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segunda-feira, fevereiro 20, 2006

tratado secreto do teatro # 11 

# 11 – cena décima primeira

b – porque é que estamos escondidos debaixo da manta?
a – para só nos vermos um ao outro.
b – e porquê?
a – temos de falar.
b – eu sei o que tu me queres dizer. sei o que vai acontecer. sempre soube. como tivemos o revés da demolição e vens dar-me uma lição sobre procedimentos a seguir. É isso?
a – ainda não. mas teremos de ter essa conversa sim, mas mais tarde.
b – então? temos de falar de?
a – há coisas que devemos contar um ao outro antes de prosseguirmos com o inevitável. coisas nossas, coisas que desconhecemos, é preciso, percebes? é preciso estarmos limpos de todas as memórias escondidas. das coisas mais importantes e das coisas menos importantes, das coisas que ainda estão ocultas entre nós. enquanto tivermos algo de oculto entre nós não poderemos celebrar este acto de fé…
b – … acto de fé? ACTO DE FÉ? então tu passas da racionalidade extrema, da demonstração permanente de que tudo é uma evidência e agora falas-me em acto de fé? de fé?
a – mas a fé é isso querido. é o nosso olhar perante a evidência, perante o que experimentámos directamente e nos faz crer que essa «coisa» é verdadeira, ainda que admita espaço para a dúvida, e para a continuidade da procura. Um acto de fé é um credo na verdade experimentada.
b – tens noção da maneira como estás a falar. decoraste isso tão bem. até deves ter escrito primeiro ou lido num livro. tens isto calculado e planeado a cada centímetro de segundo. isso dá-me nojo. ainda que tenhas razão. mas essa forma decorada de falar é repugnante. denúncia demais a tua premeditação §

§ primeiro ias bem. acho que sim, devemos revelar coisas que nem sabemos que temos em nós começando por aquelas que sabemos que temos. limpar-nos desta amalgama de coisas ocultas que carregamos há tantos anos. mas fiquemos por aí e deixemos a fé de lado. se quiseres pensar nessa coisa do acto e fé, pensa, mas não me fales nisso. ou então, fala nisso mas de outra maneira. tenho nojo desta situação mas ainda não tenho nojo de ti e não quero começar a ter.
a – muito bem. desculpa. só estava a explicar-te a razão de estarmos aqui debaixo da manta, de ter vindo deitar-me ao teu lado enquanto ainda dormias e de nos ter coberto para que quando acordasses só me visses a mim.
b – e não te passou pela cabeça que quisesse ver outra coisa para além de ti?
a – passou. por isso é que fiz isto. para salvaguardar o teu previsível desejo de saltar daqui, de ir imediatamente para a janela, de te agarrares outra vez às pernas…
b – talvez tenhas feito bem. afinal que coisinha não fizeste tu maravilhosamente bem desde o inicio «daquilo que teve principio» – muito bem achada esta tua frase sobre nós. muito bem achada.
a – mas agora não temos de ficar aqui sempre. só quis ter tempo, quando acordasses, para te falar nisto. saber se concordavas
b – sim minha senhora! §

§ procederemos a estas confissões. um de cada vez. um fala o outro escuta. sempre que um terminar dará ao outro um sinal de que é a sua vez de falar. mas com uma condição?
a – diz…

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