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terça-feira, março 15, 2005

quarenta romances de cavalaria # 5 

# 4 - terça-feira

O VIOLONCELO É UM INSTRUMENTO masculino o mais masculino de todos os instrumentos este é vermelho e toda a gente diz que é excepcional claro que eu não consigo distinguir o precioso som que dele emana do som de outro qualquer o que me extasia é a sua sedutora e profunda masculinidade talvez isso me cause um certo incómodo assim como me perturba observar aquela rapariga obrigada a praticar tantas horas por dia mesmo sendo bach a mentira da sua dedicação debruçada sobre o homem sonoro que aperta com relutância entre as pernas e abraça com uma força excessiva como quem cerra os punhos se lhe perguntassem por aguenta aquilo todos os dias responderia invariavelmente que é por bach o único deus vivo e transcendente entre a humanidade mas quem a vê sabe que é o homem que controla aquela possessão forçada e não a musicalidade divina do mestre das oferendas talvez devesse denunciar o que ali se passa às autoridades mas o que devo confessar é que sinto algum prazer nisto tudo até porque sou a única peça que apesar de presa entre os adolescentes dedos da rapariga não se inclui no acto copular de toda esta encenação é até um duplo prazer por um lado o toque gentilmente conduzido pelos dedos fortes da menina por outro a passagem da minha pele pelas cordas másculas do violoncelo sinto-me um elemento essencial daquele acasalamento em que ninguém repara teoricamente até seria possível tocar sem o arco mas nunca bach deus precisa de mim para fazer soar a sua oração pelo menos satisfaço-me com este auto-convencimento isso faz-me também sentir usado e a culpa de assistir calado a esta diária violação vai-se dissipando ainda que me enoje o ar babado da professora nem sei porque lhe dão esse nome a ela que empurra estes momentos até ao limite máximo do corpo não do corpo da rapariga que esse tenho a certeza aguentaria sem intervalo esta cavalgada de suor e sal sem vacilar mas do limite do homem do violoncelo que por fim já nem consegue suportar a doçura medicinal de uma sarabanda de bach também eu acabo por me sentir esgotado e caído num torpor paralizante a professora parece indiferente à necessidade de suspender a tortura por algumas horas por ela continuava até à morte é um ser desprezível uma mosca quando o violoncelo cai ela não perdoa a sua fraqueza humana e esvoaça com aquele corpo verde e aqueles olhos multifacetados vítreos e implacáveis voa contra as paredes de raiva e nem sente dor até que cai sobre a poltrona de cabedal resignada com a espera a que não pode fugir pelo dia seguinte_

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