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segunda-feira, março 14, 2005

quarenta romances de cavalaria # 4 

# 4 – segunda-feira

ELE DIZ QUE CONGELA de facto não compreendo a origem desta dor que me atormenta o joelho o tipo diz com um ar profissional que é o músculo que congela e afecta o menisco mas se não tenho perna que sentido pode ter esta conversa tento explicar-lhe isso de todas as formas a mim parece-me uma coisa bastante óbvia não tendo perna não é lógico que sinta esta dor torturante no joelho da perna direita que não tenho mas o tipo insiste e continua a argumentar como se não tivesse ouvido nada repetindo a história do músculo com aquela cara de quem compassivamente compreende toda a dor do mundo ao fim de doze horas de conversa surda desisto e saio antes de sair do prédio ouço ao longe o gajo a falar sozinho no consultório a repetir a explicação da congelação como se estivesse a rezar mal ponho o pé na rua o cão que estava a minha espera já desesperado não consegue conter a baba com alegria de me ver lá o atarraxo à anca e vamos caminhando até ao jardim somos uma equipa muito unida e cooperante mal chegamos ao parque e me sento no rebordo do muro do canteiro volto a desatarraxar o animal e solto-o deixo-o ir brincar gosta muito de correr e lamber formigas para depois cuspir as que lhe ficaram presas à língua claro que acho aquilo nojento mas que lhe hei-de dizer o bicho é livre de lamber os animais que quiser consigo ficar ali sentado umas quatro horas seguidas juntando às doze que passo no consultório são dias muito preenchidos de afazeres já não uso comida para me alimentar por isso não me preocupo com essas coisas e o cão lá se arranja com coisas que encontra pelo chão o caminho para casa é sempre o mesmo e ele já consegue sincronizar muito bem os seus movimentos de cão com os movimentos da minha perna esquerda ao princípio chegávamos a cair dez ou quinze vezes pelo caminho a noite passa rapidamente ele dorme no beliche de cima porque tem medo que sendo eu a deitar-me na placa superior os parafusos não aguentem e aquilo se desmorone e fique esborrachado faço-lhe a vontade nem me custa nada mal o dia nasce voltamos à rotina do consultório depois de chegar e de deixar o cão cá fora aguardo um pedaço e quando o homem está num ponto mais interessante da sua solitária conversa continuada sobre a congelação do meu músculo entro e a conversa volta ao início_

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