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sábado, dezembro 13, 2003

HORA DA FÉNIX 30 

"O fumo do meu lar, nas tardes nervosas de Outono, parece animado duma louca inspiração escultora de anjos e fantasmas." - Teixeira de Pascoaes

Pela última vez, STAND-UP TRAGEDY

Diário de Imagens "Saudades de Antero"

Mais um comentário e não falo mais nisto.

Há dois elementos neste espectáculo que me têm assaltado o espírito de forma recorrente: o momento da ruptura do espectáculo – a mulher gorda – e o microfone na mão de Ricardo Magalhães. Dois elementos explosivos.

A mulher gorda. O fim do espectáculo. O início do espectáculo.

Não é um momento qualquer. Se é verdade que o espectáculo acaba ali, é igualmente verdade que o espectáculo começa ali. Confuso? Quando estamos sentados no Maria Matos e batemos com os cornos na paralisação da personagem arriscamos tudo. É o momento em que o maple que ocupamos na plateia se transforma em cadeira. De pau. O risco para o actor é também grande, o risco do actor é deixar de ser o Ricardo Magalhães para ser o Tiago Rodrigues, o que seria uma merda. O risco que o público corre é muito maior, é imenso, é immmmmmeeeeeennnnssssso. É muito estranho sentirmo-nos indesejados e é isso que se sente. Como estamos habituados à ideia de que nos devem agradecer uma ida ao teatro, só de pensar que não estamos ali a fazer nada deixa-nos fora de nós. Pensamos, quem é que este gajo pensa que é, este tipo tá-me a gozar. Claro que não estamos ali a mais, acho eu, mas não nos sentimos queridos, sentimos calafrios. Uma gaja gorda, o gajo tá a falar de mim? É um momento lixado para o espectador. Se é.

Uma das coisas maravilhosas que o teatro nos oferece (o que raramente acontece, infelizmente), é a possibilidade de irmos ao palco e, no limite, dar uma bofetada nos actores e vice versa. Quando a personagem paralisa frente à mulher gorda, põe-se essa hipótese. O Ricardo Magalhães está a esbofetear-nos, ora, nós também podíamos lá ir e…

Se o actor não arrebata o público, corre mesmo o risco de levar na tromba, o Tiago Rodrigues corre esse risco. E isso é extraordinário.

O microfone.

Podem-me chamar picoinhas. Já vimos milhares de comediantes a utilizar microfones na mão para se apoiarem, para fazer qualquer coisa com as mãos, até para amplificar a voz. Ali, para além dessas coisas todas, é muito mais. É o ponto da nossa concentração. São batidas de coração. Respiração. Desenho. Escrita.

Quando Ricardo Magalhães pousa o microfone para beber água, respiramos de alívio de regresso ao maple. São momentos de paz, de amplidão. Mal ele re-pega no microfone, o teatro volta a ficar minúsculo. Voltamos à cadeira no cubículo. Voltamos ao combate.

Na verdade SUT têm duas personagens, o Ricardo e o microfone. Se um falha o outro enterra-se pelo chão. Um é o electrocardiograma do outro. E no ritmo desse coração inquieto , mais uma vez, arriscamos o enfarte.

Obrigado

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