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domingo, setembro 12, 2004

frei damião gonçalves (versão final) 

para a amalgama - companhia de dança


venit

as coisas estão ligadas
talvez
há histórias de amor que podiam ser contadas

é bom pensar
talvez

silentio

as coisas estão ligadas

talvez
se
achem
os fios e as meadas
das linhas e dos nós

orar

os padres jesuítas portugueses foram os primeiros
ocidentais
a entrar no tibete

em estremoz tinha nascido um menino a quem chamaram damião
filho de um gonçalves
aparentemente nascido sem mãe
como era
aliás
costume
nesses tempos

ficou damião gonçalves de baptismo

aos 15 anos foi levado por um padre
para a cela de um convento
em évora
terá vivido com esse padre – o negro – até tomar o hábito paulista aos 18
para aos 22 anos romper a regra violando o voto de castidade
com um rapaz de arraiolos de quem escreveu
ele
damião
um dia:
“seria até capaz de lhe dar filhos se a assim a natureza fosse feita”

não foi expulso da ordem

a mando do arcebispo de évora foi
enviado em penitência para o oriente
com os numerários da companhia de jesus
em missão às indias

o tibete não foi terreno fértil de evangelização
excepcionalmente o geral da companhia terá
sido
recebido
por sua santidade o panchen lama

trocaram experiências e livros
e
foi escrito
no mês de abril da era comum do ano da serpente
da era do tathagata
um pequeno tratado de meditação
cristão-budista
a ele foi chamado em latim “in silentio – com patiencia”

damião era jardineiro
para celebrar o oficio sagrado do recolhimento
foi o frade chamado a plantar uma árvore
assim ele o fez
tinham levado azeitonas e raízes de oliveira
(chegado que fosse o azeite ao oriente
os portugueses estariam
finalmente em casa)
damião plantou a sua oliveira junto ao stupa de pema dzong
a oliveira ainda lá está e no inverno cobre-se de neve
vive em frente ao mosteiro onde o último panchen lama “projectou” a sua consciência:
o powa da libertação enquanto orava depois de todas as humilhações
pela liberdade do tibete da ocupação chinesa

damião nunca chegou a acompanhar o crescimento da “sua” árvore
mas deixou escrupulosamente desenhadas
todas as mágicas fases do crescimento das oliveiras
para que os monges da suprema ordem nyingma
soubessem fazer
essas coisa que se fazem às árvores
varejar
podar
bater
acariciar
regar
etc.

a oliveira de pema dzong
nunca deu azeitonas
nem no futuro o tibete teve azeite
mas as suas folhas têm o verde que têm as oliveiras do alentejo
os troncos a cor de terra de siena queimada que têm os troncos das oliveiras de portugal

numa rocha ao lado do stupa
damião gravou o rosto de nosso senhor jesu o christo
e o abade do mosteiro azul o rosto do bodhissatva da compaixão
chenrezig
por baixo do rosto do primeiro damião escreveu
silentio
por baixo do rosto do segundo
dawa rinpoché
escreveu
om mani peme hung
ainda lá está ainda lá está

damião quis ainda fazer um muro que protegesse
a raiz da árvore
trouxe rochas e ramos secos
e ossos moídos para a argamassa de junção
e assim
foi sem pompa
edificada
a primeira construção
“pedra sobre pedra” no antigo tibete

em sinal de reconhecimento o lama dawa pediu para ordenar
damião com os votos monacais da tradição nyingma
damião aceitou
tornou-se o primeiro homem nascido no ocidente
a tomar o triplo hábito vermelho e amarelo
da tradição do budismo mágico
em homenagem ao amerelo das vestes
do budha shakyamuni
e ao vermelho das vestes
de padmasambhava o guru rinpoché
fundador do budismo no tibete

no dia da sua ordenação damião – agora de nome simbólico tashi kunzang –
recordou a iluminação de paulo e os propósitos da sua ordem mãe
a paulista
e preparou para uma refeição papas de aveia
com ervas de cheiro indianas
e salsa
usada para a purificação das hóstias da sagrada missa

o livro de botânica de damião e o seu diário
estão sepultados na biblioteca do mosteiro azul
no nepal (hoje cercado pelas milícias maoistas)
o tratado de meditação jesuíta-tibetano
faz parte do espólio de sua santidade o último panchen lama
confiscado pelo próprio mao zedong

as palavras in silentio e com patientia
passaram as ser as "palavras secretas" da ordem paulista e franciscana
são também as "ordens" de oração da companhia de jesus
e palavras de passe nos ritos maçónicos escoceses de alguns dos “graus inefáveis”

damião regressou a évora trinta anos depois
morreu em évora no seu convento de origem
com tétano
por se ter picado no espinho de uma rosa

a sua história é conhecida no tibete como
a história do monge da árvore vinda de um sítio
onde
um
dia
o dharma
brilhará

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