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quinta-feira, dezembro 25, 2003

HORA DA FÉNIX 38 

"O fumo do meu lar, nas tardes nervosas de Outono, parece animado duma louca inspiração escultora de anjos e fantasmas." - Teixeira de Pascoaes


MAIS PALAVRAS QUE CHEGAM NO DESABAFO NATALÍCIO, SÃO DO JORNALISTA PAULO NOBRE,
Para ti um abraço,

"Está o Frederico a queixar-se com a barriguinha cheia. Ora experimente um dia destes - pense nisso primeiro, faça contas depois, convém até falar com a companheira pois ela pode não achar graça nenhuma e não vale a pena estar a fanar a lamela das pílulas -, mas dizia, experimente um dia destes alargar a famelga.
Depois do acto consumado, de ter a certeza que o atraso é-hipótese-mais-que-provável, dirija-se ao ginecologista. Aí à segunda ou terceira ecografia em lugar de um pauzinho tá lá um buraco.
Deixe passar uns anitos. Não precisa de agitar. A coisa actua de modo natural, mais tarde ou mais cedo. Adiante.
Está o meu amigo sentado frente ao teclado meditando cheio de Saudades de Antero e aparece ela, solicitando preciosa ajuda ao pai, armada de Barbies (é mesmo com "s" no fim) e Nenucos (o meu amigo até é bem capaz de não saber o que são Nenucos, o que é uma sorte, devo confessar-lhe) numa mão. Na outra, pequenos trapos de muitas cores, incluindo aquela cor monocromática simbolizando o sarro, sinónimo de múltiplas utilizações - e disto o meu amigo percebe mais que eu.
Levanta os olhos do teclado, desvia-os do monitor, olha admirado por cima dos óculos, testa franzida e ouve com atenção de pai a sacramental pergunta da piquena: "Pai-podes-ajudar-me-a-vestir-as-meninas-que-eu-não-sou-capaz?"
Pois meu caro. Estou desejoso que o meu filho cresça e me peça para dar uns chutos na bola em plena relva do parque infantil. Posso não acertar na ba-li-za, já que faço parte desse clube de azelhas que você não menciona, mas do qual se nota ser membro. Não queira saber a satisfação que me vai dar falhar a ba-li-za. Ou, prefeitamente plausível, mesmo a bola. É mais reconfortante que agarrar num molho de vestidos e enfiá-los pela cabeça abaixo de uma boneca mercantilista que na última contagem já eram em número de catorze na prateleira do lado direito à entrada do quarto das brincadeiras aquela mesmo por cima dos cinco ou seis Nenucos junto do caixote com trezentos pratos, vinte e cinco bules, setecentas facas, garfos e colheres onde diariamente são confecionadas as papas alimentícias para aquela gente toda em cozinhas de plástico onde até os fogões parecem debitar chamas.
Um grande abraço e aproveita para comprar uma bola nova ao puto. Essa é de borracha, está velha e não tem piada nenhuma. Daqui a um mês, depois de passada a parvoice das prendas, aproveita e compra umas chuteiras. Não é concebível umas luvas e uma bola nova não terem direito a um par de botas.
Sinto-me enjoado de bonecas. Sinto saudades de dar um pontapé na bola. Ardo em desejo de ser confrontado com a obrigatoriedade de comprar uma bola, umas luvas, umas botas "com pitons, pai, daqueles que se desenroscam, não te esqueças"... Só espero que a cervejola das seis não leve a barriga a proibir as pernas de se moverem.

Um abraço

Paulo Nobre"

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