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terça-feira, março 29, 2005

quarenta romances de cavalaria # 19 

# 19 – segunda-feira

UM GATO aquece-me como um relâmpago e todo eu estremeço como uma corda de violino ou um piano a afundar-se em mim com estes pensamentos o sono esquiva-se ainda mais em criança deixava-me embalar pelo som das sirenes das ambulâncias sons distantes de aflição e horror que entravam pela janela sons tão distantes que julgava ser impossível acontecerem grandes tragédias graves acidentes ou doenças terríveis estando eu no conforto e na segurança da minha pequena cama quando era criança a tragédia vivia longe tão longe como o som das sirenes talvez seja melhor levantar-me e desistir de dormir parar com estas ficções alucinadas de gatos-relâmpago e cordas de violino se pensasse em ti talvez dormitasse mas cedo chegariam os teus insuportáveis oníricos cânticos de oração não quero prefiro assim daqui a pouco passará o carrinha do lixo som que também me costuma trazer alguma tranquilidade não me adormece mas repousa-me ouvir aqueles grandes motores que elevam os contentores e os apitos sinto-me feliz por ainda não ser um osso de frango roído num saco de plástico serei uma pasta de insones ossos e gorduras mas reconforta-me saber que ainda não fui roído pelos caninos dos vizinhos e se deixar a janela aberta talvez volte a acontecer um milagre como o daquela noite em que entrou um avião telecomandado muito vermelho no quarto nunca tinha sentido um tal assombro nem um tão profundo prazer havia luzes no tecto calor e transparências recortadas na sombra dessa vez adormeci e sem histórias de gatos à cabeceira dos meus lábios é melhor levantar-me e esperar em pé por alguma doença ou recordar quando tu também aqui dormias e os lençóis estavam sempre quentes de nós já não sei o que pense nenhum gato me aquecerá como um relâmpago fazendo-me estremecer como uma corda de violino nem um piano se afundaria em mim não voltarão aviões telecomandados muito vermelhos o sono não me quer ou o sonho não me quer ou as duas coisas a indiferença é total os lençóis permanecerão gelados e se penso em ti como quase sem dar por isso ainda agora estava a fazer não tardarão a ouvir-se as missas de requiem que me dedicaste levanto-me sim não tardará a passar a carrinha do lixo_

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