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quarta-feira, dezembro 10, 2003

HORA DO DIABO 29 

"O fumo do meu lar, nas tardes nervosas de Outono, parece animado duma louca inspiração escultora de anjos e fantasmas." - Teixeira de Pascoaes

"NÃO SEl QUEM SOU, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenha.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

Sê plural como o universo!"

Fernando Pessoa

Nesta rua conheço o homem do café, a chinesa da “Loja da China”, o cão cego que dorme junto do semáforo. Conheço a mulher com bigode do quiosque dos jornais. A indiana dos incensos, as prostitutas negras dos Anjos. Reconheço o cheiro a mar, os bitoques, as empadas de galinha, os pasteis de nata, o som da televisão que vem dos cafés. Na Hora do Diabo conhecemos toda a gente. A rua anda, os carros andam, as árvores andam. Não há silêncio, a paz é uma nuvem, os meus passos morrem no caminho. Insuportavelmente, é sempre dia.

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