?porque não
........!seria o nosso tesouro meu anjo
e perto do castelo de évora
........onde ainda paira o nosso nevoeiro
esconderíamos debaixo de uma pedra muito antiga
esse nosso cofre espalhando o primeiro beijo
sobre a cidade dos espelhos exaustos

domingo, setembro 10, 2006

primeiros poemas # 38 

# 38

ainda saí esta tarde
– !vou respirar qualquer coisa – disse aos botões
andei até à muralha (limite da cidade):a livraria,
a fronteira (da cidade limite)
,sobre a montra.....,de luzes apagadas.....,o velho
dístico em letras de outras décadas não dizia nada
,dantes.....,mal a noite cerrava,
acendia-se aquela promessa de terra prometida :nazareth
......& filhos
...........(os & filhos em mais pequeno e noutro tipo de letra)
voltei com três cigarros (agora faço cigarros
com uma máquina – cigarros de confeitaria)
vi um velho de barbas brancas a darem-lhe pelo peito
........até pensei que fosse o luís
........mas não
era outro..........,agora já não os confundo
,este usa uma muleta-canadiana,
o luís preferiria morrer a usar uma mulheta-canadiana –
mesmo assim apeteceu-me dizer olá luís
e deixar o velho da muleta-canadiana pensar que eu era
um desses doidos malucos que falam a toda a gente
e a todos tratam pelo mesmo nome
.....e não errava muito.....,não errava nada
,eu sou um desses doidos malucos que na rua
fala a toda a gente tratando-as pelo mesmo nome:
– !olá luís – mas não
..................aquele não
aquele não era o luís – via-se logo
:mais baixo
:mais velho,
:mais estúpido de barbas – mesmo assim:
.........– !olá luís

sábado, setembro 09, 2006

primeiros poemas # 37 

# 37

ao montar este altar..........,primeiro altar
de um mosteiro em equação,
senti vontade de te chamar e dizer que há aqui
..........frente a ele
um vazio guardado para ti
e uma oração que não será dita por aqui não estares

quinta-feira, setembro 07, 2006

primeiros poemas # 36 

# 36

da minha doença vejo o universo inteiro
projectando-se na minha pele como uma luz
do sol ou o reflexo feminino de um amor desfeito
a travar-me os dedos e a cegar-me os olhos como os olhos cegam
quando olhamos de frente o sol quente
projectando-se na pele num reflexo feminino

ofereço-te o olhar e os toques e os sons
ofereço-te o tudo o que quiseres que te ofereça
e em cada oferenda que te faço
o meu corpo fica mais leve e cada vez mais pronto para partir
oferecer-te os meus sentidos é preparar-me para a ascensão
cantada a esse outeiro onde velas e cruzes ardem em sacro-ofício
que não sei onde fica porque nunca vivi nada
de mais profundo que o labor das mãos
e ao labor das mãos falta toda a glória divina que a mais pequena
das ervas transporta dentro dento de si e se expande
na infusão de cura que a água quente de um chá
faz propagar pelo estômago
abrindo-nos os poros e os ouvidos

pequeno cálice de verdade de onde nunca poderemos beber
sem que a morte nos contemple
e salve
e o amor seja tudo e tudo seja amor a prolongar-se no tempo
curto
desse momento feliz em que podemos deixar o corpo
e enfrentar sem medo a clara luz de um novo coração

primeiros poemas # 35 

# 35

a sua santidade iluminada, raphel arcanjo

se desejo às vezes que um anjo
passe a mão sobre o meu corpo e através
de versos me dê prazer e êxtases e tardes de luar
não é por desejar sentir prazer e êxtases e tardes de luar
mas porque tenho em mim o impulso antinatural
e arrogante de querer ensinar aos anjos
..........através do meu corpo
a possibilidade mística e impossível
do prazer
dos êxtases
e das tardes de luar

primeiros poemas # 34 

# 34

levaram-me à beira-rio
vi o tejo e os pescadores
...........a outra margem e as pessoas
....................................poucas
que passavam em mínimos barcos
sorrindo vagamente àqueles que como eu
...........incapazes de movimento
olhavavam o azul-prateado da água transbordante de maré cheia

não senti pasmo em nada
nenhuma novidade no céu
ou na terra imaginada sob o rio

não quis sair do carro
e no carro senti-me menos lúcido
menos ligado às coisas
........fumando cigarros
........e nuvens de ozono
nada em mim estremeceu

peguei então no terço
e fui percorrendo as contas com a ponta dos dedos
imobilizado
quase cego
com o coração complicando-se num anúncio de morte súbita

entre os meus olhos e o rio
construí toda uma catedral de pequenas dores
pedras cúbicas alinhadas sem pensamentos
..........acção
................ou sequer a consciência de serem pedras
......................e cúbicas
.............................e bases de imaginada catedral

fui percorrendo as contas com a ponta dos dedos
como quem ouve
...........no longe areal de um deserto
a chamada para as orações no cume da almádena

primeiros poemas # 33 

# 33

não choveu nem houve qualquer ameaça
de chuva mas eu senti a chuva
do nosso afastamento com um vento
frio e rasteiro como uma palavra que se perdeu

quando olhei para o céu
..........procurando como dantes te via
..........nas formas felizes de uma constelação
o céu estava diferente e eu dei por isso muito bem
todo eu sou lúcido e clarividente e nada no espaço me é oculto
olho para o céu e o céu é aquilo que o céu parece
..........nem constelação
nem tu
nem nós
nem sol ou ameaça de trovoada
o céu limpo
..........definitivamente limpo
daquilo que eras
daquilo que disseste que eras
daquilo que disseste que serias

o céu revela tudo
o amor que se perdeu
o amor que nunca se reconheceu
...........as nuvens que se dissipam para nos torturar

quem me dera não ter olhos nem cabeça nem pescoço
e nunca me pudesse deitar e tudo me impedisse de olhar o céu
quem me dera arder e ser cinzas espalhadas
num qualquer ganges perto de casa

sei que olhando o céu não posso agarrar uma estrela
mas poeira que fosse eu próprio me poderia fazer numa
moldando com as minhas mãos cansadas um barro muito limpo e verde
e reluzir ao universo inteiro gritando a toda hora

mas tudo isto não tem sentido
tudo isto é ridículo
tudo isto é fumo no ar ou a efabulação triste
de um rio junto às casas onde um dia sentimos
um no outro a pele doce do fim

primeiros poemas # 32 

# 32

a verdade é que quero morrer e sei que não posso morrer
..........porque se morresse arruinaria o meu desejo de morrer
desejar a morte é como olhar a luz do sol
...............inevitável
o sol brilha................irradia
.........e como num apelo imenso do universo
...................................olhamos
..............................e perdemos
a beleza transparente da escuridão

primeiros poemas # 31 

# 31

.......................sempre o mesmo
.......................batendo na areia
..............................cuspindo o nadador
revoltando o peixe
vagamente luminoso
cristo veio para me apertar entre as suas suadas asas
e eu
..........na curva
não o vi
ou – reconheci
..........tão absorto – eu
nas coisas que fazem a vida que se gasta

com os seios envoltos nas copa das asas
e imolou-se
num fogo oval
...........,lacrimal ,desvirginado

? e agora
.....? continuo
..........? pela serra
...............? à espera do embate
..........de rosário na mão repetindo sí
labas tão antiga
s
..........como pedras preciosas cravadas nos ossos
..........no crânio
...................,no externo
..........:cofre vertical onde se guarda o ânimo

primeiros poemas # 30 

(ler mais abaixo)

primeiros poemas # 29 

# 29

hoje dia vinte e três de agosto de dois mil e seis
foi quebrado o quarto selo da revelação
e as minhas mãos ter-se-iam aberto em fogo
se as minhas mãos se pudessem abrir em fogo
os meus olhos ter-se-iam desenhado em ouro
se os meus olhos se pudessem desenhar em ouro
e o meu coração ter-se-ia partido microscópicos cristais
se o meu coração se pudesse partir em microscópicos cristais

o meu coração não pode partir-se em cristais
nem em nada
o meu coração é obrigado a permanecer inteiro
e suportar todo o calor que concentra sem nunca se abrir
o meu coração não se voltará a abrir porque não se pode abrir
os meus olhos não desenharão nada
........nem o ouro os iluminará porque
........aos meus olhos está vedada qualquer luz
........e escuridão também
hoje dia vinte e três de agosto de dois mil e seis
foi quebrado o quarto selo do apocalipse
e eu
tendo visto não vi e tendo ouvido não ouvi
nem morri nem sobrevivi
a lua é minha testemunha – nada sinto do tudo que sei

primeiros poemas # 28 

# 28

a tristeza é tudo o que prezo..........,rindo
e espalhando-me como erva num campo sem dono
sem ideias e feliz
...........por as não ter

a tristeza é o pasmo de criar
não há alegria no mundo que não seja tristeza
a tristeza faz andar o coração
e ele – o coração – segue pelos mais belos atalhos
da ilusão.....,do desvanecer da ilusão......,do desenho
,
gosto de andar pelas ruas
........desta cidade
........ou de outra
.................todas as cidades são a mesma
todas as cidades são roma
e todos os caminhos são amor
e ao andar pelas ruas
...........desta cidade
.................ou de outra
sinto-me triste até já não poder ter os olhos abertos
num desejo enorme de escrever em livros velhos

? haverá deslumbramento maior que escrever versos
com um marcador vermelho nas folhas finas de uma bíblia

a tristeza vale tudo
até não ter olhos para fechar quando andando pelas ruas
..........se sente – por mais não poder –
.............a necessidade física de os fechar

só a tristeza nos faz acreditar
.....na oração e nos sentidos
só a tristeza nos dá a pele
.....que começamos a perder no dia em que nascemos
só a tristeza nos dá deus
.....e a sua bendita ira

.....choremos um riso contínuo
até que já não estando vivos enfrentemos noite fora o horizonte

primeiros poemas # 30 

# 30

o lugar onde o choro se esconde
é este mês de agosto
........este desusado cume onde portugal existe
........robusto – narrativo
água de choro que ainda não foi chorada
sempre igual..........sem ser nada

!orate frateres
morreu a mais bela fonte do mundo
...........numa noite de penas suprimida
...........– misturado com comprimidos
...........veio o sono prolongado da ceifa –
água que julgava não ser amada

deste porto que é agosto
nada mais há que pedra..........e fluidos
de gente deixada
......é aqui que o choro pode ser bebido
como água redentora.............consagrada e engarrafada

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