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domingo, setembro 19, 2004

cadernos de fotografia # 3 

"the essential is no longer visible" - Heiner Müler

"os contadores de caracteres"

Heidelberg

eles têm mãos invisíveis com memória
sulcadas pelo chumbo de antiquíssimos caracteres
eles suam tintas de óleo e mancham papéis coloridos com
articulações de ideias
projectos de noite
manifestos operários
orações
calendários próprios para anos vindouros
eles riscam traços em facturas
eles dão a forma preta aos nomes das empresas eles dão números às cores com que cobrem corpos despidos de nossas senhoras e foices e martelos em grandes folhas impressas de propaganda
eles almoçam no local de trabalho
eles bebem demais e sujam as camisas com o óleo dos motores que
fazem dar voltas às rotativas e cambalhotas aos jornais
eles alinham palavras como se alinhassem o fato
eles usam largas pulseiras de ouro que compraram depois de muitos
salários para mostrar que venceram
inesperadamente
a luta pelo salário

eles compõem os livros do fim para o princípio
eles cosem capas
eles chamam jornais chamam cadernos chamam cartazes chamam recibos chamam rótulos –
eles chamam coisas extraordinárias a essas coisas que fazem –
eles colocam tristes fotografias cinzentas entre cruzes nos anúncios funerários
eles quase não podem ir à casa de banho com medo
que as máquinas encravem
eles sabem de cor salmos e bênçãos e versículos e passagens da bíblia e os nomes daqueles que se casam com convite a dourado
em papel cartonado
eles sorriem enquanto usam as dobradeiras e têm medo de cortar
dedos nas guilhotinas
eles foram muito poderosos e temidos e perseguidos
eles distribuíram textos clandestinamente impressos atrás uns dos outros
nas horas extraordinárias
eles
os tipógrafos
existiram e a sua transpiração fabril
não se calou
como um segredo contado de boca a ouvido
eles hoje são poucos mas em cada um dos seus
militantes gestos de tinta há ainda a força
imensa do texto talvez até a do poema


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