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domingo, março 27, 2005

quarenta romances de cavalaria # 18 

# 18 – domingo

O AR NÃO VOLTA a fúnebre rotina do sistema solar as estrelas cadentes cada vez menos cadentes as chuvas de abril transformadas em míseros aguaceiros que só encharcam as bainhas das calças e por aí fora são tantas as razões tantos os desapontamentos que é compreensível que o ar não possa nem deva voltar a esta estúpida repetição cósmica que não merece o seu regresso podemos dar a sua ausência como permanente como um facto consumado mas claro vivemos todos a dar ais e ós aos vermelhos da abóbada celeste quando o sol se ergue sem nunca termos visto o içar do sol o mesmo de exclamações em voz alta quando se proclamam odes ao entardecer sem que ninguém ponha a cabeça fora da janela para assistir ao encovamento solar é tudo um embuste uma farsa mal encenada tudo as estações do ano os meses os dias da semana só as horas desempenham bem o seu papel porque é o relógio que marca o momento da próxima distracção é assim que vivem os homens e os próprios deuses permanentemente deslumbrados com deslumbramentos que nunca presenciaram nem sentiram nem ouviram espantos que nem imaginam que se podem sentir ou ouvir a respiração extinguiu-se as mãos já não agarram e os pés já não caminham em tempos o ar foi o elemento mais puro de todos os elementos mais ainda que o éter e nunca o soubemos inspirar e expirar convenientemente com generosidade o sopro generoso que o ar nos oferecia é claro que não queremos ter consciência disto nem de nada e o ar foi-se é tão evidente isto que nem percebo como não salta pelos olhos a dentro de qualquer mortal quer dizer percebo pois se ninguém acende as pálpebras não é ar esta coisa chumbenta que nos ocupa os pulmões o ar não está poluído o ar não está contaminado o ar não está é cá não foram os muitos monóxidos de carbono que o contaminaram e nos puseram a tossir relva o ar é incontaminável simplesmente está noutro lugar e não voltará com o tempo também a terra e o fogo e até o mágico e subtil éter nos abandonarão a mente turva tomou conta dos corpos vivos da terra não só dos humanos não são as hecatombes ecológicas que farão os mares o chão que pisamos ou as chamas que resplandecem alterar a sua pureza quando acharmos que a água é só lodo que a terra secou de vez que o fogo devasta indiscriminadamente florestas e casas não se pense que são os elementos que estão danificados eles não se deixam danificar eles já não estarão é entre nós e ponto final ao longo dos anos alguns homens e mulheres abandonaram os seus pequenos pedaços de crosta terrestre partindo na demanda desse lugar onde o ar se esconde chamaram-lhe graal chamaram-lhe guerra santa todos os nomes mas independentemente das suas compassivas intenções nada mais que mãos vazias no regresso esse lugar onde o ar habita e os outros elementos habitarão depois de nos abandonarem completamente não é acessível ao esforço humano nem na vida nem na morte e depois que sentido fará residir num universo abandonado pelos elementos nem valerá a pena inventar como é usual sistemas de invocação minadores de cérebros com complicadíssimos rituais aquilo a que costumamos chamar medicina sobre este abandono nada há a fazer resistir é já estar derrotado_

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