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quarta-feira, dezembro 08, 2004

o princípio # 32 



trago comigo um aterrador rasto de imposturas
cheguei a acreditar na minha mãe
que detinha o poder mágico de voltar atrás com a dor
supus tantas coisas mágicas sobre a minha mãe/agora
que sei da irreversibilidade da vida
penso que talvez nem tenha sido criança
e se tive mãe acaso terei saído dela?
contam-se tantas coisas sobre nós
sobre as mães e os seus corações brancos
tantas falsidades imperdoáveis

se tivesse sido criança hoje
seria novo/inequívoco/grego

a vida preencheu-me e tudo se tornou impotência
– passado/amor/morte/re +
início da vida

depois do último fôlego
a mais terrível das descobertas como um
incêndio no peito uma
dor cardíaca/nó desfeito
voltaremos aos mesmos pesadelos
ao mesmo martírio infantil
a-
-o terror da adolescência/ao terror de um primeiro mesmo amor
a todas as rejeições
como antes
como agora
como depois e depois de depois
e mesmo que a morte nos ponha um fim mental ou se imponha como
a interrupção da aparência do amor
seremos sempre matéria continua/alimento/gloria transformadora de partículas

uma vez abertos à inspiração primordial
– perdidos para a condenação de viver

há ingénuos – claro – que depositam a sua fé no fim definitivo da morte
outros iludem-se com a esperança da eternidade celeste infernal e providente
que coisa mais trágica podemos nós conceber que a candura?

as crianças não são inocentes por isso são poderosas
cultas
as crianças sabem que não morrem
só as não-crianças acreditam
– na sua cândida brutalidade –
na morte das crianças

as crianças vivem e só vivem
por isso receiam a vida
o escuro/a falta do pai/a água quente do banho
as crianças só têm medo da vida porque são crianças
mas isso em nada nada nada
nada
nos salvará
como os frutos se reacendem nas árvores
em ciclos de danação
todas as crianças se tornarão apenas criaturas
pela acção nefasta de um conhecido deus furibundo
que jamais se arrependerá


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