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terça-feira, janeiro 31, 2006

tratado secreto da cidade # 30 

# 30 – vigésimo primeiro dia – 20 de dezembro – lisboa

17h00

tenho três milhões de anos de água mole em pedra dura. sou um fino grão de universo aos pés da tua indiferença. quando há milhões de anos o mar aqui vivia e eu não era mais que chão, procuravas-me, beijavas-me, fazias-me crer em navios e marinheiros. em corpos quentes de outras galáxias. mas era o mar que amavas, não a mim. de resto não sou coisa que se ame ou se deixe de amar. sou apenas um pedaço de rocha, tão rarefeito que os meus lábios são uma impossibilidade física. houve dias de amor intenso. angélico. perfeito. acredito na pele mais do que em tudo na vida. acredito no corpo. nas vísceras. nos fluidos. no oceano que temos intra-cérebro. penso em ti como uma fada que tive e vi e senti e destruí. todas as fadas renascem dos beijos fatais, tu renasceste e eis que sabendo de mim semivivo me olhas como uma partícula, como um cadáver mineral. sei que não é vingança. não há vingança entre as rochas. não há passado no minério. contento-me de prazer quando caminhas. contento-me quando um mar inventado me inunda e submerge. sei-te ardida em vento. em éter. todos os dias vomito estas lembranças milenares. tenho a cabeça irrediavelmente perdida no subsolo da nossa história. há tantos biliões de estrelas com histórias parecidas para contar… há tantas histórias com tantos biliões de estrelas para contar, meu amor. tenho três milhões de anos de água mole na pedra dura do meu batimento celular. quando o mar aqui vivia (já me é impossível estabelecer uma ordem cronológica para os acontecimentos, não sei se isso do mar aqui viver foi ontem, se foi amanhã) beijavas os meus lábios impossíveis e desses beijos nasceu um pequeno coágulo de sangue no meu frágil tecido neurológico. coágulo que espera pacientemente o momento certo para explodir. é o herdeiro de todos os momentos magníficos, sublimes e cintilantes que nos envolveram. espero que rebente em breve essa bolha de placentas amorosas. enquanto isso apanho um táxi, transporto comigo tudo o que na vida preciso para mover a roda das lembranças, os cigarros, e quando me deitar terei o corpo maravilhosamente repousado apesar da tua eterna ausência.

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