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sábado, outubro 21, 2006

raiz pé de diabo 

# 21

a noite vinha e o nevoeiro fazia um novelo
no vale-encanto
onde a chuva milimétrica
,a catedral
e a imaginada maresia,
nos ocultava dos homens
..........,das fadas ,dos gnomos ,anões ,elfos,,,

acudiam os cães e os furões
..........,ao longe ouviam-se os caçadores
(que dispararam uma vez)

a lua iluminava tudo e tudo iluminava deus
..........o vivido ali não teria morte
que não fosse pelas estrelas aquecida
..........sublime constelação que já cegou
espalhada em poeiras de bronze
..........em limalhas de despedida

sábado, 21 de outubro de 2006

noites sobre noites no túmulo de budha
stupa ocidental – encanto onde já não entro

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raiz pé de diabo 

# 20

pensei ter encontrado uma flor
e nessa flor todo o amor das flores
......um campo de flores abertas
......eterno no meu colo
como a alma das coisas são eternas
no colo das divindades maiores

pensei um pássaro
..........branco e dourado
que me abençoaria com as labaredas
de um espírito santo e feliz
pensei amor
e sim
sinto-o

..........¿e a flor?
..........¿e o pássaro?

à noite brilham os campos de rosas
e eu vejo-os brilhar como se fossem meus
e por vezes julgo que o brilho é o amor de volta
as flores e os pássaros de volta
borboletas carmim sobre uma mortalha de linho
à noite
..........o brilho dos campos
é veloz e urgente

tocam pequenos sinos nos meus ouvidos
até que desperto
e o brilho cai
e as rosas voam
..........o dia nasce
..........ausente do brilho
..........e da flor
..........perco
o passo redondo que tive até sentir a terra no rosto
e ter de entrar nela
deixando o céu partir como de mim partiram as cores –
espírito santo e feliz que desfiz

sexta-feira, 21 de outubro de 2006

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quinta-feira, outubro 19, 2006

raiz pé de diabo 

# 19

as mães nascem como raízes
do ventre aquoso das araucárias
e nas mãos trazem o desejo apócrifo
..........maldoso
..........e premeditado
de terem filhos
e os filhos nascem e abafam na redoma dos pensamentos maternais
perdidos na copa dessas mais altas
e antigas
árvores
e assim desponta nos filhos o amor férreo e aflito
de romper – o dever de gritar e
abandonar a árvore
.........cair desterrado – enterrado e só
....................num solo de espinhos
desejo de não ter olhos
nem sentidos
de não voltar – mas as mães são um lago invernoso
lodoso
as mães são o solo de espinhos
placenta e tronco – folhas bestiais
o leite e o solstício do poema

os filhos abafam na redoma dos pensamentos maternais
perdidos na água intrínseca dessas mais cruéis
e antigas
árvores
e sem o amor férreo e desesperado de não poder não nascer
crescem crucificados
...........apedrejados pelo húmus filial – o tronco onde
acabarão por se dissipar num ciclo de renascimentos

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

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terça-feira, outubro 17, 2006

raiz pé de diabo 

# 18

esta foi a noite em que fui visitado
¿quantos anos de espera? – deixei de esperar e ele
veio – é assim sempre – toda a gente sabe –
é como procurar uma coisa que se perdeu
..........só quando desistimos é que se encontra

tinha a janela aberta
tinha tocado a sineta do altar
..........… incenso
velas de cera de abelha acesas – quatro e trinta da madrugada
e senti as suas asas a bater na estátua de buda
..........depois na cruz
...................entrou
.......................e sentou-se na cama
não esperava que tivesse um olhar diferente
não esperava que fosse diferente
..........todo ele
não sei de onde veio
sei que não voltará

voou até ao copo de água bebeu umas gotas
voou até ao altar e da tigela de oferendas tirou uns bagos de arroz
..........comeu
olhou-me novamente
sério
como se espera de um corvo
e saiu

na cama ficaram umas partículas de ouro
..........mínimas
...............quase invisíveis
suficientes para já não conseguir dormir

terça-feira, 17 de outubro de 2006

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segunda-feira, outubro 16, 2006

raiz pé de diabo 

# 17

mergulhar…__________,sim
mergulhar numa água vermelha cheia de noivas
e santos de mãos impostas sobre os peixes
no fundo havia de estar um barco português
uma índia antiga e submersa de quando os poemas
e os sinos se tocavam nos diários de bordo
essa água existe aqui bem perto
e chama-se tejo – sobre ela pairam facas
,semi-deuses – faluas transparentes empurradas pelo vento
água vermelha e salgada..........,apertada
e sem coração...........,presa a...........,igualmente submersas
casas..........:alfama..........:últimos enlaces
sangue a jorrar da graça descendo em escadaria
até ao berço sem gente que podia ter nascido
e aí se acumula em taça – ¿mergulhar?
sim
e acordar destas imagens – desfazer este torvelinho
de desenhos que surgem à cabeça como um cavalo de tróia
a deitar sonhos cá para fora – estar simplesmente mergulhado
numa água vermelha cheia de noivas
e santos de mãos impostas sobre os peixes
olhar
sorrir
e estar vazio a respirar

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

domingo, outubro 15, 2006

raiz pé de diabo 

# 16

nunca vi deus porque ele nunca quis que o visse
nunca ouvi deus porque ele nunca quis que o ouvisse
calculo que se deus quisesse que eu o visse
..........já me teria aparecido de forma a que eu percebesse
..........que era deus aquele que via
calculo que se deus quisesse que eu o ouvisse
já me teria dito qualquer coisa de forma a
que eu percebesse que era deus que me falava
mas conheço-o
sei onde está e o que faz a toda a hora
sei que agora
,no preciso instante em que leio estes versos que escrevo,
ele está de pé
..........curvado
..........a tentar arranjar um piano
há três meses que deus passa três horas por dia –
..........três horas por dia –
a tentar reparar um piano
sei que daqui a umas horas vai jantar
..........:peixe espada assado com uma
.................ou duas
........batatas
e quando se deitar chorará lendo o último capítulo do quixote de cervantes
e que durante o sono chamará em voz alta num sonho atormentado
:¡miguel!,............¡dom miguel!…
e o arcanjo virá em seu auxílio
para lhe dar água e humedecer os lábios
e amanhã acordará suado e indisposto
..........deitando um olhar frustrado
ao ventre aberto do piano que não toca

domingo, 15 de outubro de 2006

sábado, outubro 14, 2006

raiz pé de diabo 

# 15

bastavam uma estrela
..........uma que não parasse de brilhar
..........de noite.....,à luz do sol.....;uma
lua
flamejante..........;um lago de maçãs à porta de uma catedral
e uma escada que me levasse ao cimo das árvores mais altas…
...........bastava qualquer coisa natural
e eu seria leve e nítido e renasceria em mim o fulgor do espanto
...........o pasmo do princípio

bastava um riso e seria a «canção da estrada larga»
...........que walt whitman escreveu
e se fosse a «canção da estrada larga» que walt whitman escreveu
não haveria um só pensamento que me assaltasse para me fazer mal
ser a «canção da estrada larga» que walt whitman escreveu
é saber por dentro
...........nem que seja por um segundo de relâmpago
que tudo é uma oração entoada a toda hora
sem que seja preciso chamar a tudo :oração
ser «a canção da estrada larga» que walt whitman escreveu
é já ser a entoação orada de todas as horas

bastavam uma estrela
...........uma que não parasse de brilhar
...........de noite......,à luz do sol......;uma
lua
branca num lago de maçãs à porta de uma catedral
e eu seria a «canção da estrada larga» que walt whitman escreveu

sábado, 14 de outubro de 2006

quinta-feira, outubro 12, 2006

raiz pé de diabo 

# 14

fui aos mártires da pátria
vi a estátua do sousa martins
onde se acumulam devotas lápides de pele branca
__________… tão agradecidas pelos que sobreviveram
e mesmo ali
..........do outro lado do campo
uma única pedra-funérea – única
..........................lápide
..........................sem devotos
com os nomes dos que morreram ali mesmo
.....no sítio propriamente dito (uns vinte ou trinta)
.....– companheiros de gomes freire – venerável-mestre –
:os rojos supliciados que deram nome ao terreiro

+ + +
+ + +
+ + +

ao longe a medicina legal e a faculdade de medicina
..........– lisboa penhorada de tantos mortos e dores

¡ah! – há os patos
e os gansos
...........e o embaixador da alemanha
e o odor a reclusos que ainda emana do torel

(¿lembras-te daquela tarde no jardim da prisão?
...........¿o sono leve que nos tocou?
lisboa toda à nossa frente e nós de cabeças enroladas nas pernas um do outro)

¿mártires da pátria?
..........falta ali o ar aos vivos de tanto os mortos respirarem
..........aquele campo é um povoado onde
a morte
......a doença
.............e a vala imensa
se exaltam na cor negra do lago

¿patos? ¿cisnes? ¿gansos?
........¡coveiros!
… à espera

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

quarta-feira, outubro 04, 2006

raiz pé de diabo 

# 13

o rosário desfez-se
..........sim
tentarei juntar todas as pérolas
..........consagrar o fio que as há-de unir de novo

cento e oito pérolas de sândalo

quando me trouxeram aquele rosário da índia
não sabia o que lhe fazer
sentia que não me pertencia
que os mantras que proferia
não encaixavam nas suas contas
um dia vi-o noutras mãos – já abençoado
e as sílabas secretas fluíam como
uma cascata de pássaros
quando ele se partiu senti que os pássaros
choraram
hoje sentar-me-ei a refazer o rio de pérolas
talvez a noite traga de volta o canto oriental dos pássaros
e o regresso da mente ao vale encantado
onde se protegia a oração mais profunda
o cântico mais antigo
hoje
frente a uma imagem de chenrezig
cento e oito contas voltarão a alinhar-se
num fio transparente
e no fim – de novo no seio desse vale
poderei dizer sem palavras..........:budha

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

domingo, outubro 01, 2006

raiz pé de diabo 

# 11


queria ter construído naquela varanda
..........um jardim de rosas
..........e de bandeiras
queria ter tido um gato com penas brancas
que se passeasse junto aos livros e os lesse
naquela voz íntima e calma dos gatos
queria voltar a sentir chuva e sair para o meio da rua
antes do sol nascer sem nada que me protegesse
...........sentar-me na pastelaria a ouvir as conversas
das empregadas de limpeza do senhor general
queria ter acabado de pintar a porta
junto da janela e que as cores dela fossem tão
fortes e tão agudas
que delas emanassem raios de estrela sobre as camas de toda a gente
queria sentir o cheiro a açafrão daquela comida estranha
..........e oriental subindo pelo tecto
queria voltar a fumar no cachimbo negro
..........(o único cachimbo de que realmente gostei)
que se partiu numa queda fatal da janela do carro
queria uma estante só com dicionários
e uma grande cruz de santo andré pintada na porta da rua

queria tanta coisa…

queria cair de uma escada íngreme de madeira
e bater com o corpo todo na porta no fim da escada
acordar
olhar para o relógio e já não ver
depois levantar-me e sair para a chuva
..........sentar-me na pastelaria..........,cego,
ouvir as conversas das empregadas de limpeza do senhor general
voltar a mim – pegar na pasta e ir para o escritório

mas..........,estou aqui,
a querer
¿a querer o quê?
........uma varanda de rosas
........e bandeiras
que ficaram por construir

resta-me cair por uma escada íngreme e bater com o corpo todo
na porta no fim da escada e dormir – olhar o relógio e ver

domingo, 1 de outubro de 2006

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