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sexta-feira, dezembro 05, 2003

HORA DA FÉNIX 22 

"queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma" - Mário Cesariny

Diário de Imagens “Saudades de Antero”

Um centro comercial no Martim Moniz em Lisboa. No primeiro andar, um casal de Brâmanes tem três lojas requintadamente decoradas. As lojas estão sempre de porta fechada e só as abrem mediante pedido expresso, e, como Brâmanes que são, não atendem toda a gente.

Quer ele quer ela são de uma delicadeza extrema. A mulher é de uma beleza tal, que nos paralisa. Sempre vestida como uma princesa dos sonhos. Ele tem um rosto sério, move-se reflectidamente, pausadamente e raramente fala. Tem um sorriso silencioso.

Numa das lojas está montado um altar ao Guru de Raiz dos sacerdotes que são. Sempre com flores, oferendas e incenso.

Não há outro sitio em Lisboa que onde se encontre insenso de tão boa qualidade, nem tão belos ornamentos indianos. Nunca procuram vender. Se alguém quer levar uma coisa tem de ser por sua iniciativa. Assim impõe a sua religião.

Cena 1

O homem comprou uma série de livros em impressos em hindi. Um com histórias infantis, outro com orações e um contando a lenda de algumas divindades.

Cena 2

Num dos livros, o das histórias infantis, o homem encontrou uma estranha ilustração. O papel indiano é um papel estaladiço, escuro. Os caracteres são impressos a chumbo. São gravuras preciosas. Cada livro destes é um ensinamento sobre da arte tipográfica.

A ilustração mostra um homem [marcadamente feminino] atrás das grades com as mãos amarradas atrás das costas a uma coluna belissimamente ornamentada. Tem uma cobra capelo envolta no seu corpo, como uma dupla prisão. A serpente olha-o de frente. Está pronta a atacar.

Fora da cela, uma mulher [marcadamente masculina], segurando uma citara, estende-lhe a mão sem o tocar. Ele sorri, ela olha-o apenas, talvez esboce um secreto sorriso.

No quadro ao lado, o homem está sozinho, continua amarrado entre grades, enrolado pela serpente. Nesta gravura está desenhada, fora das grades, uma divindade que o abençoa com a mão no mudra da protecção. O homem olha-o sério, a serpente também.

Cena 3

São dois desenhos misteriosos. Impossíveis de decifrar. O homem preso. Duas vezes preso. A mulher tocadora de citara. A divindade que o visita. Este homem preso está condenado ou protegido?

A serpente é a mão da morte ou a kundalini desperta?

Cena 4

O homem que comprou os livros, sentiu por várias vezes a tentação de procurar o casal para lhes pedir a tradução da história, mas nunca o fez. Sentia-se demasiado a personagem envolta na serpente atrás de grades.

Não sabendo porquê, apesar de todas as interrogações, a última imagem sugeria-lhe um momento terminal. O beijo da morte. A presença discreta da divindade abençoando o homem da história, dava-lhe uma certa esperança, ele, homem vulgar, personagem também, de um outro livro sem gravuras.



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