sexta-feira, dezembro 05, 2003
Carlos Paredes
"queria de ti um país de bondade e de bruma/queria de ti o mar de uma rosa de espuma" - Mário Cesariny
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
1.
Encontrei num postal de divulgação da revista Cais, daqueles que se dão em estantes, nos cinemas, nos teatros e assim, uma fotografia de Carlos Paredes. É uma comovente imagem. Ele está vestido de fato, gravata e sobretudo. Tem nas mãos uma molho de cravos vermelhos e está a olhar de frente a objectiva. Está-nos a olhar de frente. Está mergulhado até aos joelhos na água, numa praia. Sob e sobre um azul glorioso. É uma fotografia azul, preta e vermelha. Como a sua música é azul, negra e vermelha.
Esta fotografia (o postal não identifica o autor, se alguém souber quem é por favor diga-me) comove-me até às lágrimas. Sempre que a vejo sou arrebatado por uma saudade e por uma tristeza tão terríveis.
Recordo um passeio de carro (dantes dava passeios), pela, agora ardida, Serra de Monchique, debaixo de chuva, cheiro a terra, tudo, ouvindo o Concerto em Frankfurt. Desde essa tarde de 1989 que identifico imediatamente a música de Carlos Paredes com as estradas espiraladas de Monchique.
2.
No outro dia, a propósito dos poemas de Cristina Tavares, dizia que as grandes almas são figuras de silêncio. Que habitam o palácio da discrição, que são anjos da simplicidade e que a sua forma de vida jamais cede a qualquer tipo de ostentação, isso é belo. Muito belo. É admirável. O mesmo se aplica a Carlos Paredes, discreto funcionário do Ministério da Saúde, até atribuía a comoção que as pessoas sentiam ouvindo a sua música à sonoridade da guitarra portuguesa e não às suas composições.
A doença de Carlos Paredes, a forma como tem sido vivido o drama da sua ausência, é o espelho da maneira como viveu o seu percurso como compositor. Não há vitimizações, nem grandes reportagens, nem cantos do cisne em forma de auto-apluaso. Paredes morrerá como viveu (é preciso lembrar a forma idêntica como José Afonso nos deixou): no silêncio dos inocentes.
3.
Palavras de Carlos Paredes:
«As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e eles aderem. Não há mais nada».
In Público, 20/3/90
«Para se fazer música com prazer tem muita importância a amizade entre as pessoas. Não se pode fazer música friamente e com cálculo, profissionalmente, no mau sentido da palavra, a receber x à hora. Não pode ser assim».
In Se7e, 16/3/88
«A música que faço é um produto das circunstâncias imediatas do tempo em que eu vivo, e passará a ser encarada de outra forma quando essas circunstâncias desaparecerem. É uma coisa que, se perdurar graças aos discos, ficará apenas com o valor de documento, como acontece com toda a pequena música, desde os Beatles ao Manuel Freire. E já ficarei muito orgulhoso se, daqui a muitos anos, puder ser entendido como um compositor que se integrava bem nos acontecimentos desta época...».
In Se7e, 5/10/83
«Já me tem sucedido fazer as pessoas chorar enquanto eu toco... E eu não compreendia isto, mas depois percebi que é a sonoridade da guitarra, mais do que a música que se toca ou como se toca, que emociona as pessoas».
Diário de Imagens “Saudades de Antero”
1.
Encontrei num postal de divulgação da revista Cais, daqueles que se dão em estantes, nos cinemas, nos teatros e assim, uma fotografia de Carlos Paredes. É uma comovente imagem. Ele está vestido de fato, gravata e sobretudo. Tem nas mãos uma molho de cravos vermelhos e está a olhar de frente a objectiva. Está-nos a olhar de frente. Está mergulhado até aos joelhos na água, numa praia. Sob e sobre um azul glorioso. É uma fotografia azul, preta e vermelha. Como a sua música é azul, negra e vermelha.
Esta fotografia (o postal não identifica o autor, se alguém souber quem é por favor diga-me) comove-me até às lágrimas. Sempre que a vejo sou arrebatado por uma saudade e por uma tristeza tão terríveis.
Recordo um passeio de carro (dantes dava passeios), pela, agora ardida, Serra de Monchique, debaixo de chuva, cheiro a terra, tudo, ouvindo o Concerto em Frankfurt. Desde essa tarde de 1989 que identifico imediatamente a música de Carlos Paredes com as estradas espiraladas de Monchique.
2.
No outro dia, a propósito dos poemas de Cristina Tavares, dizia que as grandes almas são figuras de silêncio. Que habitam o palácio da discrição, que são anjos da simplicidade e que a sua forma de vida jamais cede a qualquer tipo de ostentação, isso é belo. Muito belo. É admirável. O mesmo se aplica a Carlos Paredes, discreto funcionário do Ministério da Saúde, até atribuía a comoção que as pessoas sentiam ouvindo a sua música à sonoridade da guitarra portuguesa e não às suas composições.
A doença de Carlos Paredes, a forma como tem sido vivido o drama da sua ausência, é o espelho da maneira como viveu o seu percurso como compositor. Não há vitimizações, nem grandes reportagens, nem cantos do cisne em forma de auto-apluaso. Paredes morrerá como viveu (é preciso lembrar a forma idêntica como José Afonso nos deixou): no silêncio dos inocentes.
3.
Palavras de Carlos Paredes:
«As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e eles aderem. Não há mais nada».
In Público, 20/3/90
«Para se fazer música com prazer tem muita importância a amizade entre as pessoas. Não se pode fazer música friamente e com cálculo, profissionalmente, no mau sentido da palavra, a receber x à hora. Não pode ser assim».
In Se7e, 16/3/88
«A música que faço é um produto das circunstâncias imediatas do tempo em que eu vivo, e passará a ser encarada de outra forma quando essas circunstâncias desaparecerem. É uma coisa que, se perdurar graças aos discos, ficará apenas com o valor de documento, como acontece com toda a pequena música, desde os Beatles ao Manuel Freire. E já ficarei muito orgulhoso se, daqui a muitos anos, puder ser entendido como um compositor que se integrava bem nos acontecimentos desta época...».
In Se7e, 5/10/83
«Já me tem sucedido fazer as pessoas chorar enquanto eu toco... E eu não compreendia isto, mas depois percebi que é a sonoridade da guitarra, mais do que a música que se toca ou como se toca, que emociona as pessoas».