sábado, janeiro 03, 2004
HORA DO DIABO 48
"O fumo do meu lar, nas tardes nervosas de Outono, parece animado duma louca inspiração escultora de anjos e fantasmas." - Teixeira de Pascoaes
Caro Vital Moreira,
Esta coisa de opinar...
Olhando para o seu post sobre a morte do Vítor de Sá e para o post do Pacheco Pereira no "Abrupto", encontramos visões tão diversas, que saber pelas vossas opiniões quem foi V. de S., é pura coincidência. No entanto, é isso que é fantástico na vida, não haver "verdades", as coisas são mesmo como nós as vemos. O que ficará para a história da resistência ao fascismo, do 25 de Abril, do 25 de Novembro e por aí a fora, assim como da participação política e profissional do Vítor de Sá, realmente ninguém sabe. E isso é bom. Muito bom.
Irónico desfecho historicista da vida de um historiador.
Um abraço.
FMG
CAUSA NOSSA
"Morreu Vítor de Sá. Bem antes de o conhecer a ele, conheci a sua fama de militante oposicionista e perseguido político, bem como a sua obra sobre a história do século XIX, ainda nos anos 60. Depois encontrámo-nos nas lides da oposição democrática ao Estado Novo e, mais tarde, no PCP. Apareceu um dia na Assembleia da República (onde eu já era "sénior") como deputado eleito por Braga. Em São Bento era um cavalheiro, discreto e tímido, quase temeroso de se fazer notar. Absorvidos na azáfama parlamentar não tivemos oportunidade de privar muito, fora uns almoços de circunstância e algumas viagens de comboio juntos às 6ªs feiras, de regresso da semana parlamentar. De resto, a sua passagem parlamentar foi efémera (1979-80). Dedicou-se depois à investigação e docência universitária. Anos mais tarde fui assistir à Universidade do Porto à sua última aula como professor. Não voltei a encontrá-lo.
Com a sua morte desapareceu um resistente anti-salazarista como poucos, um universitário zeloso que deixa obra de mérito e sobretudo uma estimável pessoa."
Vital Moreira
ABRUPTO
"[...] Eu também estive neste ofício dos mortos, a escrever uma nota necrológica sobre Victor Sá para os Estudos sobre Comunismo. Com uma diferença: no pouco que conheci pessoalmente de Victor Sá, nunca tive a menor simpatia pelo homem. Tenho dele uma impressão de arrogância dogmática e sectária, muito comum nos comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, de Braga, mesmo do Porto. Acresce que ele escrevia sobre o movimento operário, e a mesma ortodoxia agressiva perpassava nos textos. Depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco “democratas”.
No entanto, quando se faz de Deus e se escrevem estes balanços de vida, fica uma sensação contraditória sobre o homem. Ele teve uma vida que a PIDE, e essa personagem sinistra que era Santos da Cunha, se encarregaram de estragar com afã. E ele voltava ao mesmo, a fazer as mesmas coisas, com uma persistência que só uma fé poderosa e moderna como era o comunismo explicava. Ainda hoje não sei como é que nesta rectidão, motivada pelas piores ideias, se define uma moral, se há uma moral. Garanto-vos que, visto de perto, não é simples."
Pacheco Pereira
Caro Vital Moreira,
Esta coisa de opinar...
Olhando para o seu post sobre a morte do Vítor de Sá e para o post do Pacheco Pereira no "Abrupto", encontramos visões tão diversas, que saber pelas vossas opiniões quem foi V. de S., é pura coincidência. No entanto, é isso que é fantástico na vida, não haver "verdades", as coisas são mesmo como nós as vemos. O que ficará para a história da resistência ao fascismo, do 25 de Abril, do 25 de Novembro e por aí a fora, assim como da participação política e profissional do Vítor de Sá, realmente ninguém sabe. E isso é bom. Muito bom.
Irónico desfecho historicista da vida de um historiador.
Um abraço.
FMG
CAUSA NOSSA
"Morreu Vítor de Sá. Bem antes de o conhecer a ele, conheci a sua fama de militante oposicionista e perseguido político, bem como a sua obra sobre a história do século XIX, ainda nos anos 60. Depois encontrámo-nos nas lides da oposição democrática ao Estado Novo e, mais tarde, no PCP. Apareceu um dia na Assembleia da República (onde eu já era "sénior") como deputado eleito por Braga. Em São Bento era um cavalheiro, discreto e tímido, quase temeroso de se fazer notar. Absorvidos na azáfama parlamentar não tivemos oportunidade de privar muito, fora uns almoços de circunstância e algumas viagens de comboio juntos às 6ªs feiras, de regresso da semana parlamentar. De resto, a sua passagem parlamentar foi efémera (1979-80). Dedicou-se depois à investigação e docência universitária. Anos mais tarde fui assistir à Universidade do Porto à sua última aula como professor. Não voltei a encontrá-lo.
Com a sua morte desapareceu um resistente anti-salazarista como poucos, um universitário zeloso que deixa obra de mérito e sobretudo uma estimável pessoa."
Vital Moreira
ABRUPTO
"[...] Eu também estive neste ofício dos mortos, a escrever uma nota necrológica sobre Victor Sá para os Estudos sobre Comunismo. Com uma diferença: no pouco que conheci pessoalmente de Victor Sá, nunca tive a menor simpatia pelo homem. Tenho dele uma impressão de arrogância dogmática e sectária, muito comum nos comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, de Braga, mesmo do Porto. Acresce que ele escrevia sobre o movimento operário, e a mesma ortodoxia agressiva perpassava nos textos. Depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco “democratas”.
No entanto, quando se faz de Deus e se escrevem estes balanços de vida, fica uma sensação contraditória sobre o homem. Ele teve uma vida que a PIDE, e essa personagem sinistra que era Santos da Cunha, se encarregaram de estragar com afã. E ele voltava ao mesmo, a fazer as mesmas coisas, com uma persistência que só uma fé poderosa e moderna como era o comunismo explicava. Ainda hoje não sei como é que nesta rectidão, motivada pelas piores ideias, se define uma moral, se há uma moral. Garanto-vos que, visto de perto, não é simples."
Pacheco Pereira