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quarta-feira, fevereiro 01, 2006

tratado secreto da cidade # 31 

# 31 – vigésimo primeiro dia – 31 de dezembro – lisboa

19h00

no fim do espectáculo mal se tinham em pé. três. as três. ainda se moviam graças a uma força vinda sabe-se lá de onde. quando se inclinavam para agradecer era como se jamais pudessem voltar a endireitar a espinha. olhavam o público num profundo transe. não tinham estado mais de uma hora a fazer aquele texto passar pelo corpo e no entanto dir-se-ia terem estado dias a fio a navalhar-se com aquelas palavras. cada sílaba um lento e arrastado corte. no público, talvez um ou outro espectador também tenha sido consumido por aquela febre. elas. de pé. três. as três. morriam e respiravam morriam e respiravam. morriam e não respiravam. e é isso. o teatro. suprema eucaristia. graça fecundadora de um espírito santo que atravessa o ventre dos actores: profetas, mestres ascendidos, discípulos de uma lua maior, anunciadores de sol aos escolhidos. seres humanos. seres não humanos. santos e benditos espíritos da natureza. no fim do espectáculo mal se tinham de pé de tão crucificadas, glorificadas e santificadas. abram agora as mãos, queridas actrizes, e espalhem o mistério da encarnação depois uma breve genuflexão. no fim ainda se moviam graças a uma força vinda sabe-se lá de onde. quando se inclinavam para agradecer era como se jamais pudessem voltar endireitar a espinha. mas erguiam-se. eram já corpos redentores. olhos de gato. abram as mãos queridas actrizes e reencarnadas abençoem os poucos escolhidos que à vossa gruta matriz vos vieram adorar.

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