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quarta-feira, janeiro 11, 2006

tratado secreto da cidade # 20 

# 20 - décimo sexto dia – 16 de dezembro – lisboa

10h00

o corpo cede. nada a fazer. já. cada pedaço de pele é um possível balão. cheiro de carne putrefacta. um osso espetando-se na barriga. se não fossem os cigarros e os comprimidos e a água e a febre durante a noite, que haveria neste resto de vida que valesse a pena? ah! o amor... sim... pois é o amor... há o amor. o a-m-o-r. não vêem que é um erro de dislexia de um qualquer gramático português da antiguidade que queria escrever roma. essa, sim. aquela cidade a que todos os caminhos vão dar. roma. roma é que é. agora o amor, o amor... pele podre e o corpo a ceder. nada a fazer. já. cheira mal? pois cheira. é assim. queriam o quê cheiro a água de rosas? nada. cheira mal. cheira mesmo mal. é tecido morto numa estrutura andante que nem conseguiu apagar os sentidos a tempo. acabou. é um cadáver que vos escreve. incomoda? pois, calculo. se fosse ao contrário eu também não gostava. custa não custa? já viram gente com o corpo todo queimado? fugiam a sete pés era o que era. borravam-se nas calças. «ai que me faz tanta impressão ver.» pois saibam meus cobardolas, que há muito boa gente que quando lhes aparece um tipo assim à frente não só não foge como os trata. e beija. nas feridas. gente que até lambia a carne em sangue das feridas se fosse preciso. há, sim senhor. gente que não arreda pé dali. põe pomada e ligaduras e é como se estivessem a cuidar de um bebé acabado de nascer saído deles próprios. ou vocês também são daqueles imbecis que acham que só as mulheres é que parem? placenta todos a temos. uns por dentro outros por fora. parir é coisa do género humano, não é coisa do género feminino. filhos da mãe de linguistas e escritores e doutores por extenso e mesmo os doutores abreviados em dê e érres, filhos da mãe vocês todos, filósofos, religiosos, médicos, físicos, matemáticos, pintores, todos vocês que deram cabo das palavras. que tornaram as palavras numa coisa de advogados e parlamentaristas. continuem lá a reproduzir-se. multipliquem-se que é essa a vontade de jeová. vosso pai. ou mãe ou lá o que aquela coisa é. a mim já tanto se me dá. a mim o que me interessa é rugir. só rugir. pois ainda não nasceu homem ou mulher no mundo que não se agache perante o rugir de um leão. os leões não se matam. morrem sozinhos. morrem por si. e rugem até ao fim. mesmo com a pele podre e cheiro fétido no olhar. e vocês macaquinhos do chinês, ajoelhem-se. fizeram disto uma selva não foi? pois agora aguentem-se. aguentem-se que a selva é uma monarquia e o monarca até em decomposição é o leão que ruge. o resto, vocês, não passam da vaca que ri. bando de queijinhos suíços aos triângulos.


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