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quarta-feira, novembro 30, 2005

tratado secreto da cidade # 1 

# 1 – primeiro dia – 1 de dezembro de 2005 – lisboa

7h00

ogres. elfos. basiliscos. bancários. taxistas. esquilos. caminha-se. caminha-se. caminha-se. os monstros não reconhecem ninguém. o truque é nunca olhar para trás. nem para a frente. ver através das pálpebras cerradas. como se o corpo, o nosso, estivesse sob o manto da invisibilidade dos feiticeiros. vermelho. verde. amarelo. verde. amarelo. vermelho. vermelho? verde? amarelo? é tudo a mesma coisa? tenho a certeza de que os semáforos estão a emitir permanentemente um sinal em código. um código tricolor. uma linguagem cifrada. são milhares e milhares; biliões de semáforos emitindo esses toques de um morse cromático mesmo à frente dos nossos olhos. talvez, de alguma maneira, estes sinais estejam relacionados com os movimentos combinados, coreografados, de travar e arrancar dos automóveis. talvez, de alguma maneira, estes sinais estejam relacionados com os movimentos coordenados, coreografados, de parar e andar dos peões. talvez tudo. talvez qualquer coisa. tenho procurado inverter ou subverter esta maquinação. arranco no vermelho. travo-me no verde. ignoro o amarelo. até agora a única coisa que notei (até registei os dias e as horas) –, notei que quando tento subverter o código não tenho sonhos durante a noite. não tendo sonhos não consigo ascender a um plano mais alto ou superior de consciência. eu só sou eu durante os sonhos. durante a vigília desço ao que há de mais reles em mim. mas se esta estrutura codificada interfere nos sonhos ao ponto de os anular só porque inverto a resposta esperada ao estímulo das cores, posso daí concluir que também essa parte de mim, essa parte íntima e perfeita de mim que até agora julgava descondicionada, liberta, não só é controlada como é cativa do código tricolor. fica a dúvida. ficará sempre a dúvida. quem emite estes sinais? para quê? quem os recebe capaz de os descodificar? haverá algum país à superfície da crosta terrestre que não tenha semáforos? de oriente a ocidente, um único, haverá algum, que não tenha semáforos?
........................e automóveis a arrancar e a travar?
........................e peões a parar e a avançar?
será que em dias como o de hoje, em que o nevoeiro nos cobre como uma teia de branco-titanium, podemos escapar... ficar quase, quase, quase de fora a observar com rigor esta secreta combinação de poder vermelho-amarelo-verde? se um de nós escapar, só um de nós, alguém notaria? alguém se preocuparia em o caçar? há registo da nossa existência? nada é o que parece na cidade. ou então é tudo demasiado parecido com a verdade que nem suspeitamos que temos a verdade ao nosso alcance. pressinto que se enlouquecermos escaparemos sãos a toda esta imensa incompreensão. ou a loucura ou o amor. os amantes estão sempre a salvo porque se erguem como deuses à mais alta parcela da catedral humana, ao zénite, onde habitam em santuário.

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