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sábado, janeiro 24, 2004

HORA DA FÉNIX 53 

a escrita é uma arma/eu bem dizia/tudo depende da bala/e da pontaria/tudo depende da raiva/e da alegria/a escrita é uma arma/de pontaria/há quem escreva por interesse/há quem escreva por escrever/há quem faça profissão de combater a escrever - a partir de poema de José Mário Branco

acaso (acaso?)

estive na fnac/colombo no lançamento do livro “prazer em pó” do meu amigo eduardo brum. conheço aquele homem desde os meus doze anos. foi meu professor no ciclo preparatório. já o não via desde 87. na altura eu tinha fundado um jornal – “heart” – e ele acabara de publicar um livro – “romance de uma sereia” – entrevistei-o para esse jornal, sobre esse livro. apesar de ter estado tantos anos sem o ver, sempre me senti próximo dele.

depois a vida com a sua magia maravilhosa foi-me trazendo noticias suas de quando em quando. há uns anos ele retornou aos açores, sua terra natal para o bem e para o mal, para lançar um projecto jornalístico em s. miguel. nessa altura falei com ele ao telefone por acaso (acaso?). o percurso jornalístico do brum é um exemplo notável, uma verdadeira resistência à mediocridade, um feroz combate pela inteligência, contra o marasmo e a incultura. vale a pena ler o estatuto editorial do jornal “expresso das nove”. em bom rigor, aquilo não é um estatuto editorial, mas um projecto de cidadania. quando o li senti um profundo orgulho (detesto esta palavra) por ter conhecido um tipo capaz de promover um projecto assim.

entretanto, tinha-lhe perdido o rasto e, por acaso (acaso?), há uns meses, um e-mail meu foi-lhe para à caixa de correio electrónico. desde então temos mantido um permanente contacto epistolar via e-mail. um contacto de imensa proximidade, repartido por évora, s. miguel e lisboa. três ilhas digitais como ele, inteligentemente, chama aos lugares da contemporaneidade.

o eduardo sempre foi um homem insular, à parte. não é de estranhar que por acaso (acaso?) tenha ido outra vez parar aos açores, re-parar aos açores, reparar os açores. os seus livros são, claramente, barcos que partem dessa ilha humana para os continentes, para as penínsulas, para as outras ilhas humanas, para o outro, numa ânsia permanente de encontrar. estranho martírio este a que deus condenou os homens e as mulheres quando ordenou a separação dos continentes e fez arder os gelos do norte provocando o dilúvio dos dilúvios. o degelo que encheu o fundo do mar das separações.

o grupo de ilhas açorianas são, aliás, uma bela metáfora da humanidade. cada ser não é mais que uma rocha pronta a explodir nos terramotos das suas clivagens interiores, irremediavelmente separados por mares imensos, com a ilusão da terra à vista do outro lado das águas.

não há muitos escritores que sintam uma necessidade visceral de se encontrar, de encontrar. uns perdem-se na procura. outros não iniciam sequer a caminhada. outros são só coisas a gesticular. felizmente o brum é dos que não prescinde das pessoas. talvez por isso ele afirme que a literatura não lhe interessa, mas sim a escrita. a pulsação, a batida cardíaca, que até já o traiu uma e outra vez.

o eduardo brum publicou sete livros. escrevo estas linhas preparando-me para ler o “prazer em pó” . os seus livros não nos descansam, não esperem encontrar nas suas linhas o prazer light da culturazinha deste principio de século. nada disso. os seus livros não são propostas para passar um bom bocado ao fim de semana. são livros que nos vão direitos à medula. que nos tocam as vértebras. isso faz-me acreditar que a escrita em portugal ainda tem forças, ainda pensa e reage. essa é a esperança de todos os que têm a cultura e a arte como pátria comum, a esperança e o dever de resistir.

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