sábado, dezembro 27, 2003
HORA DO DIABO 42
"O fumo do meu lar, nas tardes nervosas de Outono, parece animado duma louca inspiração escultora de anjos e fantasmas." - Teixeira de Pascoaes
a vida tornou-se uma estranha forma de luar. todo o sol que me iluminava se foi transformando em noite. é uma lua sem crescentes que agora habita o meu cérebro. os dias são arrastos de pensamentos, memórias, choques em cadeia, perfumes também. nunca esqueci os odores. nunca esqueço os odores, os odores são parte da minha alma, a minha alma é um odor passado.
a morte já não é o que mais assusta. a minha morte quero dizer. a morte dos outros ainda é um terror insolúvel. uma espinha na garganta. ouço músicas, ouço livros, ouço imagens em ecrãs, procuro descobrir em mim um ponte com o presente.
como é possível viver o aqui e agora como dizem os especialistas na espiritualidade humana? como é isso possível se não nos livrarmos da ilusão do passado, da ilusão do futuro, que são a mesma coisa, são medo e expectativa e terror nocturno?
velas apagadas, de que servem velas apagadas? para as acender? é uma possibilidade, mas interessará a alguém acender uma vela como eu, apagada na claridade?
a rádio promete tantas coisas, entretenimento, sucessos de noticias, há sempre alguém pior que nós, não é isso que nos dizem? podíamos estar presos, podíamos estar no hospital, podíamos estar mortos, até enterrados ou cremados. dizem-nos que nos devíamos consolar com o mal dos outros, antes isso que o uma perna partida. sim. é verdade. devia consolar-me com a desgraça dos outros. pensar em campos de concentração nazis, na sida, no cancro, na eutanásia, nos sem abrigo, eu sei lá. e penso, e penso, e penso. mas que resolve isso? talvez console os beatos da humanidade, felizes os pobres de espírito…
sento-me escrevendo estas palavras como se me pudesse salvar pela oração. e talvez salve. que a oração da escrita é o fogo do coração.
a vida tornou-se uma estranha forma de luar. todo o sol que me iluminava se foi transformando em noite. é uma lua sem crescentes que agora habita o meu cérebro. os dias são arrastos de pensamentos, memórias, choques em cadeia, perfumes também. nunca esqueci os odores. nunca esqueço os odores, os odores são parte da minha alma, a minha alma é um odor passado.
a morte já não é o que mais assusta. a minha morte quero dizer. a morte dos outros ainda é um terror insolúvel. uma espinha na garganta. ouço músicas, ouço livros, ouço imagens em ecrãs, procuro descobrir em mim um ponte com o presente.
como é possível viver o aqui e agora como dizem os especialistas na espiritualidade humana? como é isso possível se não nos livrarmos da ilusão do passado, da ilusão do futuro, que são a mesma coisa, são medo e expectativa e terror nocturno?
velas apagadas, de que servem velas apagadas? para as acender? é uma possibilidade, mas interessará a alguém acender uma vela como eu, apagada na claridade?
a rádio promete tantas coisas, entretenimento, sucessos de noticias, há sempre alguém pior que nós, não é isso que nos dizem? podíamos estar presos, podíamos estar no hospital, podíamos estar mortos, até enterrados ou cremados. dizem-nos que nos devíamos consolar com o mal dos outros, antes isso que o uma perna partida. sim. é verdade. devia consolar-me com a desgraça dos outros. pensar em campos de concentração nazis, na sida, no cancro, na eutanásia, nos sem abrigo, eu sei lá. e penso, e penso, e penso. mas que resolve isso? talvez console os beatos da humanidade, felizes os pobres de espírito…
sento-me escrevendo estas palavras como se me pudesse salvar pela oração. e talvez salve. que a oração da escrita é o fogo do coração.