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segunda-feira, janeiro 09, 2006

tratado secreto da cidade # 19 

# 19 – décimo quinto dia – 15 de dezembro – lisboa

7h00

a lua canta se olho o rio. é um mínimo som de prazer. um mínimo musical som de prazer. quando me sento. a lua. eu. a olhar o rio. engulo o som, a música torna-se alimento, brilha num tom baixo. as escadas são o cérebro do rio. as escadas dos pequenos cais de lisboa. são elas que pensam as correntes, que levam os cardumes de peixe de encontro às redes dos pescadores. e é nelas que me sento ao nascer do dia a olhar a lua e é sentado nelas que escuto o murmúrio dos lábios invisíveis do fim da noite. até que finalmente quando tudo se cala: lua, rio, peixes –, é porque o sol rompeu e tudo destrói com o seu manto de cegueira. é a hora da pastelaria. do fim do encanto. e lá estão as operárias antes da fábrica. elas são a fábrica, as máquinas, o chão, as paredes. não sabem disso. esperam o pão que comem com manteiga. café com leite. elas são tudo e nem adivinham. pensam-se ocas, impotentes e submissas à vida e à morte das horas. é às sete que saem da pastelaria. às onze duma vez. não. sem antes. limparem as suas mesas e devolverem a loiça ao empregado. cento e cinquenta anos de movimento operário. graças a deus, resumidos num pão com manteiga na pastelaria. já não é a luta pelo controlo do poder de estado que as arrebata. é o quente do galão. que as tira do inverno por uns segundos. meia-hora e entram as putas as prostitutas e os militares. as primeiras de terço na mão esquerda e missal na outra mais uma caixinha de comprimidos. as outras compram cigarros e bebem garrafas de água e bicas escaldadas. e os militares, ah! os militares acumulam tudo. pais nossos, avés marias, garrafas de água, cigarros de toda a espécie, marlboro especialmente, e bicas. muitas bicas.


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