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sábado, janeiro 17, 2004

HORA DO DIABO 58 

a escrita é uma arma/eu bem dizia/tudo depende da bala/e da pontaria/tudo depende da raiva/e da alegria/a escrita é uma arma/de pontaria/há quem escreva por interesse/há quem escreva por escrever/há quem faça profissão de combater a escrever - a partir de poema de José Mário Branco

quando o inverno tosse caímos escada a baixo.

o velho visita todas as noites o seu pequeno estabelecimento para o varrer. tem que subir uma estreita escada, sem corrimão, de vassoura e pá na mão. trinta e tal degraus. Depois, às escuras, acende um fósforo e mete a chave à porta.

rotina das noites de inverno e verão. rotina da velhice, que em novo não fazia tal trabalho. agora está só e não há quem lhe limpe a loja.

janta e parte no calor ou no frio para a sua segunda morada. tem quase oitenta anos, mas nada o detém. nunca percebi porque não deixa ele a vassoura e a pá oficina. mas não. leva-a para casa e no outro dia para a loja.

hoje choveu todo o dia, os degraus ficaram escorregadios e o velho tombou escada a baixo. foi numa ambulância. apesar das dores, do sangue, não queria por nada largar a sua pá e a sua vassoura. os bombeiros tiveram que lhas arrancar à força. ficaram para ali, pelo chão.

Agora à noite, quando voltava para casa, dei com a pá e a vassoura caídas no mesmo sitio, como se esperassem, na solidão do frio e da noite, o regresso do sr. custódio que não vai vir.

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