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quarta-feira, fevereiro 22, 2006

tratado secreto do teatro # 13 

# 13 – décima terceira cena

b – só amo uma pessoa… houve uma altura em que julguei… uma altura… não foi muito tempo… uma altura em que amei… deixei de ser eu… não é verdade. não amo só uma pessoa. foi maneira de dizer. eu também te amo e é por isso que aqui estamos a viver este suplício, este cheiro fétido em que nos tornámos. §

talvez… §

§ …talvez seja melhor dizer as coisas de outra maneira. amo um ser como se fosse desde sempre e para sempre. por quem não hesitaria um segundo em dar a vida, se tivesse vida. todos os dias me deito a recitar mentalmente o seu nome, durmo a recitar mentalmente o seu nome, acordo a recitar mentalmente o seu nome… na verdade, eu dei-lhe a vida. há um ser a quem doei a minha vida, percebes. eu não tenho vida porque dei a minha vida a uma pessoa e essa pessoa não a guardou… é o limbo. o limbo existe. eu experimento-o todos os dias. há a vida, há a não-vida e há o limbo. quando me conheceste eu já não era vivo, nem não-vivo. era o que sou hoje, um habitante do limbo. por isso permiti-te tudo. até a tortura de ter de voltar a dizer «amo-te» a alguém, mesmo não estando a mentir, o que faz a tortura ainda maior… já tive a esperança da morte. uma morte verdadeira. e vivi-a. já senti aquilo que tu estás a sentir agora, essa crença – o acto de fé, de que falavas há bocado – eu já tive essa convicção, essa fé. o que tu queres experimentar hoje, já eu vivi antes, e sei que apenas resulta em mais limbo, mais tortura, mais amor desfeito. §§§

§… quer dizer, não sei, não tenho a certeza… já não tenho a certeza daquilo que pensas e fazes e queres. talvez aquilo porque passei, a morte de que tive esperança nunca se tenha consumado realmente e seja por isso que nunca deixei este limbo. talvez seja mesmo verdade que tu te moves num plano de sabedoria que eu nunca atingi. talvez aquilo que planeaste para hoje seja mesmo a verdadeira expressão da salvação. é irrelevante, seja ou não seja, tenho consciência de que chegamos a um ponto sem retorno e de que teremos de cumprir esta «tarefa» – posso chamar-lhe assim? – mas devo confessar-te que a única coisa que realmente me mantém neste lugar de crucificação é ainda acreditar que me posso libertar da orla de vulcão em que resido. disse-te e senti amor por ti em consequência do vácuo que sinto que sou.

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