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segunda-feira, dezembro 26, 2005

tratado secreto da cidade # 11 

# 11 – primeira noite – 11 de dezembro – mollerussa/barcelona

2h00

o comboio chegou à hora marcada. neste lugar não é permitido que um comboio chegue tarde ou parta antes do horário – nada – tudo tem de correr de forma absolutamente exacta. adamastor vinha carregado com uma grande mala vermelha. durante o dia tudo tinha estado perfeito, sol, gente pelas ruas com um ar agradecido pelo intervalo no imenso frio e neve. e. agora. uma. noite amena. tinha instruções para não dizer nem escutar uma palavra de adamastor. se quiséssemos comunicar deveríamos fazê-lo por escrito e depois entregar esses papéis à central. se trocássemos alguma palavra a central tomaria conhecimento e não restaria outra alternativa ao comité senão a eliminação pelo fogo, a cremação. eu mesmo tinha proposto esta medida de segurança no comité. as cinzas da cremação serviriam depois – caso tal acontecesse – para qualquer trabalho sagrado: salvar doentes, cobrir os corpos de grandes mestres no momento da morte, fazer chá ou mesmo licores... adamastor entregou-me a mala. trocámos um par de «palavras escritas» com indicações sobre os horários de regresso dos comboios. já com a mala na mão acenei de longe a adamastor e regressei ao hotel. antes da alva uma tarefa importante teria ainda de ser realizada.

4h00

estive quase uma hora só a contemplar a mala. a ganhar coragem para a abrir. sentado. nu. chão. vendo-a. vermelha. luzindo no escuro. até que me resolvo a abrir a tampa e começar o trabalho planeado. tal como previsto, lá dentro, sete sacos de seda cada um com uma pedra preciosa: diamante; safira; esmeralda; jaspe; topázio; rubi; ametista. na parte inferior da mala sob um véu roxo outros vários objectos: varinha de ébano, vaso com terra; vaso com água; vaso com sal; vaso com enxofre; vaso com mercúrio; uma vela de cera de abelha; pacote de leite com chocolate; nove paus de incenso nepalês; um punhal; uma faixa dourada; uma faixa grená; outra faixa dourada mais larga; um rolo de papel com a palavra «testamento»; outro papel com o desenho de um galo; um espelho oval; tinta da china em pedra e um pincel; uma lousa de mármore com uma ligeira concavidade circular para fazer a tinta; uma ampulheta, uma bússola e
................e
................uma
................carta, num envelope de um vermelho igual ao da mala com o meu nome escrito a negro na parte da frente em letra latina: amir

5h00

a carta: dia primeiro do ano do macaco de madeira de olhos azuis, meu querido amir, como já pudeste verificar nesta mala vermelha que adamastor te entregou recebeste todos os objectos que te permitirão repor a inocência no caminho dos homens e devolver-lhes a vulnerabilidade. tal como no dia em que julgaram ter-te morto, por muitos séculos os homens pensarão que és a causa da cegueira do espírito, da crueldade e da falta de discernimento da humanidade. não tens de te importar com isso. o teu trabalho é outro. por agora e antes que o dia chegue ao seu meio terás que descobrir como usar os objectos que te foram conferidos. só podes contar com a tua lucidez e inteligência, ainda que daqui te tentemos ajudar como pudermos. a partir de hoje o teu contacto com o comité estará cortado até que por qualquer motivo alguém te volte a tentar matar. terás de agir sempre sozinho. comunicamos-te agora o teu novo nome secreto e sagrado (sabes que é através dele que poderão chegar até ti e de novo tentar terminar com a tua existência, acautela-te pois para que nunca esse nome seja conhecido por mais ninguém): ocirderef. fixa-o e nunca o escrevas. que a paz esteja contigo, pela força, sabedoria e beleza, os teus irmãos maiores. queimei o papel e o envelope. sentei-me num pequeno sofá junto à janela observando os objectos e bebi o leite com chocolate com o coração cheio de serenidade.

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