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segunda-feira, setembro 29, 2003

Começaram os dias de Outono. Évora ganha uma tristeza, uma respiração de dor. Há dias tão sombrios que as casas deixam de ser casas, o céu deixa de ser céu. Não há cor. Toda a beleza do mundo se concentra neste lugar.

...num poema do António Cândido Franco:

"Penso neste outro eu.
Nesse que houve no menino que fui.
No passado
Assim já vi.
O presente nunca é só presente.

Há sempre um ontem a decorrer no hoje.
Por isso
Antes de nascer eu nasci
E ouvi antes de ouvir.

Mas ouvi e vi
Para compreender como o silêncio antigo
a escuridão primeira
o vazio sem nada
e o medo amargo
são fatais.

No tempo da minha infância
a escuridão era mesmo escuridão
o silêncio era mesmo silêncio
e o vazio, vazio.
Nada mais.

O outro que lá houve
só esteve para ver como eu fui só menino.

Ontem foi
Como se tivesse sido só ontem.
E isso foi assim
Embora esse ontem
Só hoje esteja a acontecer

Esta quase chuva aquece o ar e a transpiracãoo torna-se lenta e torturante. Ao contrário do suor de verão: um cheiro perfumado a juventude, a transpiração de Outono é surda, fria. Um banho de morte junto ao corpo.

É nesta altura do ano que o fumo de um cigarro, ou o odor do tabaco de cachimbo em combustão, assumem o papel da salvação das horas. Cria-se uma possibilidade de turbulência nas nossas vidas.

A turbulência, o factor da imprevisibilidade matemática, a inesperada salvação de um percurso caminhado na solidão.

O fumo quando sai da ponta de um cigarro sobe recto e vertical. Monótono. Cinzento. Até que por qualquer motivo, que nem a matemática sabe numerar, ele se dispersa e agita e ganha azul para o seu reflexo.

Se soubéssemos criar turbulência na nossa recta-verticalidade-cinzenta, talvez os dias do início de Outono escapassem á sua implacável beleza mas ganhassem a bondade dos dias tranquilos.

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