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sexta-feira, fevereiro 24, 2006

tratado secreto do teatro # 14 

# 14 – décima quarta cena

a – … poucos têm vida. menos ainda morte. eu não espero a morte… esperança da morte… é tudo ao contrário… olha as minhas mãos, vê como estão incapazes. VÊ! estou incapaz! as minhas mãos foram ferramentas de uma força sem limites. quando escrevia, mais que ser feliz, era capaz… tu não percebes. há anos que nos olhamos e observamos e tu concluis e concluis e concluis… mas pouco entendes. eu já tive nas mãos o tremor da grande concepção, o tambor da ruidosa marca da concepção e do nascimento. e perdi o fluxo da criação. transformei-me em criatura. ignóbil. inútil. e isso provocou-me um fascínio irresistível. um deslumbramento a que não fui capaz de resistir. estar perante ti, alguém que sabia – estas coisas sentem-se na pele – ter o poder de me secar a alma. é a mais irresistível das tentações. assim que te vi quis medir forças contigo. nos olhares, nas palavras, no sexo, nas horas passadas neste quarto. eu sabia que iria perder, és demasiado poderoso na tua malignidade. ou doença. eu sei que não ages com motivação. nada em ti se movimenta com uma direcção consciente e determinada, isso ainda faz o teu poder de destruição mais forte. mais corrosivo e implacável. eu vi. soube. deslumbrei-me. cedi. perdi. §

§ e no entanto… a liberdade move-se. em direcção a mim. a nós. como um comboio sem condutor. hoje será o dia do advento, do combate. tudo ou nada. e digo-te, fico feliz com o facto das máquinas não terem aparecido e o prédio não ir ser demolido hoje. muito feliz, muito, por ser nas nossas mãos que ficou a espada flamejante com que iremos cortar o cordão umbilical do nosso desastre interior. a liberdade move-se. em direcção a nós. deixaremos de ser dois corvos sob uma chuva ácida.

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