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domingo, dezembro 05, 2004

o princípio # 30 

quero voltar àquele nosso vale/àquele lugar profundo
profuso
às estrelas onde nos abrigámos tantas vezes e
à casa onde fluía incandescente a cumplicidade do
nevoeiro sobre as nossas cabeças

rendido à sujeição deste ovo
ainda percorro aquele caminho de pequenas pedras
ainda
me sinto o animal assustado que o frio enlouqueceu
para te
ver
adormecida ao som de tiros disparados
ainda sou a incomensurável asa disparada em nossa direcção

quando sair deste hospital sem telhados
quando puder voltar livremente à luz
dos cometas
e ver a noite
ou o que dela tiver restado
irei irei
ter àquele lugar onde fomos barro

se tivesse campo para caminhar
calcularia pelo tamanho dos pés
os dias que faltam
para a chegada de lúcifer
nosso terno e amantíssimo protector
mas estas paredes por onde o sol não passa
estas portas seladas
construídas com os ossos dos coelhos
que
me precederam na doença e na morte da pele
jamais se abrirão
e é disso que tenho medo –
minha pluma

extraviei-me nesta cama pintada de fresco
que me colou o movimento

antes de me terem arrancado os tecidos mais finos
das pálpebras eu podia fechar os olhos e
imaginar
te
por dentro
no nosso pequeno lago/quadrangular
desenhar com o cérebro aquele vale
as árvores e as corujas no meu
peito até que me beijasses e azulasses
os lábios a língua

desejo tanto fechar os olhos
não ter que ver
me
cessar
junto a esta parede de azulejos amarelos

as minhas pernas cheiram a fígado
a talho
a incenso indiano
e tu sabes como me agonia o cheiro do incenso indiano

espero a última carta
o papel caligrafado onde porei a minha assinatura
pela última vez
e prometo-te minha pluma
toda a coragem
no momento da cremação

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