domingo, fevereiro 01, 2004
HORA DO DIABO - 63
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
há uma casa para alugar mesmo em frente à minha. pelo menos pensava que sim, que estava vazia. fizeram-se obras, meses de obras e poeira, vieram fiscais e fiscais e fiscais até que se deu-se a coisa como pronta para alugar. esta noite acordei com uma violenta gritaria misturada com o barulho de pontapés numa porta. uma gritaria, etílica, histérica, e bumba, bumba, bumba numa porta.
levantei-me e espreitei pela janela. estavam uns cinco marmanjos a sovar a porta debaixo de uma chuva intensa. pensei que a casa tinha sido, entretanto, alugada e que os inquilinos, na excitação da bebedeira, tivessem perdido as chaves.
mas hoje a casa continua tão trancada como antes, tão silenciosa e reclusa da sua própria solidão que me pus a duvidar se realmente aquilo se tinha passado.
tenho uma vizinha que todas as manhãs desperta a rua com insultos à vida, ao marido, aos gatos, a tudo… a ela, enquanto lava e esfrega e encera a porta da sua casa. dá fé de tudo. sabe de tudo e não se inibe nada em pôr as mãos nas ancas e desancar as ancas dos outros pelos mais insignificantes motivos. esperava que ela confirmasse a história nos seus comentários matinais com as comadres e com isso recuperasse a minha sanidade. nada, hoje nem saiu de casa. estive quase para lhe ir bater à porta e perguntar se a senhora hoje não vinha bradar aos céus por causa do mijo dos gatos.
a chuva continua, a rua está deserta, a vizinha desaparecida e a casa… a casa, talvez já lá nem esteja.
há uma casa para alugar mesmo em frente à minha. pelo menos pensava que sim, que estava vazia. fizeram-se obras, meses de obras e poeira, vieram fiscais e fiscais e fiscais até que se deu-se a coisa como pronta para alugar. esta noite acordei com uma violenta gritaria misturada com o barulho de pontapés numa porta. uma gritaria, etílica, histérica, e bumba, bumba, bumba numa porta.
levantei-me e espreitei pela janela. estavam uns cinco marmanjos a sovar a porta debaixo de uma chuva intensa. pensei que a casa tinha sido, entretanto, alugada e que os inquilinos, na excitação da bebedeira, tivessem perdido as chaves.
mas hoje a casa continua tão trancada como antes, tão silenciosa e reclusa da sua própria solidão que me pus a duvidar se realmente aquilo se tinha passado.
tenho uma vizinha que todas as manhãs desperta a rua com insultos à vida, ao marido, aos gatos, a tudo… a ela, enquanto lava e esfrega e encera a porta da sua casa. dá fé de tudo. sabe de tudo e não se inibe nada em pôr as mãos nas ancas e desancar as ancas dos outros pelos mais insignificantes motivos. esperava que ela confirmasse a história nos seus comentários matinais com as comadres e com isso recuperasse a minha sanidade. nada, hoje nem saiu de casa. estive quase para lhe ir bater à porta e perguntar se a senhora hoje não vinha bradar aos céus por causa do mijo dos gatos.
a chuva continua, a rua está deserta, a vizinha desaparecida e a casa… a casa, talvez já lá nem esteja.