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sexta-feira, julho 28, 2006

primeiros poemas # 14 

# 14

acordei a meio da tarde com uma imensa
vontade de rezar a uma santa qualquer – vontade de
pedir-lhe por mim
pelos outros – todos os outros que ninguém sabe quem são
e que por isso são só «outros» – vontade de
dizer pais-nossos sem parar até à hora do luar
mas fumei um cigarro
toquei num pequeno tambor índio
e perdi todo o fulgor intenso de orar

depois senti desejo de ler
e ainda peguei num livro e li as três primeiras linhas
mas a pensar em andorinhas e em chá
de lúcia-lima – fumei outro cigarro
voltei a tocar o tambor índio
e perdi o fulgor intenso de ler

antes de me levantar e começar a sentir calor e
com as pálpebras fechadas sentir a realidade a escapar-se com
o andar brutal do relógio – olhei uma fotografia
por cima da cama – uma fotografia de jesus
abraçado a buda num local que dizem que existe
a que os teósofos chamam shambala

quando olhei a fotografia já me sentia doente
............ou demasiado são
e olhando aqueles dois seres num amplexo amoroso
como se fosse o último beijo entre eles
senti uma compaixão profunda por eles e
decepção por mim

que dor disfarçada escondem os sorrisos dos
instrutores do mundo – voltei a sentir o ímpeto de orar
.....pedir a nossa senhora que velasse por aquelas criaturas
que de já não sofrerem ficaram paralisadas num sorriso apóstolo
que não significa nada

não sei porquê
talvez seja a efabulação enlouquecida a que estou preso
mas senti que a minha prece à mãe do mundo
tinha sido escutada e que algo de calmo
tinha voado da minha cama em pensamento
num voo de auxilio redondo e luz perfeita
em direcção a essa shambala que dizem que existe
procurando e encontrando aqueles homens abraçados
a tempo de não os deixar morrer a morte
da separação e do abandono

por fim levantei-me e senti-me do tamanho
de um punho fechado
um coração – graças a deus que sou vazio
e não sei pensar com o juízo profundo
dos filósofos e dos poetas

do tamanho de um punho fechado
um coração
vivo a doença eterna de nada poder fazer
que não seja orar com a mesma linguagem
invertida com que um deus reza a si próprio pedindo clemência

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