domingo, outubro 31, 2004
o princípio # 6
bibliambule
à margarida guia, sobre espectáculo realizado na abril em maio em 30.10.2004
foto de susana paiva
satie num minúsculo chão musical
................mar
................ga
................ri
................da
................num minúsculo chão musical
................lâmpada acesa na mola de um cigarro preso a 1ma corda
beckett MICHOT* une mélodie qui…
um lençol de parede desenha-se – ta voix
le gymnopédiste o gato
................quantas palavras tem
quantas línguas a tua boca carrega
quantas letras consegues mover ao mesmo tempo
quantos livros consegues morder só com uma mão
quantas flores consegues acender só com um pé
quantas vezes dás corda ao relógio antes de dormir
quantas vezes dormes sem dar corda ao relógio
quantas vezes sem relógio em dias como hoje atrasa a hora
ta voix, une mélodie qui…
ouves daí lês daí estás a perguntar ou a dizer
vês-me daí lês-me daqui
...................................................mar
...................................................ga
...................................................ri
...................................................da …
… vês-nos daqui
...............estás a perguntar ou a dizer
depois de deslizares que podemos ainda fazer
tirar fotografias das coisas que aqui acontecem
pôr papel na casa de banho
dormir com o gato antes de dar corda ao relógio
pendurar numa corda de roupa e papeis um cigarro na boca de beckett
ta voix, une mélodie – satie num minúsculo chão musical
*jacques-henri michot
à margarida guia, sobre espectáculo realizado na abril em maio em 30.10.2004
foto de susana paiva
satie num minúsculo chão musical
................mar
................ga
................ri
................da
................num minúsculo chão musical
................lâmpada acesa na mola de um cigarro preso a 1ma corda
beckett MICHOT* une mélodie qui…
um lençol de parede desenha-se – ta voix
le gymnopédiste o gato
................quantas palavras tem
quantas línguas a tua boca carrega
quantas letras consegues mover ao mesmo tempo
quantos livros consegues morder só com uma mão
quantas flores consegues acender só com um pé
quantas vezes dás corda ao relógio antes de dormir
quantas vezes dormes sem dar corda ao relógio
quantas vezes sem relógio em dias como hoje atrasa a hora
ta voix, une mélodie qui…
ouves daí lês daí estás a perguntar ou a dizer
vês-me daí lês-me daqui
...................................................mar
...................................................ga
...................................................ri
...................................................da …
… vês-nos daqui
...............estás a perguntar ou a dizer
depois de deslizares que podemos ainda fazer
tirar fotografias das coisas que aqui acontecem
pôr papel na casa de banho
dormir com o gato antes de dar corda ao relógio
pendurar numa corda de roupa e papeis um cigarro na boca de beckett
ta voix, une mélodie – satie num minúsculo chão musical
*jacques-henri michot
sábado, outubro 30, 2004
6 horas 5 minutos AM
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
sexta-feira, outubro 29, 2004
o princípio # 5
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
onze horas e trinta e oito
...........minutos desta manhã
oiço (ainda) o sopro da noite nas bateduras dos relógios
...........sinistros calculadores dos compassos temporais
entrevejo (ainda) a face do gato cego que os persegue
me
...........persegue
...........pé ante
...........pé ponteiro ante
...........ponteiro
gato noctâmbulo informo-te
no último sábado de outubro
os relógios
atrasam a hora
onze horas e trinta e oito
...........minutos desta manhã
oiço (ainda) o sopro da noite nas bateduras dos relógios
...........sinistros calculadores dos compassos temporais
entrevejo (ainda) a face do gato cego que os persegue
me
...........persegue
...........pé ante
...........pé ponteiro ante
...........ponteiro
gato noctâmbulo informo-te
no último sábado de outubro
os relógios
atrasam a hora
quinta-feira, outubro 28, 2004
o princípio # 4
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
prego de cornozelo
prego para estampar supliciados
.......em cruzes
.......de qualidade vária
rebento com raiz na cara
.......ou nas mãos
tumor ímpio ancorado em cascos de corcel
antigo instrumento de teclas - pretas e brancas
.......ou ao contrário
flor
prego de cornozelo
prego para estampar supliciados
.......em cruzes
.......de qualidade vária
rebento com raiz na cara
.......ou nas mãos
tumor ímpio ancorado em cascos de corcel
antigo instrumento de teclas - pretas e brancas
.......ou ao contrário
flor
o princípio # 3
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
o som da noite insulta-me – ouço relógios
e há um gato sem olhos a perseguir-me
.............quando já for manhã poderei jazer no vazio
.............e tu piano dos sonhos dar-me-ás
.............incêndios de prata para me cobrir
ouço relógios
e um gato
a perseguir relógios
o som da noite insulta-me – ouço relógios
e há um gato sem olhos a perseguir-me
.............quando já for manhã poderei jazer no vazio
.............e tu piano dos sonhos dar-me-ás
.............incêndios de prata para me cobrir
ouço relógios
e um gato
a perseguir relógios
quarta-feira, outubro 27, 2004
o princípio # 2
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
once*
como um farol cerúleo pés a arder num vestido
lapso-vácuo em que oscilas desabando
rigorosamente
pliés battements tendus ronds de jambe
o amor apaga-se num beijo incompleto
.............não tens corpo anne de keersmaeker
.............não tens palco
no rectângulo negro que te serve de chão
desenhaste o teu aljube
.............precioso espaço finito
.............onde te despirás muda
.............para o último improviso
tudo acabará no rectângulo negro
anne de keersmaeker
*once,
espectáculo, coreografia e dança
de anne de keersmaeker,
teatro garcia de resende, évora,
26 de outubro de 2004.
once*
como um farol cerúleo pés a arder num vestido
lapso-vácuo em que oscilas desabando
rigorosamente
pliés battements tendus ronds de jambe
o amor apaga-se num beijo incompleto
.............não tens corpo anne de keersmaeker
.............não tens palco
no rectângulo negro que te serve de chão
desenhaste o teu aljube
.............precioso espaço finito
.............onde te despirás muda
.............para o último improviso
tudo acabará no rectângulo negro
anne de keersmaeker
*once,
espectáculo, coreografia e dança
de anne de keersmaeker,
teatro garcia de resende, évora,
26 de outubro de 2004.
terça-feira, outubro 26, 2004
o princípio # 1
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
há olhos inscritos no espelho anão que serve de vigia
.......no camarote deste vapor
olhos esquadrinhadores
temo a assombração de um rio que se afoga numa espécie de saliva – teu perfume
há olhos inscritos em mim
.......olhos encobertos
.......meu amor
há olhos inscritos no espelho anão que serve de vigia
.......no camarote deste vapor
olhos esquadrinhadores
temo a assombração de um rio que se afoga numa espécie de saliva – teu perfume
há olhos inscritos em mim
.......olhos encobertos
.......meu amor
domingo, outubro 24, 2004
tipografia # 40
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
meu único elixir prodigioso
a chuva cai – só cai
e nesse só cair está contida
a líquida condição dos reinos celestes
dias de meteorológica precipitação aquosa
...........querida metáfora da queda angélica dos homens
meu único elixir prodigioso
a chuva cai – só cai
e nesse só cair está contida
a líquida condição dos reinos celestes
dias de meteorológica precipitação aquosa
...........querida metáfora da queda angélica dos homens
sábado, outubro 23, 2004
tipografia # 39
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
debate
lá estava o preto piano de cabaret
..........um velho piano
..........comprado a bom preço
..........à neta de uma velha avó
lá estava o piano
..........lado esquerdo da sala
...............lado direito do orador
....................lado esquerdo dos ouvintes
foram ligados microfones
fizeram-se testes de som
espalharam-se mesas pela sala
as pessoas espalharam-se pelas mesas espalhadas pela sala
...........cada mesa um cinzeiro
...........cada mesa três cadeiras
e o piano estava lá
..........do lado esquerdo da sala
o orador falou
os ouvintes revolveram-se em interpelações
até que saíram todos a correr
..........desgraçadamente
..........o orador estava em fraqueza
..........era preciso dar-lhe sopa
..........ou qualquer outra coisa que o aguentasse em pé
a sala voltou ao vazio primordial
e lá estava o piano
..........do lado esquerdo da sala
preto velho piano de cabaret
comprado a bom preço
à neta de uma velha avó
debate
lá estava o preto piano de cabaret
..........um velho piano
..........comprado a bom preço
..........à neta de uma velha avó
lá estava o piano
..........lado esquerdo da sala
...............lado direito do orador
....................lado esquerdo dos ouvintes
foram ligados microfones
fizeram-se testes de som
espalharam-se mesas pela sala
as pessoas espalharam-se pelas mesas espalhadas pela sala
...........cada mesa um cinzeiro
...........cada mesa três cadeiras
e o piano estava lá
..........do lado esquerdo da sala
o orador falou
os ouvintes revolveram-se em interpelações
até que saíram todos a correr
..........desgraçadamente
..........o orador estava em fraqueza
..........era preciso dar-lhe sopa
..........ou qualquer outra coisa que o aguentasse em pé
a sala voltou ao vazio primordial
e lá estava o piano
..........do lado esquerdo da sala
preto velho piano de cabaret
comprado a bom preço
à neta de uma velha avó
sexta-feira, outubro 22, 2004
tipografia # 38
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
aí estão os novos quinhentos e um heliastas
prontos a formar as suas assembleias
..........flores
..........sócrates
..........borboletas de pequenas asas
..........serão condenados porque não pode deixar de ser
aí estão os novos democratas – biliões e mais um
perfilando os seus pelotões de implacáveis juízes
ainda esta manhã passei pelo oráculo de delfos
estava lá o mesmíssimo insuportável querefonte
..........perguntando perguntando...
eis a resposta
............a milenar resposta oracular:
«todas as flores
todos os sócrates
todas borboletas de pequenas asas
serão sempre causa para as vossas acusações»
já de regresso pensei e tive a certeza
mesmo que o desfecho seja a morte
como uma borboleta de pequenas asas
quero defender-me sozinho contra esta gente
aí estão os novos quinhentos e um heliastas
prontos a formar as suas assembleias
..........flores
..........sócrates
..........borboletas de pequenas asas
..........serão condenados porque não pode deixar de ser
aí estão os novos democratas – biliões e mais um
perfilando os seus pelotões de implacáveis juízes
ainda esta manhã passei pelo oráculo de delfos
estava lá o mesmíssimo insuportável querefonte
..........perguntando perguntando...
eis a resposta
............a milenar resposta oracular:
«todas as flores
todos os sócrates
todas borboletas de pequenas asas
serão sempre causa para as vossas acusações»
já de regresso pensei e tive a certeza
mesmo que o desfecho seja a morte
como uma borboleta de pequenas asas
quero defender-me sozinho contra esta gente
quinta-feira, outubro 21, 2004
hand
tipografia # 37
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
trouxe o teu livro – lembras-te da capa?
.......a gigante bola roxa
.......tapulho gráfico para as tuas linhas e letras
.......dentro
poemas ilimitados como uma árvore decotada
esta tarde leio-te e não te vejo
..........as linhas já não são estradas mágicas
..........as letras já não são segredos
é isto o medo?
«eu vinha para a vida e dão-me dias» *
* título de um poema de ruy belo
trouxe o teu livro – lembras-te da capa?
.......a gigante bola roxa
.......tapulho gráfico para as tuas linhas e letras
.......dentro
poemas ilimitados como uma árvore decotada
esta tarde leio-te e não te vejo
..........as linhas já não são estradas mágicas
..........as letras já não são segredos
é isto o medo?
«eu vinha para a vida e dão-me dias» *
* título de um poema de ruy belo
tipografia # 36
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
em frente
alfinetes vermelhos algemam as duas dimensões de um rosto
– um retrato? tina modotti numa parede branca
à direita
crivada de azuis está frida
kahlo colorindo torturas
frida sagrada santa sebastião com um laço cor-de-rosa
amparando o que lhe resta da cabeça
à esquerda sem alfinetes
espalhada por duas páginas de jornal
a fotografia de um tipo com uns óculos maiores que o corpo
está sentado junto à matricula de um carro
FH-33-90 – hino soletrado de p-o-r-t-u-g-a-l:
morreu joão césar monteiro
em frente
alfinetes vermelhos algemam as duas dimensões de um rosto
– um retrato? tina modotti numa parede branca
à direita
crivada de azuis está frida
kahlo colorindo torturas
frida sagrada santa sebastião com um laço cor-de-rosa
amparando o que lhe resta da cabeça
à esquerda sem alfinetes
espalhada por duas páginas de jornal
a fotografia de um tipo com uns óculos maiores que o corpo
está sentado junto à matricula de um carro
FH-33-90 – hino soletrado de p-o-r-t-u-g-a-l:
morreu joão césar monteiro
quarta-feira, outubro 20, 2004
tipografia # 35
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
mariana... já não há gente nas exíguas centrais eléctricas que
empregavam milhares de minúsculos anões artificiais
mariana... não te esqueças do meu jardim d
as pequenas ervas de cheiro d
as vermelhas e diabólicas malaguetas
mariana... não te esqueças da floresta
mariana... já não há gente nas exíguas centrais eléctricas que
empregavam milhares de minúsculos anões artificiais
mariana... não te esqueças do meu jardim d
as pequenas ervas de cheiro d
as vermelhas e diabólicas malaguetas
mariana... não te esqueças da floresta
terça-feira, outubro 19, 2004
tipografia # 34
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
cri nesse afeiçoamento unificador de asas em cadeia
..........(crera já em tantas coisas menos voadoras...)
cri nas flores galopantes das nossas conversas
..........os cafés as ruas a chuva os dias de incenso
cri em luvas brancas gládios flamejantes
........chorei nas passadas silenciosas
........que esquadrei em redor do teu túmulo
cri em luzes acesas
........por nós
........luminária – livro – força
(olho agora direito – directo
os teus olhos turvos:
obediente burocrata
e nem lamentar te lamento)
cri nesse afeiçoamento unificador de asas em cadeia
..........(crera já em tantas coisas menos voadoras...)
cri nas flores galopantes das nossas conversas
..........os cafés as ruas a chuva os dias de incenso
cri em luvas brancas gládios flamejantes
........chorei nas passadas silenciosas
........que esquadrei em redor do teu túmulo
cri em luzes acesas
........por nós
........luminária – livro – força
(olho agora direito – directo
os teus olhos turvos:
obediente burocrata
e nem lamentar te lamento)
segunda-feira, outubro 18, 2004
tipografia # 33
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
ao regresso da íntima fracção
tocas-me íntima sonoridade
flor explosiva estilhaçando o éter
coração cipreste de uma longínqua telefonia
és som a sal que me rompe
hora de um azul vertical sem palavras
esta é a noite sem sono
a noite de ulisses
...........deitado
...........sóbrio
...........armado esperando a partida
a noite antes da primeira
alegria sem fios
ao regresso da íntima fracção
tocas-me íntima sonoridade
flor explosiva estilhaçando o éter
coração cipreste de uma longínqua telefonia
és som a sal que me rompe
hora de um azul vertical sem palavras
esta é a noite sem sono
a noite de ulisses
...........deitado
...........sóbrio
...........armado esperando a partida
a noite antes da primeira
alegria sem fios
alegria sem fios
"Regresso ao éter.
Noites de domingo para segunda, à meia-noite, na RUC - Rádio Universidade de Coimbra. Já no final deste fim-de-semana.
Em 107.9 FM e na Net.
Tentarei colocar online as emissões, para quem não conseguir captar em directo.
Para já.
Em breve, explicarei aqui as razões desta opção.
Obrigado à RUC. Obrigado a todos os que não abdicaram da IF durante este ano de quase ausência."
Francisco Amaral
Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir.
o blog indispensável
no ar líquido
Li Ts'ing Chao ( c. 1081-c.1140)
Extinguia-se o perfume dos vermelhos nenúfares.
O ar leve do Outono penetrava através das pérolas de jade da cortina.
Quem me mandava essas mensagens de amor, desde as nuvens,
na barca das orquídeas, ao resplendor das tochas?
Li Ts'ing Chao
Li Ts'ing Chao ( c. 1081-c.1140)
Extinguia-se o perfume dos vermelhos nenúfares.
O ar leve do Outono penetrava através das pérolas de jade da cortina.
Quem me mandava essas mensagens de amor, desde as nuvens,
na barca das orquídeas, ao resplendor das tochas?
Li Ts'ing Chao
sopa
tipografia # 32
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
é a última noite
ponho-me a observar a palma da mão esquerda
procuro nos tais sulcos da adivinhação do tempo
a hora certa
lá fora dispara o alarme de um carro
e a palma da minha mão é só planura
seja como for
adormecer já não depende de mim
é a última noite
ponho-me a observar a palma da mão esquerda
procuro nos tais sulcos da adivinhação do tempo
a hora certa
lá fora dispara o alarme de um carro
e a palma da minha mão é só planura
seja como for
adormecer já não depende de mim
sábado, outubro 16, 2004
tolstoi a história de um emprego
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
história de um emprego, contada por vítor silva tavares, insigne passador de livros através de uma editora chamada & etc., durante uma sessão do ciclo “e se fossemos mesmo passadores”, promovido pela abril em maio, no dia 15 de outubro de 2004, aqui modestamente contada por frederico mira george.
para o vítor silva tavares, muito afectuosamente,
o vítor silva tavares já foi novo – atestado pelo próprio
tolstoi – a história de um emprego
era rapaz e arranjava empregos onde não fazia nenhum
não lhe bastando conseguir arranjar empregos
onde não fizesse nenhum
empregou-se
o petiz
numa empresa que só de ouvir o nome dá vontade de sentar
SANITAS
SANITAS dis
tinta empresa de materiais hospitalares
vendia – como é evidente – os seus úteis produtos a
hospitais
lares
casas de saúde e ou de pasto
escolas médicas – eu sei lá
o protagonista
quando contou esta coisa que lhe aconteceu fez uma lista dos artefactos SANITAS então disponíveis para colocação no mercado:
fórceps
arrastadeiras
tripés para balões de soro
macacos elevatórios para camas ortopédicas
& etc.
o herói desta história também contou
ente parêntesis
que tirava à sorrelfa valentes sornas
nas enfermarias
de
um
hospital
de
santa maria
justificou-se depois dizendo que as ditas enfermarias ainda
estavam por estrear – desculpas…
adiante
como se tal sorte
a sorte deste emprego não bastasse
levava escondidos sob os sovacos livros
LIVROS – L-I-V-R-O-S
envés (suponho eu) de acartar com preciosos catálogos ilustrativos de tão modernos fórceps arrastadeiras tripés para balões de soro macacos elevatórios para camas ortopédicas demais produtos SANITAS
& etc.
e lia
é que ainda por cima
o jovem lia
os livros talvez cheirassem a sovaco
mas lia
quem sabe sentado em cadeiras de dentista
por estrear
é claro
como tudo o que é funcionário
os funcionários da SANITAS
tinham um chefe e o
v
i
t
o
r também tinha o seu chefe
um engenheiro
a quem ele muito respeitosamente
trataria por (sou eu que digo)
s
e
n
h
o
r engenheiro
certo dia cinzento
cansativo dia de árduo trabalho SANITário
o senhor engenheiro chamou o menino vítor à sua presença
e é aqui que a história ganha um pedaço de interesse
- ó tavares
você conhece o tolstoi?
- perfeitamente senhor engenheiro
- conhece o guerra e paz?
- perfeitamente senhor engenheiro
- sabe o tavares que é um livro
grosso
volumoso
difícil?
- perfeitamente senhor engenheiro
- sabe o tavares que não tenho tempo para ler…
- ai sim senhor engenheiro
- pois…
sem querer interromper as suas tarefas…
o tavares é que me podia fazer um favor…
- diga senhor engenheiro
- o meu amigo
se pudesse
lia-me pela manhã o guerra e paz
- perfeitamente senhor engenheiro
- mas ó tavares olhe que é grosso
muito grosso
- perfeitamente senhor engenheiro é grosso
muito grosso
- se o tavares abreviasse aquilo em capítulos ia-me aliviando da grossura
- ah!
mas
perfeitamente
senhor
engenheiro
e
como se costuma dizer
assim foi
pelas nove da manhã
nove e meia vá
o jovem vítor ia para a SANITAS
e recitava em episódios o tolstoi ao
senhor engenheiro
caso ainda não se tenha dado por isso
informa-se que o menino vítor era um funcionário SANITAS
diria…
cábula
(uso a expressão cábula que é um vocábulo que não ofende e pode até ser ouvido por crianças e cavalheiros)
de maneira que ia adaptando a guerra
e
a
paz
ao menor esforço da sua memória e da sua saliva
dia 1
- senhor engenheiro
“o pedro caiu do cavalo e tal e tal”
dia 2
- senhor engenheiro
“assim sucessivamente”
e
por aí fora manhã após manhã
consta…
diz-se…
que esta experiência do
agora
s
e
n
h
o
r vítor silva tavares & etc.
foi
terá sido
a primeira adaptação televisiva de tolstoi em portugal
pena é que na altura ainda não houvesse tv
é que isto já foi há muitos muitos muitos muitos anos
como aliás se pode imaginar
ou será que já havia?
o certo é que tinha sido um belo emprego para o jovem vítor
certamente empenhado no oficio
a rtp
teria granjeado um adaptador de romances e tanto
e
quiçá
até tivesse sido levado ao directo
nas tão saudosas “noites de teatro”
uma guerra e paz
com actores em collants a encornar o elenco e
com muita sorte
uma figuração especial por nicolau breyner
montando um cavalo de pau e tudo
disse
p.s.
a SANITAS já não existe. o velho edifício ali ao rato já foi demolido e construído no seu lugar um outro da lavra arquitectónica de um dos seus herdeiros. o senhor engenheiro se vivo (pouco provável) mantém viva a chama de uma gratidão sem paga por esse seu funcionário leitor. o melhor de sempre da sua SANITAS.
história de um emprego, contada por vítor silva tavares, insigne passador de livros através de uma editora chamada & etc., durante uma sessão do ciclo “e se fossemos mesmo passadores”, promovido pela abril em maio, no dia 15 de outubro de 2004, aqui modestamente contada por frederico mira george.
para o vítor silva tavares, muito afectuosamente,
o vítor silva tavares já foi novo – atestado pelo próprio
tolstoi – a história de um emprego
era rapaz e arranjava empregos onde não fazia nenhum
não lhe bastando conseguir arranjar empregos
onde não fizesse nenhum
empregou-se
o petiz
numa empresa que só de ouvir o nome dá vontade de sentar
SANITAS
SANITAS dis
tinta empresa de materiais hospitalares
vendia – como é evidente – os seus úteis produtos a
hospitais
lares
casas de saúde e ou de pasto
escolas médicas – eu sei lá
o protagonista
quando contou esta coisa que lhe aconteceu fez uma lista dos artefactos SANITAS então disponíveis para colocação no mercado:
fórceps
arrastadeiras
tripés para balões de soro
macacos elevatórios para camas ortopédicas
& etc.
o herói desta história também contou
ente parêntesis
que tirava à sorrelfa valentes sornas
nas enfermarias
de
um
hospital
de
santa maria
justificou-se depois dizendo que as ditas enfermarias ainda
estavam por estrear – desculpas…
adiante
como se tal sorte
a sorte deste emprego não bastasse
levava escondidos sob os sovacos livros
LIVROS – L-I-V-R-O-S
envés (suponho eu) de acartar com preciosos catálogos ilustrativos de tão modernos fórceps arrastadeiras tripés para balões de soro macacos elevatórios para camas ortopédicas demais produtos SANITAS
& etc.
e lia
é que ainda por cima
o jovem lia
os livros talvez cheirassem a sovaco
mas lia
quem sabe sentado em cadeiras de dentista
por estrear
é claro
como tudo o que é funcionário
os funcionários da SANITAS
tinham um chefe e o
v
i
t
o
r também tinha o seu chefe
um engenheiro
a quem ele muito respeitosamente
trataria por (sou eu que digo)
s
e
n
h
o
r engenheiro
certo dia cinzento
cansativo dia de árduo trabalho SANITário
o senhor engenheiro chamou o menino vítor à sua presença
e é aqui que a história ganha um pedaço de interesse
- ó tavares
você conhece o tolstoi?
- perfeitamente senhor engenheiro
- conhece o guerra e paz?
- perfeitamente senhor engenheiro
- sabe o tavares que é um livro
grosso
volumoso
difícil?
- perfeitamente senhor engenheiro
- sabe o tavares que não tenho tempo para ler…
- ai sim senhor engenheiro
- pois…
sem querer interromper as suas tarefas…
o tavares é que me podia fazer um favor…
- diga senhor engenheiro
- o meu amigo
se pudesse
lia-me pela manhã o guerra e paz
- perfeitamente senhor engenheiro
- mas ó tavares olhe que é grosso
muito grosso
- perfeitamente senhor engenheiro é grosso
muito grosso
- se o tavares abreviasse aquilo em capítulos ia-me aliviando da grossura
- ah!
mas
perfeitamente
senhor
engenheiro
e
como se costuma dizer
assim foi
pelas nove da manhã
nove e meia vá
o jovem vítor ia para a SANITAS
e recitava em episódios o tolstoi ao
senhor engenheiro
caso ainda não se tenha dado por isso
informa-se que o menino vítor era um funcionário SANITAS
diria…
cábula
(uso a expressão cábula que é um vocábulo que não ofende e pode até ser ouvido por crianças e cavalheiros)
de maneira que ia adaptando a guerra
e
a
paz
ao menor esforço da sua memória e da sua saliva
dia 1
- senhor engenheiro
“o pedro caiu do cavalo e tal e tal”
dia 2
- senhor engenheiro
“assim sucessivamente”
e
por aí fora manhã após manhã
consta…
diz-se…
que esta experiência do
agora
s
e
n
h
o
r vítor silva tavares & etc.
foi
terá sido
a primeira adaptação televisiva de tolstoi em portugal
pena é que na altura ainda não houvesse tv
é que isto já foi há muitos muitos muitos muitos anos
como aliás se pode imaginar
ou será que já havia?
o certo é que tinha sido um belo emprego para o jovem vítor
certamente empenhado no oficio
a rtp
teria granjeado um adaptador de romances e tanto
e
quiçá
até tivesse sido levado ao directo
nas tão saudosas “noites de teatro”
uma guerra e paz
com actores em collants a encornar o elenco e
com muita sorte
uma figuração especial por nicolau breyner
montando um cavalo de pau e tudo
disse
p.s.
a SANITAS já não existe. o velho edifício ali ao rato já foi demolido e construído no seu lugar um outro da lavra arquitectónica de um dos seus herdeiros. o senhor engenheiro se vivo (pouco provável) mantém viva a chama de uma gratidão sem paga por esse seu funcionário leitor. o melhor de sempre da sua SANITAS.
sexta-feira, outubro 15, 2004
tipografia # 31
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
enquanto uma coisa feminina o esfrega
ele fecha-se fixando os olhos na torneira do gás
a mulher repugna-o
repugna-o a toalha de pano turco
cor-de-rosa-pó-de-arroz que
cheira a alcatrão
e ela passa-o todo a pano com aquele cheiro a estrada
o asseio não dura mais de quinze minutos
enquanto uma coisa feminina o esfrega
ele fecha-se fixando os olhos na torneira do gás
a mulher repugna-o
repugna-o a toalha de pano turco
cor-de-rosa-pó-de-arroz que
cheira a alcatrão
e ela passa-o todo a pano com aquele cheiro a estrada
o asseio não dura mais de quinze minutos
há quanto tempo não te confessavas?
hoje no público
Luís Serpa, galerista, confessa, começando por citar che guevara
"A revolução, diz Luís Serpa, faz-se como dizia Che Guevara, com "um dois, três, sete, muitos Vietnames". Ou seja, muitos centros de arte contemporânea, comissários, possibilidades de confronto entre iniciativas. [...]
Mas que relação deve um galerista ter, por exemplo, com o artista?
Eu acho que é bom que o artista mantenha uma certa equidistância do galerista. No sistema de mercado há o galerista, o coleccionador e o crítico. No centro está o artista. E é ele que tem que gerir este regime de forças. Tem que agradar ao galerista para que o exponha. Tem que agradar ao coleccionador para que o compre. E tem agradar à crítica para que legitime o seu trabalho. Mas este é sistema de mercado. [...]"
Luís Serpa, galerista, confessa, começando por citar che guevara
"A revolução, diz Luís Serpa, faz-se como dizia Che Guevara, com "um dois, três, sete, muitos Vietnames". Ou seja, muitos centros de arte contemporânea, comissários, possibilidades de confronto entre iniciativas. [...]
Mas que relação deve um galerista ter, por exemplo, com o artista?
Eu acho que é bom que o artista mantenha uma certa equidistância do galerista. No sistema de mercado há o galerista, o coleccionador e o crítico. No centro está o artista. E é ele que tem que gerir este regime de forças. Tem que agradar ao galerista para que o exponha. Tem que agradar ao coleccionador para que o compre. E tem agradar à crítica para que legitime o seu trabalho. Mas este é sistema de mercado. [...]"
quinta-feira, outubro 14, 2004
tipografia # 30
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
sei que vestes o casaco de gola peluda se de
manhã faz frio sei que dás laços nos ataca
dores dos sapatos com esforço
sei que tosses que te arrepias
sei das noites em que a dobra do lençol
te sobe ao rosto absorvendo a respiração
sei de ti tantas coisas dispersas
que as coisas que sei de ti
só sei de ti
sei que vestes o casaco de gola peluda se de
manhã faz frio sei que dás laços nos ataca
dores dos sapatos com esforço
sei que tosses que te arrepias
sei das noites em que a dobra do lençol
te sobe ao rosto absorvendo a respiração
sei de ti tantas coisas dispersas
que as coisas que sei de ti
só sei de ti
quarta-feira, outubro 13, 2004
tipografia # 29
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
todos os dias o comboio
um rochedo de sintra –
...........visão gigantesca
...........do húmus terrestre –
se tivesse navios nos braços e
olhos verdes desses penetrantes abrindo
fendas curvas no ar espelhado
seria ponteiro dos segundos
juiz no relógio «reguladora» daquela estação preta
esperando
vos
todos os dias o comboio
um rochedo de sintra –
...........visão gigantesca
...........do húmus terrestre –
se tivesse navios nos braços e
olhos verdes desses penetrantes abrindo
fendas curvas no ar espelhado
seria ponteiro dos segundos
juiz no relógio «reguladora» daquela estação preta
esperando
vos
terça-feira, outubro 12, 2004
cadernos de fotografia # 3
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
segunda-feira, outubro 11, 2004
tipografia # 28 (versão final)
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
para luis bernardo honwana
para maria joão seixas
com vestidura de cobertor
.............acoitado no desvão –
.............sagração de águas
.............furtadas janelas de vitral –
olhava as gatas
antes de se deitar ainda lhes acenava com a bandeira
negra roubada na guerra d
as mãos dos pretos*
trapo unicolor de dizer adeus
*conto de LBH, in “nós matámos o cão tinhoso”
para luis bernardo honwana
para maria joão seixas
com vestidura de cobertor
.............acoitado no desvão –
.............sagração de águas
.............furtadas janelas de vitral –
olhava as gatas
antes de se deitar ainda lhes acenava com a bandeira
negra roubada na guerra d
as mãos dos pretos*
trapo unicolor de dizer adeus
*conto de LBH, in “nós matámos o cão tinhoso”
domingo, outubro 10, 2004
tipografia # 27
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
não basta querer ter flores
não é ainda o tempo do teu merecimento
uma palavra que dê girassóis junto à janela
devora vasos
consome barro à chegada das sementes
consola-te com o incompleto som das
raízes que já te habitam:
os desejos
não basta querer ter flores
não é ainda o tempo do teu merecimento
uma palavra que dê girassóis junto à janela
devora vasos
consome barro à chegada das sementes
consola-te com o incompleto som das
raízes que já te habitam:
os desejos
sexta-feira, outubro 08, 2004
tipografia # 26
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
há um pequeno sinal
na sequência interna de cada proteína
– notícia como qualquer outra lida
entre o desporto e as palavras cruzadas
a economia e as charadas dos xadrezistas –
há um pequeno sinal
que indica à célula o seu tempo de vida
algo divinamente físico que decide o momento do sacrifício
o caminho para o fim
– no fundo da página impressa
há ainda oito diferenças para descobrir entre duas imagens idênticas –
desafios da vida
há um pequeno sinal
na sequência interna de cada proteína
– notícia como qualquer outra lida
entre o desporto e as palavras cruzadas
a economia e as charadas dos xadrezistas –
há um pequeno sinal
que indica à célula o seu tempo de vida
algo divinamente físico que decide o momento do sacrifício
o caminho para o fim
– no fundo da página impressa
há ainda oito diferenças para descobrir entre duas imagens idênticas –
desafios da vida
quarta-feira, outubro 06, 2004
tipografia # 25
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
o sacerdote recitante de mantras
o amarelo papagaio nefrítico ca
lou-se de vez caindo a meio de um
OM em voz trémula
espalhou-se no tapete da sala do trono –- do trovão d
a sala do trovão –- morreu e não bebia
e não fumava os rins é que o mataram
depois do sucedido
na ala cardinalícia do hospital
adaptaram a um antigo troneto um poleiro de ouro
e acorrentaram um anjo mudo
encantador de microscópicas andorinhas coloridas
:
lápis-lazúli rubi madrepérola cor-de-laranja – andor
inhas cor-da-rosa
agora
sobre
o túmulo
do recitante papagaio amarelo
caem finas poeiras voadoras enfeitiçadas
obra de um anjo insonoro
acorrentado à vontade de um antístite
o sacerdote recitante de mantras
o amarelo papagaio nefrítico ca
lou-se de vez caindo a meio de um
OM em voz trémula
espalhou-se no tapete da sala do trono –- do trovão d
a sala do trovão –- morreu e não bebia
e não fumava os rins é que o mataram
depois do sucedido
na ala cardinalícia do hospital
adaptaram a um antigo troneto um poleiro de ouro
e acorrentaram um anjo mudo
encantador de microscópicas andorinhas coloridas
:
lápis-lazúli rubi madrepérola cor-de-laranja – andor
inhas cor-da-rosa
agora
sobre
o túmulo
do recitante papagaio amarelo
caem finas poeiras voadoras enfeitiçadas
obra de um anjo insonoro
acorrentado à vontade de um antístite
terça-feira, outubro 05, 2004
tipografia # 24
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
sony
“FM 88 91 94 97 100 103 106 MHz”
“AM 540 600 700 800 1000 1200 1400 1600 KHz”
todas as sonoridades possíveis misteriosamente ocultas sob
esta encriptada chave – sob este enigma numérico laboriosamente
gravado na testa da minha telefonia prateada
um olho fitando o neófito que se aproxima do portal do templo
espero obstinado o regresso das chuvas
sony
“FM 88 91 94 97 100 103 106 MHz”
“AM 540 600 700 800 1000 1200 1400 1600 KHz”
todas as sonoridades possíveis misteriosamente ocultas sob
esta encriptada chave – sob este enigma numérico laboriosamente
gravado na testa da minha telefonia prateada
um olho fitando o neófito que se aproxima do portal do templo
espero obstinado o regresso das chuvas
segunda-feira, outubro 04, 2004
tipografia # 23
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
olho para estas finíssimas lâminas c
om coloridos caracteres pali
língua sagrada para os budistas i
a
o
meu lado um orangotango paraplégico
– meu doce instrutor dos amores – aponta com um
dedo peludo ruivo e unhudo cada um dos signos
vacuidade
é o que lá está escrito diz o meu mestre
olho para estas finíssimas lâminas c
om coloridos caracteres pali
língua sagrada para os budistas i
a
o
meu lado um orangotango paraplégico
– meu doce instrutor dos amores – aponta com um
dedo peludo ruivo e unhudo cada um dos signos
vacuidade
é o que lá está escrito diz o meu mestre
domingo, outubro 03, 2004
Contadores de Caracteres - Carta ao Presidente
Ex.mo Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Évora
Dr. José Ernesto d’Oliveira
Justificando o meu pedido de apoio à autarquia a que preside
para a edição deste terceiro número dos cadernos de fotografia:
krauser
por razões que não sei explicar,
razões que ainda estão por estudar –
quem é que ainda se interessa por estas coisas? – évora, essa
mesma do templo de diana, da igreja católica e da sua inquisição
a antiga e a actual
a do pc imperial e do seu teatro de objectos,
essa mesma,
foi palco de uma extraordinária actividade tipográfica, operária, durante
muitos
muitos
anos e que dura até hoje. bem…
até hoje não é bem assim, a partir de certa altura
as tipografias deixaram de ser tipografias para serem
aquilo a que chamam
a
si
próprias:
................* gráficas
objectivo foi claro e alcançado: arrecadar trabalho de ‘concepção gráfica’
aproveitando os sofetuéres informáticos ‘prontos a usar’
e
mão de obra (ainda) mais barata.
aconteceu por todo o lado.
descaracterizaram-se aqueles lugares de labor
perdeu-se uma coisa que hoje toda a gente faz-de-conta que não existe nem nunca existiu
a consciência de classe
mas também o que é que isso interessa.
volte ao princípio s.f.f.
em évora, essa mesma em que está a pensar,
há muitas tipografias
e uma litografia
quase todas transformadas em “gráficas”
muito do seu antigo espólio foi deitado fora
roubado
vendido
........... ao desbarato
“levado” por - como dizer - coleccionadores
etc.
juntamente com o extermínio da diversidade na imprensa eborense
as tipografias locais
(com excepção de duas:
a gráfica eborense, editora do jornal a defesa da igreja católica e
de uma miríade de pequenos jornais de paróquia de todo o alentejo
e a gráfica do diário do sul)
foram dedicando os seus dias a outras coisas:
cartazes das festas de verão (aqueles
onde se reproduzem milhares de logótipozinhos de lojas)
touradas
campanhas eleitorais sem política
noites de faduncho
e outras tarefas que só de as nomear…
e
principalmente, dedicaram-se a
cair
nas boas graças das autarquias
pois é delas que vem o grosso dos rendimentos
algumas coisas ficaram
máquinas ainda a trabalhar:
poderosas heidelberg de impressão a uma e duas cores
guilhotinas krauser de arrepiar os dedos dos mais corajosos
e
a memória
e a experiência de alguns homens de excepção
operários desse nome nas fábricas de imprimir papéis
se na vida,
esta a que temos direito,
vale a pena lembrar pessoas
para
como disse o mário dionísio
viver com alguma dignidade numa sociedade que não a tem
aqui ficam nomes
de alguns desses operários
que ainda operam
a ópera dos caracteres
mestre francisco pomar – gráfica eborense
mestre justo maria nabais – litografia diana
joão caeiro e josé domingos – gráfica eborense
trabalhadores das novas histórias de caracteres
já não de chumbo
contadores de caracteres luminosos
da luz do ecrã dos seus computadores
jacinto palaio – gráfica eborense
delicado aferidor de cores
comandante de um couraçado impressor
poeta da força manual com que navega a sua
gigante
heidelberg
e
mestre edmundo cajana - gráfica eborense
que já não trabalhando
transporta ainda nos olhos a força das suas mãos limpas
sujas com tinta
a eles estes cadernos são dedicados
e é esta a justificação (se tal é necessária)
da edição deste terceiro número.
* a inclusão de ......... corresponde a espaços no original
FMG
22-09-2004
Presidente da Câmara Municipal de Évora
Dr. José Ernesto d’Oliveira
Justificando o meu pedido de apoio à autarquia a que preside
para a edição deste terceiro número dos cadernos de fotografia:
krauser
por razões que não sei explicar,
razões que ainda estão por estudar –
quem é que ainda se interessa por estas coisas? – évora, essa
mesma do templo de diana, da igreja católica e da sua inquisição
a antiga e a actual
a do pc imperial e do seu teatro de objectos,
essa mesma,
foi palco de uma extraordinária actividade tipográfica, operária, durante
muitos
muitos
anos e que dura até hoje. bem…
até hoje não é bem assim, a partir de certa altura
as tipografias deixaram de ser tipografias para serem
aquilo a que chamam
a
si
próprias:
................* gráficas
objectivo foi claro e alcançado: arrecadar trabalho de ‘concepção gráfica’
aproveitando os sofetuéres informáticos ‘prontos a usar’
e
mão de obra (ainda) mais barata.
aconteceu por todo o lado.
descaracterizaram-se aqueles lugares de labor
perdeu-se uma coisa que hoje toda a gente faz-de-conta que não existe nem nunca existiu
a consciência de classe
mas também o que é que isso interessa.
volte ao princípio s.f.f.
em évora, essa mesma em que está a pensar,
há muitas tipografias
e uma litografia
quase todas transformadas em “gráficas”
muito do seu antigo espólio foi deitado fora
roubado
vendido
........... ao desbarato
“levado” por - como dizer - coleccionadores
etc.
juntamente com o extermínio da diversidade na imprensa eborense
as tipografias locais
(com excepção de duas:
a gráfica eborense, editora do jornal a defesa da igreja católica e
de uma miríade de pequenos jornais de paróquia de todo o alentejo
e a gráfica do diário do sul)
foram dedicando os seus dias a outras coisas:
cartazes das festas de verão (aqueles
onde se reproduzem milhares de logótipozinhos de lojas)
touradas
campanhas eleitorais sem política
noites de faduncho
e outras tarefas que só de as nomear…
e
principalmente, dedicaram-se a
cair
nas boas graças das autarquias
pois é delas que vem o grosso dos rendimentos
algumas coisas ficaram
máquinas ainda a trabalhar:
poderosas heidelberg de impressão a uma e duas cores
guilhotinas krauser de arrepiar os dedos dos mais corajosos
e
a memória
e a experiência de alguns homens de excepção
operários desse nome nas fábricas de imprimir papéis
se na vida,
esta a que temos direito,
vale a pena lembrar pessoas
para
como disse o mário dionísio
viver com alguma dignidade numa sociedade que não a tem
aqui ficam nomes
de alguns desses operários
que ainda operam
a ópera dos caracteres
mestre francisco pomar – gráfica eborense
mestre justo maria nabais – litografia diana
joão caeiro e josé domingos – gráfica eborense
trabalhadores das novas histórias de caracteres
já não de chumbo
contadores de caracteres luminosos
da luz do ecrã dos seus computadores
jacinto palaio – gráfica eborense
delicado aferidor de cores
comandante de um couraçado impressor
poeta da força manual com que navega a sua
gigante
heidelberg
e
mestre edmundo cajana - gráfica eborense
que já não trabalhando
transporta ainda nos olhos a força das suas mãos limpas
sujas com tinta
a eles estes cadernos são dedicados
e é esta a justificação (se tal é necessária)
da edição deste terceiro número.
* a inclusão de ......... corresponde a espaços no original
FMG
22-09-2004
tipografia # 22
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
évora
flechas
matriciais linhas elo em curto-circuito
como dores azuis no parto na dissolução ofegante d
a
semente longitudinal das maúbas
(sementes de maúba –
como se eu as soubesse)
dores de um parto nado morto subindo
trepando
rugosas paredes de uterinas
hoje estou cá e és expoente relâmpago e pe
dra diluída
évora
flechas
matriciais linhas elo em curto-circuito
como dores azuis no parto na dissolução ofegante d
a
semente longitudinal das maúbas
(sementes de maúba –
como se eu as soubesse)
dores de um parto nado morto subindo
trepando
rugosas paredes de uterinas
hoje estou cá e és expoente relâmpago e pe
dra diluída
adeus a fialho na "íntima"
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
sexta-feira, outubro 01, 2004
tipografia # 21
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
já não és presença
já não és memória
és final-
-mente
chumbo deitado ao rio
já não és presença
já não és memória
és final-
-mente
chumbo deitado ao rio