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sábado, novembro 11, 2006

O LODO 

O LODO
(finalmente)
Monólogo para Mais que Um

Eu sou o Lodo!
E digo outra vez:
Eu sou o Lodo!
E digo em voz baixa
porque quando se fala em voz baixa
as bestas põem-se de cócoras
........isto porque o Homem é a expressão
........distorcida das galinhas

Eu fui gente!
........(mas só no momento em que nasci)
Sou
Agora terra estrumenta
e
água escura, onde vos hei-de submergir (só até à cabeça).
As vossas cabecinhas hão-de ficar de fora
a ver tudo
com
os
olhinhos à volta nas órbitas, enquanto,
afundados, os vossos pezinhos e mãozinhas
se consumirão em veias abertas e vermes pelos pés.

Eu,
que já fui gente (mas só no momento em que nasci)
Não
Quero mais, nunca,
ser nada que se pareça com a fuça humana.
E a minha única esperança é que pORTUGAL caia
desamparado de um penhasco
e vos engula, vocês os espertos, os delicados, os que se sabem esconder,
os inteligentíssimos, os oradores de esquerda: as pistolas do fascismo.
E vocês fascistas que são as munições das gargantas da esquerda.
Caído, pORTUGAL há-de estatelar-se para arder no mar.
E, se por um azar,
houver um português adulto que se escape, em consequência
de acções bondosas das suas vidas anteriores,
que lhe seja concedida a máxima glória de estar vivo:
a sublime condição de APÁTRIDA.
Ser Apátrida é a única possível oportunidade, para alguns portugueses,
de terem no corpo a latejar uma nação onde o sangue brote
de inteligência e o cérebro de sensibilidade.

Enquanto pORTUGAL não cai,
........(só por uma questão de engenharia.
........Pois continua, como uma ponte, entalado
........entre a Espanha e o Oceano Americano)
eu vos exorcizo da vida, contentes gozadores de fim-de-semana,
tristes turistas de chinelos em excursões, jovens empresários e
obedientes operários da era moderna, escravos de um servicinho,
criadas de servir do nosso tempo,
sempre gratos aos patrões pelo salário de trampa que usam para
as festarolas de sábado à noite.
Também a vós, patrões que são patrões e nem conhecem os vossos
patrões e é só por isso que julgam que são patrões, eu vos exorcizo, e a vós jovens progressistas e a vós jovens conservadores, vós todos que não sabem ser amados porque julgam que amar é andar de gatas.

Quando aqui estiverem,
submersos em mim, Lodo – finalmente,
com as cabecinhas de fora,
então quero ver-vos a engatarem-se nas feiras populares das vossas noites.
Aqui dentro, quero ouvir as vossas vozinhas a dizer os «amo-tes» das bebedeiras com ou sem álcool, deslumbrados pela cópula dos vossos cérebros
com a vossa imbecilidade.
Aqui,
no Lodo,
Engatem-se, vá, façam lá os vossos joguinhos de piscar d’olhos
e apalpões de dança, enquanto toda a merda que fumam e engolem
vos deixa ainda mais brutos,
e nem era preciso porque já são brutos que chegue – Aqui
é que vos quero ver a snifar traços contínuos de auto-estrada e
a fumar erva de urtiga – Aqui
vos quero ver a vomitar a cerveja que não mijaram
ao mesmo tempo que dizem «querida» com os beiços colados
às bocas que vos calham.

Quando aqui estiverem,
com as cabecinhas de fora,
então, quero ver-vos, gente cheia de achar coisas, paquidermes
que nem um só dia se sentaram a respirar só para reparar nisso. E Aqui
que quero ver as vossas boquinhas a mexer em oração a ver se atingem
a iluminação à pressa – é Aqui que quero ver-vos, especialmente a vocês,
sacerdotes de todas as religiões, vocês que para além das farpelas que vestem não são nada, não mudam nada, nem sabem o que são
porque justamente pensam que são as farpelas que vestem.
Aqui se atasquem, unidos, espiritualistas de todo o mundo!

Eu sou Lodo, sim!
E rio-me.
De vos ver a lavar os dentes que é a única coisa
que fazem com competência, burgueses de boca aberta à espera de mais
como os animais no jardim zoológico.
Eis o que são, dentes brancos e sovacos desodorizados.
Até a pele se vos foi no banhinho diário.

Rio-me de tudo o que vocês são
porque já chorei tudo o que tinha para chorar
e fiquem sabendo
que foram as MINHAS lágrimas
que embeberam o estrume com que deus me fez
e dessa amalgama floriu o Lodo que vos engolirá.

Quando aqui estiverem
com as cabecinhas de fora
ó actores, façam lá os vossos teatrinhos,
actores e ex-encenadores que agora são directores artísticos
e conceptualizadores de «engenhos performativos». Pois
venham, venham aqui ter, peões de brega, moscas dos holofotes.

Aqui,
com as cabecinhas de fora,
há-de arrastar-se um país de poetas.
Aqui,
Hão-de arrastar-se os romancistas que continuam a julgar que têm histórias
para contar quando todas as histórias do mundo já foram contadas mas ninguém, nem um cavalo, as viveu.

Quando chegar o dia de todas as bestas,
de todos os países,
com pORTUGAL à frente,
este Lodo mover-se-á para vos engolir,
e com excepção das vossas cabeças que hão-de boiar
pela eternidade numa outra galáxia,
então baterão no fundo deste Lodo,
a água tornar-se-á límpida e salgada e
todos os risos e todas as lágrimas se salvarão.

Livres de vós,
o Lodo – finalmente,
entrará no luminoso vazio.

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