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domingo, dezembro 07, 2003

A Festa de Aniversário 

"O fumo do meu lar, nas tardes nervosas de Outono, parece animado duma louca inspiração escultora de anjos e fantasmas." - Teixeira de Pascoaes

Diário de Imagens “Saudades de Antero”


Para o pequenino João e para a pequenina Isabel,

Uma festa de anos.
Uma quinta.
Sol num dia de chuva.
Os meninos que se juntaram naquele lugar de árvores e lagos, para festejar o aniversário do João, conheciam-se desde que nasceram. São mais do que irmãos porque o laço que os une é o da vontade de se gostarem. Nada, nenhum condicionamento, os obriga a se relacionarem. São todos um, porque cada um é parcela dos outros.

Durante toda a tarde o pai do João andou sem saber o que fazer naquela festa. Tentou falar, as pessoas respondiam-lhe com gentileza mas com distância, tentou ajudar nas imensas tarefas que organizar a festa tinha implicado, mas sentia-se desajeitado, a mais. A mãe do João tinha tudo tratado com impecável organização, atenção e afecto para com os meninos. A tarde ia passando e o homem sentia-se como uma das árvores do jardim. Presa ao chão, sem movimento, sem nada, a afundar-se. Fumou, andou de bicicleta, tentou de tudo para se acalmar e ser alguma coisa mais que um vulto.

No cume do desespero, quando o homem estava sozinho na casa da quinta - todos os meninos e adultos tinham saído para o jardim – veio para junto dele a pequenina Isabel, que vai fazer oito anos em breve. É umas semanas mais nova que o João. A pequenina Isabel é uma menina doce, resoluta, sempre pronta a ajudar e resolver problemas. Tem um sorriso aberto e meigo. Tem quase oito anos mas deita a mão a quem precisar de ajuda. Foi o caso.

Mal entrou na casa pegou na mão do homem e disse vamos jogar matraquilhos. E foram. Não contaram pontos nem reclamaram vitórias. De vez em quando alguém entrava à procura de qualquer coisa e a pequenina Isabel deixava a mesa por instantes, resolvia o assunto com prontidão: copos, sacos de plástico, guardanapos, o que fosse, e voltava ao jogo.

Por várias vezes, o homem perguntou à menina se ela queria ir para ao pé dos outros, mas ela respondia sempre que não, que queria ficar ali, que continuasse a jogar que ela estava bem. E ele continuava. Jogaram um tempo infinito que poderia ter durado quinze minutos, vinte, trinta. Não se sabe. A pequenina Isabel arrebatou-o à sua tristeza e trouxe-o para o agora, sem tempo. Absolutamente concentrado no jogo, entre gargalhadas e golos, o homem foi feliz. A pequenina Isabel tinha-o salvo. Ela soube-o, disse-lhe: «agora vou lavar as mãos para irmos cantar os parabéns». Ela soube que o tinha salvo e que podia continuar a sua missão de angelical noutro local.

Já ao fim da tarde, depois da festa, o pequenino João abraçou-o e beijou-o. Disse-lhe: «estou muito feliz pai».

O homem voltou a si já na sua solidão. Agradecerá até ao fim dos seus dias a bondade desses dois momentos.





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