quarta-feira, março 31, 2004
HORA DO DIABO # 77
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
«...Foi bondade tua...
teres telefonado...sim, bondade
(chora)
(silêncio)
...............Estou, querido............O quê?
..............Desculpa.................
Não, que ideia.......Nada, nada............Não tenho nada.....Juro-te
que não tenho nada........É o mesmo.......
Absolutamente nada. Enganas-te.....
.........O mesmo que há bocado........
Apenas, compreendes, uma pessoa fala, fala, e não pensa que será preciso acabar, desligar, cair outra vez no silêncio, nas trevas............e então...........Ouve, meu amor....»
Jean Cocteau - "Voz Humana"
«...Foi bondade tua...
teres telefonado...sim, bondade
(chora)
(silêncio)
...............Estou, querido............O quê?
..............Desculpa.................
Não, que ideia.......Nada, nada............Não tenho nada.....Juro-te
que não tenho nada........É o mesmo.......
Absolutamente nada. Enganas-te.....
.........O mesmo que há bocado........
Apenas, compreendes, uma pessoa fala, fala, e não pensa que será preciso acabar, desligar, cair outra vez no silêncio, nas trevas............e então...........Ouve, meu amor....»
Jean Cocteau - "Voz Humana"
segunda-feira, março 29, 2004
DOL-U-RON Forte # 22
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
podem já não haver pérolas
podem cair chuvas e beijos e marcas de dor
tenho marcas de cal nos lábios e horas para percorrer
tenho dores de cal e horas percorridas
tenho
um desejo de anoitecer
sempre
e
outra vez
ser a tua pele de papel de arroz
podem já não haver pérolas
podem cair chuvas e beijos e marcas de dor
tenho marcas de cal nos lábios e horas para percorrer
tenho dores de cal e horas percorridas
tenho
um desejo de anoitecer
sempre
e
outra vez
ser a tua pele de papel de arroz
José Manuel Cabeça
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
estávamos no café, no 35, e a coisa não durou muito tempo. o sr. josé manuel disse que se sentia mal, que precisava de ir à casa de banho, levantou-se e caiu desamparado no chão.
o sr. josé manuel cabeça é um homem de aparência frágil mas com uma energia imensa, uma atenção constante a tudo. comerciante de corpo e alma. último papeleiro desta cidade de évora (depois que o irmão se reformou). todos sabemos que ele está doente há muito tempo. eu sempre o conheci muito doente.
vitima de operações sucessivas e de sucessivas recuperações, ele volta sempre ao seu balcão, cortês, atento, às vezes ríspido, exigente. hoje a sua fragilidade foi maior que a força.
espero que melhore e volte, como sempre tem voltado, ao trono que é seu no seu reino de papel e canetas e cheiro a tintas.
estávamos no café, no 35, e a coisa não durou muito tempo. o sr. josé manuel disse que se sentia mal, que precisava de ir à casa de banho, levantou-se e caiu desamparado no chão.
o sr. josé manuel cabeça é um homem de aparência frágil mas com uma energia imensa, uma atenção constante a tudo. comerciante de corpo e alma. último papeleiro desta cidade de évora (depois que o irmão se reformou). todos sabemos que ele está doente há muito tempo. eu sempre o conheci muito doente.
vitima de operações sucessivas e de sucessivas recuperações, ele volta sempre ao seu balcão, cortês, atento, às vezes ríspido, exigente. hoje a sua fragilidade foi maior que a força.
espero que melhore e volte, como sempre tem voltado, ao trono que é seu no seu reino de papel e canetas e cheiro a tintas.
domingo, março 28, 2004
DOL-U-RON Forte # 21
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
como me arrependo dos sorrisos
e de todas as pétalas que abri
e das horas gastas a ler-me
em livros de sândalo e perfumes exóticos
arrependo-me de tudo
da culpa
e do mar azul
e de uma espécie de porta que não soube fechar
e de ti
e das orquídeas e dos longos jantares de outono
acendo lareiras
e
na
lenha
e
nas
páginas de jornal que serviram para acender a pira
vejo-me
nu
na cruz de pedro
invertido
a sangrar de deuses pelo corpo
com deuses pelo corpo a sangrar
com sangue a endeusar-me o corpo pendurado
quero ver para além desta casa
destes olhos jovens
quero ter dores
e morrer na violência de um combate
quero desdenhar
sempre
para sempre
a bonança da luz clara das horas
ou a face branca da lua
quero morrer com o martírio de teresa
com as setas de sebastião
quero ser enterrado vivo
e ressuscitado embrião de águia
no ovo de uma águia
quero ser uma mãe triste no ovo de uma águia
como me arrependo dos sorrisos
e de todas as pétalas que abri
e das horas gastas a ler-me
em livros de sândalo e perfumes exóticos
arrependo-me de tudo
da culpa
e do mar azul
e de uma espécie de porta que não soube fechar
e de ti
e das orquídeas e dos longos jantares de outono
acendo lareiras
e
na
lenha
e
nas
páginas de jornal que serviram para acender a pira
vejo-me
nu
na cruz de pedro
invertido
a sangrar de deuses pelo corpo
com deuses pelo corpo a sangrar
com sangue a endeusar-me o corpo pendurado
quero ver para além desta casa
destes olhos jovens
quero ter dores
e morrer na violência de um combate
quero desdenhar
sempre
para sempre
a bonança da luz clara das horas
ou a face branca da lua
quero morrer com o martírio de teresa
com as setas de sebastião
quero ser enterrado vivo
e ressuscitado embrião de águia
no ovo de uma águia
quero ser uma mãe triste no ovo de uma águia
sexta-feira, março 26, 2004
DOL-U-RON Forte # 20
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
a exaltação da flor e do pássaro
da árvore e do espelho maior
onde morrem os sonhos mais puros
mais transparentes, mais doces
onde tudo morre num transito de nuvens
mar dourado onde me esperavas
mar longe onde me acolheste
onde agora me afogo
por ti
reconheço-me neste imenso espaço celeste de
casas e girassóis solares
e relvados
e pão
e doce de morango
e aqui
no meu corpo
já não sou
eu
nunca
a exaltação da flor e do pássaro
da árvore e do espelho maior
onde morrem os sonhos mais puros
mais transparentes, mais doces
onde tudo morre num transito de nuvens
mar dourado onde me esperavas
mar longe onde me acolheste
onde agora me afogo
por ti
reconheço-me neste imenso espaço celeste de
casas e girassóis solares
e relvados
e pão
e doce de morango
e aqui
no meu corpo
já não sou
eu
nunca
quinta-feira, março 25, 2004
DOL-U-RON Forte # 19
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
encontrei o ente das promessas, o relógio
a montanha parada num vaso
o canto e o despertar das açucenas
descobri o meu rosto ao espelho
para me ver e finalizar
num desgosto parado de sono
num sono parado de desgosto
gotas de saliva soprando com amor
ver tudo
tudo de uma vez e morte súbita
reencontrar a lágrima e a túlipa e o jardim
no coração tão dentro – desculpar a foice
desculpar o trigo, desculpar o corte. cavalgo
o corcel
a cintura do cavalo é forte
e eu sou nave, mar e clarinete
a chamar-te
tanto
encontrei o ente das promessas, o relógio
a montanha parada num vaso
o canto e o despertar das açucenas
descobri o meu rosto ao espelho
para me ver e finalizar
num desgosto parado de sono
num sono parado de desgosto
gotas de saliva soprando com amor
ver tudo
tudo de uma vez e morte súbita
reencontrar a lágrima e a túlipa e o jardim
no coração tão dentro – desculpar a foice
desculpar o trigo, desculpar o corte. cavalgo
o corcel
a cintura do cavalo é forte
e eu sou nave, mar e clarinete
a chamar-te
tanto
terça-feira, março 23, 2004
BASTA YA, MR. SHARON
HORA DO DIABO # 76
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
A bordo do “Boskoop”, no mar.
Vejamos, trinta ou trinta e um dias em Dezembro? Estamos no mar há dois dias ou há três? No anticalendário do mar? Pobre diário! Aliás, não vou dizer o que se passou há bocado. Trata-se do meio-dia do meu dia, mas não o direi. Mais vale cortar-lhe já qualquer hipótese de futuro.
Henri Michaux
A bordo do “Boskoop”, no mar.
Vejamos, trinta ou trinta e um dias em Dezembro? Estamos no mar há dois dias ou há três? No anticalendário do mar? Pobre diário! Aliás, não vou dizer o que se passou há bocado. Trata-se do meio-dia do meu dia, mas não o direi. Mais vale cortar-lhe já qualquer hipótese de futuro.
Henri Michaux
domingo, março 21, 2004
DOL-U-RON Forte # 18
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
regressei e
não encontro o meu berço
nem o rato
nem o relâmpago magnifico
das cordas de saltar
nem os panos da cozinha nem
a cómoda do quarto do meu pai
não encontro o corredor
e as portas das salas
à esquerda
de
quem
entra
o meu berço –
quem ficou com as minhas coisas?
os livros, as toalhas, os relógios, a magnólia, o tambor?
eu regressei
não me esperavam?
és tu, branca, que tens os meus colares e
os rosários e os missais da avó?
havia uma santa chinesa, uma deusa chinesa
na estante
preta
da
sala
és tu, branca, que tens a deusa?
o meu berço era escuro
feito por um operário metalúrgico
um homem do barreiro
ele
fez
o meu berço escuro
ele
desenhou em ferro forjado
cada malha
da guarda
para eu não cair
– eu que ainda não nascera –
esse berço
feito pelas mãos de um operário do barreiro
és tu, branca, que o tens?
o meu berço de amor operário
és tu, branca, que o tens?
terão guardado as minhas coisas depois das cheias?
depois das águas que me inundaram?
alga, és tu?
regressei e
não encontro o meu berço
nem o rato
nem o relâmpago magnifico
das cordas de saltar
nem os panos da cozinha nem
a cómoda do quarto do meu pai
não encontro o corredor
e as portas das salas
à esquerda
de
quem
entra
o meu berço –
quem ficou com as minhas coisas?
os livros, as toalhas, os relógios, a magnólia, o tambor?
eu regressei
não me esperavam?
és tu, branca, que tens os meus colares e
os rosários e os missais da avó?
havia uma santa chinesa, uma deusa chinesa
na estante
preta
da
sala
és tu, branca, que tens a deusa?
o meu berço era escuro
feito por um operário metalúrgico
um homem do barreiro
ele
fez
o meu berço escuro
ele
desenhou em ferro forjado
cada malha
da guarda
para eu não cair
– eu que ainda não nascera –
esse berço
feito pelas mãos de um operário do barreiro
és tu, branca, que o tens?
o meu berço de amor operário
és tu, branca, que o tens?
terão guardado as minhas coisas depois das cheias?
depois das águas que me inundaram?
alga, és tu?
sexta-feira, março 19, 2004
DOL-U-RON Forte # 17
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
há campas novas no jardim -
- covas sem lápide -
e gatos ao sol
há campas novas no jardim -
- covas sem lápide -
e gatos ao sol
terça-feira, março 16, 2004
pequenos pássaros
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
milhões de aves morrem nas janelas britânicas.
só no reino unido, cem milhões de pássaros chocam anualmente com janelas envidraçadas. um terço dessas colisões mostram-se fatais para as aves. dizem que a solução talvez passe por colocar nos vidros imagens de aves de rapina por forma a assustar os pequenos pássaros.
(notícia do "Público")
milhões de aves morrem nas janelas britânicas.
só no reino unido, cem milhões de pássaros chocam anualmente com janelas envidraçadas. um terço dessas colisões mostram-se fatais para as aves. dizem que a solução talvez passe por colocar nos vidros imagens de aves de rapina por forma a assustar os pequenos pássaros.
(notícia do "Público")
sábado, março 13, 2004
DOL-U-RON Forte # 16
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
b. era grande, gordo
desajeitado com o corpo e com
as mãos
organista toda uma vida na mesma igreja
teve um filho
esse filho fez-se músico
teve um neto
esse neto fez-se músico.
nunca, ninguém
tanto -
- o coração de deus
deus esperou
esperou que ele fizesse o seu trabalho
deixou-o tocar e compor e
ter um filho e
um neto
depois levou-o
deus, às vezes dá tempo
outras
b. era grande, gordo
desajeitado com o corpo e com
as mãos
organista toda uma vida na mesma igreja
teve um filho
esse filho fez-se músico
teve um neto
esse neto fez-se músico.
nunca, ninguém
tanto -
- o coração de deus
deus esperou
esperou que ele fizesse o seu trabalho
deixou-o tocar e compor e
ter um filho e
um neto
depois levou-o
deus, às vezes dá tempo
outras
sexta-feira, março 12, 2004
os mortos de madrid
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
caro vital moreira,
a espanha está em choque.
alguns estão genuinamente em choque.
outros não sei.
calculo que homens como aznar, homens que fazem da guerra o seu alimento – homens desses, estarão contentes.
desde ontem que se repete: «foi a eta».
os senhores da guerra querem que tenha sido a eta a cometer os atentados de madrid.
o 11 de março será para asnar, o que o 11 de setembro foi para bush: uma arma de arremesso.
a morte de civis, a morte de militares, a morte violenta, qualquer morte violenta, é sempre uma face do horror. mesmo as mortes que os terroristas de estado – com altos-patrocínios de conselhos de segurança, ou sem eles – promovem sob o nome de “operações de paz” ou “libertação”, são uma face do horror apocalíptico, o soar do armagedon.
OS TERRORISTAS E OS RESISTENTES
ao longo dos séculos muitos povos foram ocupados por potências estrangeiras, que os colonizaram, mataram, humilharam, escravizaram.
pouco antes da II grande guerra, o estado basco, foi vitima da brutal ocupação do seu país pelas forças franquistas ajudadas pelas bombas de hitler.
uns anos depois a também a frança seria ocupada pelos nazi-fascistas.
muitos anos depois, muitos,
timor
foi tomado pelas violentas tropas indonésias.
os ocupantes,
passam a ser outros.
o povo de timor foi barbaramente assassinado e,
tal como o povo basco,
impedido de falar a sua língua, de ser religiosamente livre, pior, de se auto-determinar.
pelos anos 50, vários movimentos compostos por mulheres e homens de todas as nacionalidades da africa colonizada, começou a organizar-se para a sua independência.
como todos sabemos, alguns desses países eram colónias de portugal.
para os regimes ocupantes, os movimentos que resistiram a essa violência, foram, sem distinção, apelidados de “terroristas” e tratados como tal.
alguns desses países recuperaram a sua liberdade.
por isso os terroristas franceses passaram a “resistentes”,
por isso os terroristas africanos passaram a “resistentes”,
por isso os terroristas timorenses passaram a “resistentes”.
outros países não recuperaram ainda a sua liberdade e o seu direito à auto-determinação,
esses, como é o caso dos bascos,
continuam organizados em movimentos de luta pela sua libertação,
esses, são ainda “terroristas”.
a escolha da luta armada e da violência pela auto-determinação não é a solução correcta.
em caso algum.
sabemos,
deveríamos saber,
que a arma escolhida
deve ser a solidariedade entre os povos, a cooperação entre os povos.
Deveríamos saber que não podemos ser livres se outro alguém não é.
a responsabilidade é nossa. arma escolhida só pode ser a fraternidade.
não tenhamos dúvidas que a responsabilidade do “terrorismo” basco passa pela “democracia” espanhola e francesa.
se franco e a sua ditadura fez cativa a independência basca, a democracia não a quis devolver.
hoje que choramos os mortos de madrid, deveríamos chorar os mortos de guernica. hoje que choramos os mortos de madrid, deveríamos chorar todos os mortos que caíram lutando pela liberdade.
no estado espanhol,
na palestina,
onde for.
e agir, agir sempre, ao lado dos que lutam pela dignidade.
somos nós que nos libertamos sempre que alguém rompe a teia que o subjuga.
hoje que choramos pelos mortos de madrid, reflictamos sobre o que fizemos para pela liberdade basca? o que fizemos para evitar todas as violências?
querer confundir a acção da eta com acções armadas de inspiração integrista de fanáticos religiosos, ou mesmo confundir as acções da eta com acções inspiradas pelo fanatismo religioso que usa outras bombas, como o fundamentalismo que condena as mulheres que abortam ao cárcere, que outrora condenou judeus, cientistas e pensadores ao fogo da inquisição e que hoje prefere a contaminação pela sida de milhares de homens e mulheres recusando-lhes a informação e os meios para que se salvem – confundir a eta com esses terroristas, é ser cúmplice da violência e do terror.
senhor aznar,
apesar de desesperadamente querer ganhar as eleições de domingo, apesar de querer fazer do 11 de março um álibi para a repressão, saiba que continuará sempre a encontrar “resistentes” lutando contra a sua politica agressora, contra as guerras de que é co-autor.
caro vital moreira,
a espanha está em choque.
alguns estão genuinamente em choque.
outros não sei.
calculo que homens como aznar, homens que fazem da guerra o seu alimento – homens desses, estarão contentes.
desde ontem que se repete: «foi a eta».
os senhores da guerra querem que tenha sido a eta a cometer os atentados de madrid.
o 11 de março será para asnar, o que o 11 de setembro foi para bush: uma arma de arremesso.
a morte de civis, a morte de militares, a morte violenta, qualquer morte violenta, é sempre uma face do horror. mesmo as mortes que os terroristas de estado – com altos-patrocínios de conselhos de segurança, ou sem eles – promovem sob o nome de “operações de paz” ou “libertação”, são uma face do horror apocalíptico, o soar do armagedon.
OS TERRORISTAS E OS RESISTENTES
ao longo dos séculos muitos povos foram ocupados por potências estrangeiras, que os colonizaram, mataram, humilharam, escravizaram.
pouco antes da II grande guerra, o estado basco, foi vitima da brutal ocupação do seu país pelas forças franquistas ajudadas pelas bombas de hitler.
uns anos depois a também a frança seria ocupada pelos nazi-fascistas.
muitos anos depois, muitos,
timor
foi tomado pelas violentas tropas indonésias.
os ocupantes,
passam a ser outros.
o povo de timor foi barbaramente assassinado e,
tal como o povo basco,
impedido de falar a sua língua, de ser religiosamente livre, pior, de se auto-determinar.
pelos anos 50, vários movimentos compostos por mulheres e homens de todas as nacionalidades da africa colonizada, começou a organizar-se para a sua independência.
como todos sabemos, alguns desses países eram colónias de portugal.
para os regimes ocupantes, os movimentos que resistiram a essa violência, foram, sem distinção, apelidados de “terroristas” e tratados como tal.
alguns desses países recuperaram a sua liberdade.
por isso os terroristas franceses passaram a “resistentes”,
por isso os terroristas africanos passaram a “resistentes”,
por isso os terroristas timorenses passaram a “resistentes”.
outros países não recuperaram ainda a sua liberdade e o seu direito à auto-determinação,
esses, como é o caso dos bascos,
continuam organizados em movimentos de luta pela sua libertação,
esses, são ainda “terroristas”.
a escolha da luta armada e da violência pela auto-determinação não é a solução correcta.
em caso algum.
sabemos,
deveríamos saber,
que a arma escolhida
deve ser a solidariedade entre os povos, a cooperação entre os povos.
Deveríamos saber que não podemos ser livres se outro alguém não é.
a responsabilidade é nossa. arma escolhida só pode ser a fraternidade.
não tenhamos dúvidas que a responsabilidade do “terrorismo” basco passa pela “democracia” espanhola e francesa.
se franco e a sua ditadura fez cativa a independência basca, a democracia não a quis devolver.
hoje que choramos os mortos de madrid, deveríamos chorar os mortos de guernica. hoje que choramos os mortos de madrid, deveríamos chorar todos os mortos que caíram lutando pela liberdade.
no estado espanhol,
na palestina,
onde for.
e agir, agir sempre, ao lado dos que lutam pela dignidade.
somos nós que nos libertamos sempre que alguém rompe a teia que o subjuga.
hoje que choramos pelos mortos de madrid, reflictamos sobre o que fizemos para pela liberdade basca? o que fizemos para evitar todas as violências?
querer confundir a acção da eta com acções armadas de inspiração integrista de fanáticos religiosos, ou mesmo confundir as acções da eta com acções inspiradas pelo fanatismo religioso que usa outras bombas, como o fundamentalismo que condena as mulheres que abortam ao cárcere, que outrora condenou judeus, cientistas e pensadores ao fogo da inquisição e que hoje prefere a contaminação pela sida de milhares de homens e mulheres recusando-lhes a informação e os meios para que se salvem – confundir a eta com esses terroristas, é ser cúmplice da violência e do terror.
senhor aznar,
apesar de desesperadamente querer ganhar as eleições de domingo, apesar de querer fazer do 11 de março um álibi para a repressão, saiba que continuará sempre a encontrar “resistentes” lutando contra a sua politica agressora, contra as guerras de que é co-autor.
DOL-U-RON Forte #15
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
o homem gentil lava a mulher deitada
o homem gentil sempre soube
que
um dia teria
de cuidar do corpo da mulher deitada
a mulher sempre esteve deitada -
a mulher não sabe comer
a mulher não sabe andar
a mulher não vê, não sabe ver
o homem gentil ainda terá que alimentar a mulher deitada
o homem transforma-se, não a olha, não a quer ver enquanto a lava e
alimenta
à volta da cama anda
um cão que se chama diego
ele espera pelos panos com o sangue do dia
o homem gentil enxota-o
mas
o cão
é cão
e quer lamber o sangue escuro das feridas da mulher deitada
não há flores no quarto
nem janelas abertas para o sol
não há perfumes nem
móveis, nem uma cadeira, nem roupões de seda, ou de algodão, ou de lã
quase nada
é um quarto quase, quase, vazio
só uma cama metálica, uma mesa de cabeceira metálica
uma mulher inerte, quase, quase, metálica;
o homem gentil que a alimenta e lava
e
um cão vulgar, farejando
(hino)
o homem gentil lava a mulher deitada
o homem gentil sempre soube
que
um dia teria
de cuidar do corpo da mulher deitada
a mulher sempre esteve deitada -
a mulher não sabe comer
a mulher não sabe andar
a mulher não vê, não sabe ver
o homem gentil ainda terá que alimentar a mulher deitada
o homem transforma-se, não a olha, não a quer ver enquanto a lava e
alimenta
à volta da cama anda
um cão que se chama diego
ele espera pelos panos com o sangue do dia
o homem gentil enxota-o
mas
o cão
é cão
e quer lamber o sangue escuro das feridas da mulher deitada
não há flores no quarto
nem janelas abertas para o sol
não há perfumes nem
móveis, nem uma cadeira, nem roupões de seda, ou de algodão, ou de lã
quase nada
é um quarto quase, quase, vazio
só uma cama metálica, uma mesa de cabeceira metálica
uma mulher inerte, quase, quase, metálica;
o homem gentil que a alimenta e lava
e
um cão vulgar, farejando
(hino)
quarta-feira, março 10, 2004
destino singular
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
"Se eu tive um destino singular, na modéstia que todos temos um único, original e nosso, muito nosso e apenas isso, mas repito: se, em comparação com muita gente que me rodeia, lhe posso ainda, aqui comigo e nas histórias lendárias ou veras que de mim contam (algumas tenho ouvido, espantado sem acreditar; doutras nem já me lembrava mas foram mesmo), esse meu destino, é singular; porque será? Interrogo (-me) e não sou capaz, não lhe (me) sei responder. A dornça em pequeno? a devoradora leitura, alargando uma imaginação já de si exagerada, neurótica? uma degenerscência familiar de que fiz bastante para me salvaguardar, procurando outros rumos, novos projectos, caras felizes? um acentuado pendor para a contradição ou atenção crítica que começa no querer ver como é, saber ouvir, ler muito e variado, e desconfiando sempre? Porque desconfio, duvido, amontoando hipóteses, alterando dados na aparência irrefutáveis e, em frieza quase absoluta, distinguindo os meus sentimentos ternos pelas pessoas da análise implacável do que elas são ou de como as queria? e repelindo-as ou chegando-me a elas, na convivência forçada ou fascinante que temos de aceitar com o Outro?
Conheço-me? não me conheço? estou baralhado de todo?
Ou fui sempre "
Luiz Pacheco
"Se eu tive um destino singular, na modéstia que todos temos um único, original e nosso, muito nosso e apenas isso, mas repito: se, em comparação com muita gente que me rodeia, lhe posso ainda, aqui comigo e nas histórias lendárias ou veras que de mim contam (algumas tenho ouvido, espantado sem acreditar; doutras nem já me lembrava mas foram mesmo), esse meu destino, é singular; porque será? Interrogo (-me) e não sou capaz, não lhe (me) sei responder. A dornça em pequeno? a devoradora leitura, alargando uma imaginação já de si exagerada, neurótica? uma degenerscência familiar de que fiz bastante para me salvaguardar, procurando outros rumos, novos projectos, caras felizes? um acentuado pendor para a contradição ou atenção crítica que começa no querer ver como é, saber ouvir, ler muito e variado, e desconfiando sempre? Porque desconfio, duvido, amontoando hipóteses, alterando dados na aparência irrefutáveis e, em frieza quase absoluta, distinguindo os meus sentimentos ternos pelas pessoas da análise implacável do que elas são ou de como as queria? e repelindo-as ou chegando-me a elas, na convivência forçada ou fascinante que temos de aceitar com o Outro?
Conheço-me? não me conheço? estou baralhado de todo?
Ou fui sempre "
Luiz Pacheco
segunda-feira, março 08, 2004
DOL-U-RON Forte # 14
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
acabo de ouvir na antena 2 – às vezes ainda se escutam coisas interessantes na rádio – uma história extraordinária contada pelo rui zink.
é uma história verdadeira. uma história finlandesa. ao que parece, na finlândia os reformados também vivem mal. talvez só alguns. é uma esperança:
num supermercado, uma velha, mesmo velha,
muito velha,
cai redonda e morta
no chão
enquanto esperava na fila da caixa.
vêm ajudas, põem-se de roda da velha, apertam a morta.
tiram-lhe o chapéu da cabeça. nisto,
entre o chapéu e a cabeça da velha
descobre-se escondido e roubado um frango congelado.
a velha tinha roubado um frango congelado e com ele na cabeça tentou passar incólume
pela caixa.
morreu de embolia cerebral.
é esta a história.
fim.
(hino)
acabo de ouvir na antena 2 – às vezes ainda se escutam coisas interessantes na rádio – uma história extraordinária contada pelo rui zink.
é uma história verdadeira. uma história finlandesa. ao que parece, na finlândia os reformados também vivem mal. talvez só alguns. é uma esperança:
num supermercado, uma velha, mesmo velha,
muito velha,
cai redonda e morta
no chão
enquanto esperava na fila da caixa.
vêm ajudas, põem-se de roda da velha, apertam a morta.
tiram-lhe o chapéu da cabeça. nisto,
entre o chapéu e a cabeça da velha
descobre-se escondido e roubado um frango congelado.
a velha tinha roubado um frango congelado e com ele na cabeça tentou passar incólume
pela caixa.
morreu de embolia cerebral.
é esta a história.
fim.
(hino)
domingo, março 07, 2004
DOL-U-RON Forte #13
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
o equinócio soa
catedral
pessoas e lagos percorrem os jardins
sinais desaparecidos de amores flutuantes
e moribundas melancolias infantis
sótãos
campos
évora seca, sempre seca
a catedral vibra como se estivéssemos amando
transparentes espíritos invocados
gárgulas
de carne
viva
prata soltando-se das cimalhas.
campos de desolação para sempre
évora prometida
fim
(hino)
o equinócio soa
catedral
pessoas e lagos percorrem os jardins
sinais desaparecidos de amores flutuantes
e moribundas melancolias infantis
sótãos
campos
évora seca, sempre seca
a catedral vibra como se estivéssemos amando
transparentes espíritos invocados
gárgulas
de carne
viva
prata soltando-se das cimalhas.
campos de desolação para sempre
évora prometida
fim
(hino)
sábado, março 06, 2004
HORA DO DIABO # 75
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
Fotos de Robert Walser em Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"GATA BORRALHEIRA:
Que querido és. Não encontro
no imenso país da
gratidão uma palavrinha
p' ra te agradecer. Mas em vez de
palavras de agradecimento
deixa que te beije. Oh, que
doce foi! É bom que isto
tenha chegado ao fim.
PRÍNCIPE:
Ao fim? O quê?
GATA BORRALHEIRA:
Os pulos chegaram ao fim,
a dança comigo acabou.
Não sou tua, ainda estou
noiva de mim própria. A
memória adverte-me
que ainda não acabei
de sonhar o que me é querido,
o que aqui flutua à minha
volta, o que aqui ainda
me dá muito que fazer. [...]"
ROBERT WALSER
"Gata Borralheira"
Fotos de Robert Walser em Diário de Imagens "Saudades de Antero"
"GATA BORRALHEIRA:
Que querido és. Não encontro
no imenso país da
gratidão uma palavrinha
p' ra te agradecer. Mas em vez de
palavras de agradecimento
deixa que te beije. Oh, que
doce foi! É bom que isto
tenha chegado ao fim.
PRÍNCIPE:
Ao fim? O quê?
GATA BORRALHEIRA:
Os pulos chegaram ao fim,
a dança comigo acabou.
Não sou tua, ainda estou
noiva de mim própria. A
memória adverte-me
que ainda não acabei
de sonhar o que me é querido,
o que aqui flutua à minha
volta, o que aqui ainda
me dá muito que fazer. [...]"
ROBERT WALSER
"Gata Borralheira"
HORA DO DIABO # 74
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
"Seria insensato continuar a falar de fotografias que ninguém via. [...] Uma obra de síntese começou, entretanto, a fazer-me falta. [...] o perseguir de pistas, o aclarar de uma suspeita ou correr o perigo atraente das surpresas [...]."
ANTÓNIO SENA
in "História da Imagem Fotográfica em Portugal".
"Seria insensato continuar a falar de fotografias que ninguém via. [...] Uma obra de síntese começou, entretanto, a fazer-me falta. [...] o perseguir de pistas, o aclarar de uma suspeita ou correr o perigo atraente das surpresas [...]."
ANTÓNIO SENA
in "História da Imagem Fotográfica em Portugal".
quinta-feira, março 04, 2004
DOL-U-RON Forte # 12
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
minhas irmãs ardem bruxas em escalfetas
meus irmãos são mortos à nascença em coragens de fogueira –
cardíacos bebés de família – e que família –
torres sineiras a rebentar de mudez
quero-te tambor meu filho
quero-te produtor de tardes indizíveis
quero-te a arder em cores-de-laranja
(hino)
minhas irmãs ardem bruxas em escalfetas
meus irmãos são mortos à nascença em coragens de fogueira –
cardíacos bebés de família – e que família –
torres sineiras a rebentar de mudez
quero-te tambor meu filho
quero-te produtor de tardes indizíveis
quero-te a arder em cores-de-laranja
(hino)
HORA DO DIABO #73
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
"Estou convencido de que não é o desconhecimento - mais voluntário do que parece - que possibilita o novo. Pelo contrário: a radicalidade de qualquer inovação ou deslumbramento são paralelos à radicalidade da pesquisa. É impossivel existir uma «cultura portuguesa» sem conhecer o que fizeram os seus fotógrafos, os seus artistas gráficos, os seus editores, os seus tipografos, os seus designers, os seus cientistas, &c. É urgente a publicação de histórias parcelares que não se restrinjam a temas - mesmo que rudimentarmente - já abordados. Chega de teses universitárias ruminantes e generalistas sobre assuntos de que já se fizeram um sem-número de interpretações."
ANTÓNIO SENA
Lages do Pico, Açores
in "HISTÓRIA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA EM PORTUGAL"
"Estou convencido de que não é o desconhecimento - mais voluntário do que parece - que possibilita o novo. Pelo contrário: a radicalidade de qualquer inovação ou deslumbramento são paralelos à radicalidade da pesquisa. É impossivel existir uma «cultura portuguesa» sem conhecer o que fizeram os seus fotógrafos, os seus artistas gráficos, os seus editores, os seus tipografos, os seus designers, os seus cientistas, &c. É urgente a publicação de histórias parcelares que não se restrinjam a temas - mesmo que rudimentarmente - já abordados. Chega de teses universitárias ruminantes e generalistas sobre assuntos de que já se fizeram um sem-número de interpretações."
ANTÓNIO SENA
Lages do Pico, Açores
in "HISTÓRIA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA EM PORTUGAL"
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
"Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava."
Herberto Helder
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava."
Herberto Helder
segunda-feira, março 01, 2004
Bloco Visa / Master Card
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
bloco de esquerda visa master card - clique aqui
boa sorte revolução!
bloco de esquerda visa master card - clique aqui
boa sorte revolução!
Cadernos de Camus
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
cadernos de camus
coisas sérias, coisas de tirar o sono. na publicidade, por exemplo, «gama aromática – o mais recente lançamento da dunhill é um perfume masculino destinado a um homem sexy, desejado, independente e jovem. a fragrância, rica em notas frescas de limão [notas frescas de limão !!!!] cedro, sândalo e musgo, surge em eau de toilette, after-shave e desodorizante».
um gajo levanta-se de manhã, vê-se ao espelho, e pensa: «manelinho, manelinho, és tão lindinho, sexy, desejado, independente e jovem», salta para a rua vai à perfumaria mais próxima e «ó minha senhora embrulhe-me aí um “dúnile”, à medida da minha inequívoca e irresistível sensualidade masculina».
cadernos de camus
coisas sérias, coisas de tirar o sono. na publicidade, por exemplo, «gama aromática – o mais recente lançamento da dunhill é um perfume masculino destinado a um homem sexy, desejado, independente e jovem. a fragrância, rica em notas frescas de limão [notas frescas de limão !!!!] cedro, sândalo e musgo, surge em eau de toilette, after-shave e desodorizante».
um gajo levanta-se de manhã, vê-se ao espelho, e pensa: «manelinho, manelinho, és tão lindinho, sexy, desejado, independente e jovem», salta para a rua vai à perfumaria mais próxima e «ó minha senhora embrulhe-me aí um “dúnile”, à medida da minha inequívoca e irresistível sensualidade masculina».
DOL-U-RON Forte # 11
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
coma
profunda convulsão de artérias
e veias perfuradas
olho verdes e violetas e rosas e laranjas e caramelos
mulheres e cães a dormir em sofás
luzes acesas em hotéis de luxo
cortinados de
renda
e fogões cozinhando canjas de galinha em lume brando
há um –
- dois
gatos
que atravessam rossios de sala
e barcos de tejo
e vejo-me perdido
acumulado de sangue nos olhos
mãos paradas no trabalho
sofro o êxtase de acender um interruptor que não se acende
sofro o êxtase de morrer na praia
como se esperasse em aeroportos gaivotas em terra
ícaro esfolado à beira do sol
a cair
a cair
a cair
a cair
(hino)
coma
profunda convulsão de artérias
e veias perfuradas
olho verdes e violetas e rosas e laranjas e caramelos
mulheres e cães a dormir em sofás
luzes acesas em hotéis de luxo
cortinados de
renda
e fogões cozinhando canjas de galinha em lume brando
há um –
- dois
gatos
que atravessam rossios de sala
e barcos de tejo
e vejo-me perdido
acumulado de sangue nos olhos
mãos paradas no trabalho
sofro o êxtase de acender um interruptor que não se acende
sofro o êxtase de morrer na praia
como se esperasse em aeroportos gaivotas em terra
ícaro esfolado à beira do sol
a cair
a cair
a cair
a cair
(hino)