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terça-feira, janeiro 17, 2006

tratado secreto da cidade # 23 

# 23 – décimo nono dia – 19 de dezembro – lisboa

5h00

toda a gente a olhar. eu a andar depressa. a rua é negra como negros são os ossos dos olhos. ando e oiço as cartilagens do corpo a retorcerem-se. muito bem. tenho esta nacionalidade, este nome, falo esta língua mas não vivo em lugar nenhum. não habito em lugar nenhum. não sei se há diferença entre uma coisa e outra. dantes, quando não tinha que correr no escuro para me esquivar ao nó que tenho na garganta, acreditava que viver era habitar e habitar era viver. e afinal em que ficamos? aqui estou e aqui vou ficar? partirei deste lugar de infames coincidências e ultrajes? só preciso de uma casa de banho, de um lugarzinho onde possa urinar e defecar. é uma exigência minha. e os direitos não se pedem, exigem-se, tomam-se, arrancam-se à dentada aos abutres que os aprisionam. sei que tenho este aspecto ao contrário. sem plexo. conduzo sapatos e deixo-me conduzir por eles. umas vezes os sapatos são a carroça e eu os bois outras vezes sou eu a besta e eles o carro. deixo-me conduzir mas não vou de arrasto. tenho as mãos geladas, qual é o problema? estou a esfregá-las para as aquecer, é assim uma coisa tão espectacular? vêem cavalos à solta nas auto-estradas e acham normal, vêem árvores a cair, prédios a implodir, tipos a morrer por todo o lado e nada vos prende a atenção e só porque estou a esfregar as mãos é este espanto? a cidade está afogada em carecas com gravata e fatinhos azuis, a cidade está afogada em carros metalizados, estamos todos afogados em carecas de fatinho azul, estamos todos afogados em automóveis metalizados e isso não vos incomoda? hei-de me esquivar deste nó que tenho na garganta. preciso é de continuar a andar depressa, cada vez mais depressa, e mais depressa. olhos negros, ossos negros. falta de olhos, falta de ossos. dói-me o joelho direito. sabem que há uma flor na tailândia que vomita? pois se até há flores que têm nojo e problemas de estômago é muitíssimo natural que eu sinta este garrote a apertar-me a garganta. perder-me não me perco. juro-vos. sobre o esquadro e o compasso. sobre o livro sagrado que ainda não escrevi e quando conseguir vomitar serei como uma flor tailandesa. desejosa borboleta. desejada borboleta. rinoceronte imenso para vos enfrentar.




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