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domingo, janeiro 30, 2005

ana piu /dona estrela 

hoje na “abril em maio”, às 22 H, última representação do espectáculo “dona estrela”, encenado por paula só, interpretado por ana piu, com a criação plástíca de hellen ainsworth.

conheci a actriz ana piu em 1997 – não posso garantir a data –
altura em que co-organizava um festival de teatro – “cenas novas”
na vila de alvito
no alentejo

já nem me lembro do nome do espectáculo nem isso tem a menor importância
sei que foi apresentado no insólito cenário das grutas artificiais de alvito
mundo subterrâneo/mesmo por baixo da igreja do rossio
um lugar estranhíssimo
que serviu desde a pré história
para retirar pedra mármore para a “construção” de mós
um lugar de pedra e esconderijos que durante séculos esteve ligado ao pão
sem uma única janela de luz natural

sei que na altura não gostei muiiiiiito do espectáculo
o que me ficou na memória foi a extraordinária coragem
cénica da ana,
absolutamente sozinha (apesar de haver pelo meio umas intervenções musicais)
tão sozinha em cena como está agora neste “dona estrela”

o espectáculo
então totalmente concebido por ela – com umas ajudas daqui e dali –
funcionava em permanentes golpes de inteligência performativa/cada segundo
vivido (apresentado em condições que poucos aceitariam) era inventado e reinventado
ao ritmo da respiração
a ana voava a no improviso/na generosidade absoluta/arriscando [se] tudo
sem
por um momento
questionar os riscos do risco

tenho dúvidas se aquele espectáculo foi teatro ou desenho
se para mim é um facto que a única regra que distingue o desenho
é riscar-parar-recomeçar
o facto é que naqueles 45 ou 50 minutos foi essa a única regra
identificável – talvez fosse um teatro-desenho ou um desenho-teatro

das actrizes da sua geração que conheço – e tendo em conta
a sua passagem pelo campo de concentração teatral da escola de
formação de actores do cendrev em évora (há um caso comparável
o paulo claro que também frequentou o auschwitz do cendrev
que como todos sabemos morreu num estúpido [como se pudesse não ser estúpido] acidente de viação) – pois, das actrizes da sua geração
que conheço
em poucas/talvez em mais nenhuma
consegui vislumbrar esta coragem amorosa
mantida como uma bandeira que se teima em não deixar cair
em pleno campo de batalha

desconheço a consciência que a ana piu tem do risco
provavelmente terá toda/ou só alguma
é um ser humano como qualquer um de nós – portanto tem medo
mas jamais a impediu de os enfrentar/medo e risco

bem sei que o “dona estrela” contou com a experiência – não menos corajosa –
da paula só/mas na exigência dos extremos
o risco
uma vez mais é da ana só
piu

ter oportunidade de ir ao encontro deste espectáculo
hoje
na
“abril em maio”
é
no mínimo
ter o privilégio de dar de caras com alguém
que no teatro (ainda) pensa/age/sofre
arrisca/arca com as consequências do pensamento/da acção
do risco e do sofrimento e sabe arcar com essas
tantas vezes
dolorosas responsabilidades

alguém que para além de ser só actriz
é poema – quer dizer – é viva
com os outros
para os outros


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