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quarta-feira, março 08, 2006

tratado secreto do teatro # 29 

# 29 – cena vigésima nona

(a tira de dentro do cálice um pequeno envelope, um mínimo papel dobrado em quatro e lê.)

a – (lendo o rosto do envelope) Correio de Jerusalém
Testamento do Salvador (desdobra o pequeno papel)

Querida Alma,

Na véspera da minha morte quero dizer-te porque morro, quero entregar-te o meu Testamento, e quero fazer-te um pedido. Ouve o teu coração aberto, para receberes as minhas últimas confidências.
Eras tu que devias morrer na Cruz, para expiares os tormentos da tua vida; mas eu ofereci-me para sofrer e morrer em teu lugar. Quando me vires pregado na Cruz, dize comigo: «O amor do Salvador por mim é tanto que deu a vida pela minha salvação. Como devo eu amá-lo!»
Sabes que um pai deixa aos filhos em testamento o melhor que tem. Eu deixo-te o meu corpo, o meu sangue, a minha alma e a minha divindade. Crê bem alma querida, que apesar de Eu ser teu Salvador não posso deixar-te um dom mais precioso. Mas deixo-te esse dom de forma que te será bem acessível: oculto-me sob as espécies do pão e do sumo da uva para que possas unir-te a mim recebendo-me na comunhão sacramental. esta é a suprema prova do amor que Eu tenho por ti.
Peço-te, à hora da minha morte, que não me esqueças; que durante toda a vida te lembres do amor que te manifestei morrendo por ti, e deixando-te o meu corpo e sangue para alimento da tua alma. Amo-a divinamente, apesar de todas as tuas imperfeições. É à hora da minha morte que Eu te faço este pedido: não me esqueças; vive sempre no meu amor; alimenta a tua vida com a comunhão do meu corpo e sangue, que junto de ti ficam sob as aparências do pão e vinho consagrados. No reino do céu gozarás até que atinjas o sublime estado de Graça..

O teu Redent…

b … espera! não ouves?
a – por favor! não, não ouço nada. sabes que agora que iniciámos a invocação não a podemos interromper.
b – podemos sim. deixa-me ir à janela… anda ver! larga tudo. ainda estamos a tempo. chegaram as máquinas. chegaram as máquinas querida.
a – não mintas mais. anda cumprir…
b – …merda, anda ver, vê tu…
a – (pousa o cálice e a carta, levanta-se e dirige-se à janela)… são as máquinas! o prédio vai ser demolido. acreditas agora que não te estava a enganar. foi só um erro de horas. os homens esperaram pelo nascer do dia. trazem a bola de ferro. a demolição vai ser mais rápida do que supúnhamos. agora sim, tudo está certo e perfeito, tudo como me tinha anunciado o cavaleiro.
b – ouve querida, deixa-me revelar-te uma coisa sobre essa «presença» que sentes, com quem falas, esse ser… deixa-me revelar-te uma verdade que… deixa, amor. tens razão. agora sim. tudo está certo e perfeito. a cruz abater-se-á sobre nós e a nós apenas caberá o serviço da imobilidade.
a – o que fosse que me ias contar já não serve de nada. nem em mim há espaço para as tuas revelações e verdades. agradeço-te o silêncio. fomos apanhados pela surpresa da beleza. saibamos ao menos ser gratos. ser silenciosos. uns minutos que sejam.
fim da terceira parte

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